Texto porMarcus Vinícius Batista

Vem Lá da Roça: a roça caiçara

Enquanto ela me mostrava as prateleiras de caixas de feira, tratadas e limpas, o sotaque forte canalizava lembranças minhas. Nas primeiras frases, apareceu um verbo “judiar” com o erre puxado. Quando veio o “uai”, era a hora de perguntar, antes que viessem o “sô” e a “sá”.

“A senhora é mineira?” A pergunta parecia redundante, mas era melhor ouvir o óbvio do que cometer um erro de interpretação.

Ela estava cercada de garrafas de cachaça, potes de geleia e de pimenta, canecas e bules de fazenda, queijos curados, potes de doce de leite e de bolinhas de queijo de Araxá, panos de prato decorados e suportes para passar o café no coador.

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“Não, eu nasci em Santos e voltei para cá em definitivo há dois anos, quando me aposentei”. Ainda bem que perguntei, pois nasceu uma boa conversa daquelas que só mineiros sabem travar à beira do fogão à lenha.

Ali, na loja de Conceição Oliveira, não tinha fogão à lenha, mas ela fez questão de mostrar a horta de temperos, num corredor à esquerda das mesinhas e das prateleiras que abrigavam bolos e queijos da Serra da Canastra.

Conceição tem o desapego das mulheres que deixam os cabelos completamente brancos. No corpo, um vestido florido, coberto parcialmente por aqueles aventais de quem comanda os quitutes que nascem na cozinha. Óculos de Dona Benta e sorriso permanente no rosto.

Soube da existência da loja dela, Vem lá da Roça, duas semanas antes, na casa do meu pai.

Ao entrar na cozinha dele, vi um pilão em pedra sabão. Ele comprou lá. Pediu que eu abrisse um armário no corredor e pegasse uma sacola. Ganhei um pilão igual, o segundo em minha casa. O primeiro é de madeira.

Na loja, Conceição me disse que o pilão havia sido feito em Mariana, cidade que conheci há 17 anos e nome da minha filha.

Conceição morava em Santos, na verdade. É que trabalhou por anos com Recursos Humanos na Vale do Rio Doce, onde permanecia de segunda à sexta. Desta experiência, brotaram o sotaque carregado e a paixão por Minas Gerais e seus atrativos culinários da roça. Até hoje, ela tem casa na Serra da Mantiqueira.

A loja foi uma visita inesperada. Não costumo passar em frente. É um ponto cego nas imediações do SuperCentro Boqueirão, quase na esquina das ruas Lobo Vianna e Oswaldo Cruz. Costumo atravessar a rua antes, seja para entrar no próprio SuperCentro ou para ir à Universidade Santa Cecília, um de meus empregos.

Naquele dia, mudei o trajeto, me lembrei do pilão de presente e resolvi entrar para conhecer.

Antes, o local abrigava um estúdio fotográfico, entre uma loja de sapatos e um antigo boteco de esquina, daqueles com enormes portas verdes e ovos rosas como um itens do cardápio.

Quando se aposentou, Conceição resolveu que deveria fazer o que mais gostava. Investiu com o marido num espaço que poderia ser a extensão de casa, desta vez mais perto do mar, seis quadras em vez de centenas de quilômetros. Rodou mais de 20 mil quilômetros, entre pesquisas e buscas por fornecedores.

Estas viagens incluíram Goiás e interior de São Paulo, regiões onde também trabalhou.

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Enquanto conversávamos, ela se desdobrava para explicar a uma cliente as vantagens do café no coador, servido em canequinhas verdes de bordas pretas. Para outro freguês, falava do queijo da Serra da Canastra que, para curar, deveria ficar numa base de madeira, coberto por uma rede, proteção contra mosquitos e moscas. O queijo pode ficar por três anos ali.

Sai de lá com dois presentes para minha mulher Beth: um pote de pimenta malagueta, nível sete numa escala de zero a nove, sendo que nove é a ardência máxima. E um sabonete de maçã, fabricado em Monte Verde. Até o sabonete gerou uma prosa sobre Joanópolis, cidade ao lado conhecida pela lenda do lobisomem.

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Comprei também a janta, um sanduíche de linguiça tradicional, com queijo e cebola. Uma refeição de gala, mas este é outro causo para outra roda em torno da fogueira.

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