O sabor da Donna Andréa e o bom gosto do Cléber

A esquina das ruas Almeida de Moraes com a Antônio Bento, na Vila Matias, tem sabor e ritmo diferentes do resto de Santos.

Tudo por conta do sobrado amarelo, sua árvore e cadeiras na calçada.

Tudo por conta da Mercearia Donna Andréa, ou melhor, do sabor da Donna Andréa e do bom gosto do Cléber.

Esse seria um restaurante em Santos como qualquer outro, não fosse o tempero de mãe, o atendimento sorridente, os 7 dígitos no telefone de contato estampado na placa (o que denuncia a a tradição) e o ritmo envolvente do blues que te dá boas-vindas e se despede com um “volte sempre”.

No Donna Andréa, o almoço tem trilha sonora de uma playlist composta exclusivamente de blues.

E não é só isso: você pode levar o ritmo da charmosa esquina santista com você pra onde for. As 2 mil (!) faixas estão em uma lista disponível no Spotify!

Sem o glamour dos solos de guitarra

Entre dois compromissos no bairro que leva o nome do marido de Dona Ana Costa, me encantei com uma árvore na esquina e as mesas do restaurante debaixo de sua copa. Vamos combinar: poucas ruas da cidade ainda têm esse charme e ainda menos estabelecimentos se relacionam dessa forma com a natureza.

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Dentro da casa, um quadro de Tim Maia está em uma parede e, do outro lado, tem um aparelho de som das antigas, comprado no fim dos anos 1990 ou início dos anos 2000. Das caixas de som, saem apenas as músicas que fazem parte da “Donna Andréa Rádio Blues”, anunciada na capa do cardápio.

A sensação é de uma estratégia de marketing inteligente. Ambiente familiar, ar nostálgico e trilha sonora diferente de qualquer outro estabelecimento da cidade. Mas a história é diferente e não tem o mesmo glamour dos acordes que ecoam no restaurante.

“Na real, a gente não tinha grana para decorar a casa e fazer uma coisa bonita. Buscamos algo que desse personalidade e achamos que a música era fundamental e funcionaria quase que como uma decoração”, explica Cléber Celino.

Além da boa música, o Restaurante da Donna Andréa exala boas histórias. A primeira é sua origem: Andréa, que dá nome ao restaurante, veio de Campinas para Santos em uma transferência no emprego. Conheceu o Cléber que, na época, atuava como radialista (olha aí a ligação com música) e o namorico virou casamento. A empresa para a qual ela trabalhava acabou não fazendo tanto sucesso por aqui e a demissão aconteceu. Para não ficar sem fazer nada, Andréa – que sempre amou cozinhar – começou a vender lanches naturais pela cidade.

Paralelo a isso, um primo de Cléber se mudou para Piracicaba. Era dono de uma bombonière e passou o ponto para o casal.

A bombonière, que ganhou o nome de Mercearia da Donna Andrea, ficava no espaço onde atualmente Andréa e Cleber preparam os pratos do cardápio que conquistou o meu estômago e de mais uma galera. Vale dizer que todo o imóvel pertence à família do Cleber desde os anos 1940.

De início, a pequena portinha era um espaço para quem buscava um almoço honesto, o famoso prato feito, PF para os íntimos. Ao lado, onde fica o salão, existia um bar. Com sua falência, Donna Andrea cresceu e dobrou a esquina. Começou a colocar mesas e cadeiras uma a uma, até chegar à atual disposição.

Só então a mercearia virou restaurante. Mas, para os amantes de uma boa nostalgia, a placa continua a mesma (inclusive sem o oitavo número do telefone) e só o toldo traz a nova nomenclatura.

Donna Andréa e um tempero que faz a diferença

Às 11h30, já tem gente almoçando no piso térreo do sobrado amarelo. O movimento aumenta e até às 14 horas vemos fila de espera em qualquer dia da semana.

Alguns clientes são novos, como eu; outros frequentam a casa desde 1995 e garantem que o blues é quase como um tempero que faz toda diferença. Há quem não goste e peça músicas de sucesso nas rádios, mas Cleber e Andréa não abrem mão das faixas que amam. E para os clientes mais fiéis, a trilha sonora realmente representa o charme do lugar.

“No início, eu gravava as músicas em CDs e trazia para tocar aqui. O pessoal sempre perguntava o nome e até pediam para a gente copiar para eles. Em épocas como o Natal, por exemplo, nós fazíamos CDs como brinde”.

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A playlist da Donna Andréa no Spotify é uma novidade e uma grata surpresa para os clientes – o que não era exatamente o objetivo. A ideia, na realidade, era facilitar a atualização das músicas. Mas os clientes gostaram tanto que muita gente busca e segue a lista (inclusive eu!).

Entre as 2 mil músicas, você encontra artistas como Zora Youbg, WC Spencer, Violet Hall, Trayce Conover, BB King, Steve Tyrell e Bob Dylan.

Outras histórias

Depois da música, vieram as cadeiras e, por último, a decoração.

Depois da história de amor dos dois cozinheiros por trás dos aventais, é outra que merece atenção: como o Cléber comentou, a grana era curta e a decoração da casa começou com doações de amigos e da família.

O suporte das taças, por exemplo, foi presente de casamento de uma amiga HÁ 50 ANOS. Ela não tinha usado, mas guardava com carinho e decidiu que aquele seria um bom lugar para a peça. No balcão, uma hélice chegou trazida por um cliente apaixonado por aviação e a parede exibe fotos das várias gerações que viveram na casa.

Toda a decoração do restaurante apresenta uma história. A cada visita, ela pode ter mudado após novas doações.

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Em qualquer dia da semana, uma coisa é certa: o sabor da Donna Andrea e o bom gosto do Cleber vão fazer você se apaixonar. Minha dica: prove a parmigiana de frango e a omelete da casa. São divinos. Mas vá com fome, porque o tempero é de mãe e o prato, farto como na casa da vó.

Além da playlist, você também pode acompanhar o restaurante no Facebook e no Instagram.

Quando você ficar com água na boca, corra para a Rua Almeida de Moraes, 218, Vila Belmiro. O restaurante funciona de segunda-feira a sábado, das 6h30 às 16h30. Aos domingos, Andréa, Cleber, Vitória (filha deles e recepcionista) e os colaboradores têm um merecido descanso. Mas você pode continuar ouvindo as músicas no Spotify…