Uma declaração de amor a Santos, por Andressa Vilela
Depois de dois anos morando em São Paulo, a metrópole do caos, das buzinas e dos passos acelerados, descobri que meu lugar favorito no mundo não era a Avenida Paulista, cheia de luzes e artistas de rua, nem viria a ser uma cidadezinha na Europa, que eu sequer havia conhecido ainda.
Descobri que meu lugar favorito ficava, na verdade, há alguns quilômetros de mim, logo ali, descendo a serra, junto com o colo da minha mãe e o feijão da minha avó, os doces da feirinha hippie e os canais construídos pelo Saturnino, aquele moço cuja estátua na praia foi palco de muitas das minhas aventuras infantis, que eu me esforço pra não esquecer.
Escolher um lugar preferido da cidade é difícil quando se sente falta de cada pedacinho dela. Hoje, estando de volta, me sinto de novo como aquela criança que adorava subir nos pés do Saturnino, nos leões e em qualquer arvorezinha um pouco mais baixa no jardim da praia. Aquela criança pra quem cada passo dado para fora de casa significava uma nova aventura. Descobrir Santos foi descobrir a mim mesma e hoje me vejo em cada esquina sua; em cada metro quadrado dos jardins da sua praia e em cada criança que, assim como eu, cresce com o privilégio de poder olhar todo dia pra esse mar azul infinito.
Privilégio que pouca gente entende, principalmente naquele momento em que o último professor de sexta-feira libera a turma e a maioria da sala corre pro bar à procura de uma cerveja. Os amigos insistem em chamar, mas meu happy hour de sexta é sempre na rodoviária, porque eu não vejo a hora de descer a serra e encontrar, passando o monumento do peixe, uma cidade extremamente calorosa, mesmo quando ela amanhece nublada.
E assim, a cada final de semana, Santos foi me conquistando cada vez mais. Sai da casa dos meus pais com a sensação de que nunca mais voltaria, de que conheceria o mundo inteiro depois dali e me tornaria muito maior do que eu pensava ser possível. Acontece que a vida às vezes prega peças na gente. Por mais clichê que isso seja, ela me deu umas voltas engraçadas. E quando eu fui perceber, aquela cidade grande com a qual eu sonhei a vida inteira estava me deixando, na verdade, bem pequenininha. São Paulo não me trouxe a única coisa que eu procurava na vida. E a cada final de semana, era desse emaranhado de sentimentos, que eu sequer sei nomear, que eu saía correndo atrás.
E é exatamente essa coisa que eu não sei o nome que eu encontro aqui. Desconfio que seja algo parecido com felicidade. Seja no quentinho do meu quarto ou nas ressacas brutais que batem nas pedras na Ponta da Praia. Santos sempre dá um jeito de me fisgar o coração. Me apaixono por aqui de novo e de novo, como se nunca tivesse pisado na areia quente. Mas que apesar disso, eu continuo pisando porque sei que daqui a pouco tem um mar imenso, que vai levar embora tudo de ruim.
Tudo de ruim que consegue ir embora também através da poesia que o centro histórico expira e que me inspira a ser maior. Uma cidade com um jardim de praia tão bonito, não poderia ter outro complemento a não ser um concreto abatido. Abatido por histórias e saudades. São tantas coisas que o bondinho sequer consegue alcançar, porque, na verdade, elas estão penetradas em cada parede – restaurada ou não.
Histórias contadas em cada rua de paralelepípedo que odiamos a cada sacolejo que o ônibus dá. Mas aí, assim que descemos no ponto, vemos o contraste bonito que a “cidade” tem com aquele prédio todo espelhado que tá ali na outra quadra. Que se contrasta também com os todos os nossos passeios turísticos. Que ficam cheios a cada verão, enchendo também as vagas de carros, o trânsito, os shoppings… mas que no final do dia, quando a gente chega em casa morrendo de vontade de tomar um banho gelado, nos fazem pensar que temos uma baita sorte por não precisar encarar horas de trânsito só pra ver um pôr do sol inesquecível do Deck do Pescador.
E foi por esse poder, de transformar meus dias cinzas em vermelhos só pelo fato de eu sair de casa e ver aquela obra da Tomie Ohtake lá de longe, que eu descobri que nunca deveria ter duvidado de que meu lugar favorito no mundo seria esse aqui, exatamente onde eu tô agora.
Com o cheirinho de maresia e a capacidade de sempre se reinventar para receber pessoas diferentes, principalmente aquelas que, depois de crescerem aqui, resolvem se mandar. Ah, Santos… se todos soubessem que você recebe melhor ainda os que decidem ficar de vez por aqui… Se todos soubessem que ao sair, sentiríamos falta de cada defeito que colocávamos em você…
Escolher um lugar preferido da cidade é difícil quando se sente falta de cada pedacinho dela. Isso acontece porque, na verdade, cada pedacinho meu, é teu também, Santos. Cada um deles construídos por 18 anos. E depois, a cada final de semana. A cada feriado. A cada mês de férias. Hoje, quando vejo, sou toda sua. Sou os teus jardins, teus bondes, teus empreendimentos e tuas pessoas. Sou tuas ruas movimentas e também as vielas dos bairros afastados. Sou tua dança. E seguia num ballet descompassado até entender que meu par, na verdade, é você, cidade.
Por isso voltei. Ainda quero sair mundo a fora, ainda quero ser maior do que eu penso ser possível, ainda quero conhecer cidades pequenininhas no interior da Europa. Mas quero fazer tudo isso, sabendo que você me espera de volta. Com braços abertos e muitos churros de doce de leite do carrinho do Quebra Mar.
Sorte a minha ter você, Santos. Sorte a minha ter a estátua do Saturnino, que nos uniu de uma maneira que eu jamais pensei que seria possível… até olhar pra traz e perceber que nas minhas melhores lembranças, teu mar figurava num plano de fundo inesquecível pra minha memória e pro meu coração.
By: Andressa Vilela