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O Capitão América mora no Embaré

Vinicius andou dez metros e paralisou. Congelou diante da Igreja dos Mórmons. Aos seis anos, meu filho não se movia, olhava para frente como se tivesse visto algo que eu não conseguia enxergar. Alguma epifania religiosa por causa do templo, talvez. Um herói de proporções bíblicas andava entre nós.

“Você quer voltar e falar com ele?”, perguntei com a certeza absoluta da resposta.

“Quero, pai.”

“Então, vamos.”

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Ao virarmos para o sentido contrário, notei que o Capitão América havia percebido o impacto que causara no menino. Ele andava em nossa direção. Sorridente, estava vestido para a próxima missão. Da roupa ao escudo. Loiro, atlético e de olhos claros, uma descrição física que o aproximava do ator que interpreta o herói nos filmes recentes. A imagem materializada para o fã.

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O encontro começara a se desenhar uns cinco minutos antes. Na tarde daquele sábado, voltávamos para casa e decidimos passar no supermercado. Comprar o lanche de final de tarde e umas besteiras de final de semana. Após as compras, no canal 4, entramos na rua Ministro João Mendes, no Embaré, uma caminhada de 15 minutos até em casa.

Vinicius, depois de duas quadras, deu o alerta: “Pai, olha o Capitão América!”. O rapaz, com a roupa do herói, aguardava em frente a um edifício, o Cidade de Ancona, entre as ruas Castro Alves e Benjamin Constant. Ao lado dele, a Branca de Neve.

O passo do meu filho mudou de ritmo. Mais acelerado, seguido de respiração ofegante. Ansioso, ele andava na frente, uns dois metros de mim e da irmã Mariana. Olhar decidido, a ser pulverizado pela timidez e pela vergonha em segundos.

Diante de nós, a Branca de Neve sorriu. O Capitão América olhou para o Vinicius e disse: “Oi!” A resposta foi direta, sem que Vini alterasse a velocidade das passadas. “Oi!” Ele perceberia a chance perdida e estancaria os pés na calçada dez metros depois.

Quando o Capitão América reduziu a distância para menos de meio metro, Vinicius se sentiu acuado, como se grades aparentes e paredes o detivessem.

O capitão o chamou para conversar: “Oi, meu amigo, tudo bem?”  Vini se aproximou enquanto o herói se agachava e o golpeava. Eram golpes verbais, perguntas sobre força, de quais heróis gostava, num breve interrogatório gentil para respostas quase monossilábicas.

Alguém sugeriu uma foto e o Capitão América o abraçou. Com a imagem captada, o herói se levantou, e nós agradecemos pela educação. Vini permaneceu parado, sob efeito de raios invisíveis do encontro imprevisível.

Evitei fazer perguntas ao capitão. Todas eram inúteis. O nome dele já sabíamos: Steve Rogers. Jamais poderia ser Thiago, Mateus ou Paulo. Ele estava ali para uma missão, quem questionaria se morava naquele edifício e seguia para uma festa à fantasia ou se animaria um parabéns qualquer de sábado à noite. Também não tive coragem de perguntar se ele era amigo, namorado, parente ou colega de trabalho da Branca de Neve. Ela não cabia naquele episódio ao ar livre. Era uma falha no roteiro do menino.

Vinicius tagarelou o restante do dia sobre o Capitão América. Era o seu herói preferido, alvo de discursos sobre poderes, aventuras, inimigos e lutas. O fascínio de quem jamais esperava encontrá-lo ao vivo e ser elogiado por sua força.

O relacionamento do Capitão América mudou como a carruagem que vira abóbora à meia-noite. Mais ou menos neste horário, quando assistíamos a desenhos na TV, Vinicius me disse:

“Pai, posso te contar uma coisa?”

“Claro, Vini.”

“Pai, eu me enganei. O Capitão América não é meu herói preferido. Meu herói preferido ainda é o Homem-Aranha.”

Não há paixão de verão que resista ao amor de uma vida.

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