A primeira viagem de carro entre São Paulo e Santos
Em 2018 completa-se 110 anos da primeira viagem de carro entre São Paulo e Santos
Para ser mais precisa – os 110 anos foram completados hoje, enquanto essa matéria é escrita.
É incrível pensar que o percurso que tanta gente faz diariamente de fretado – levou 37 horas para ser concluído.
Era o dia 16 de abril de 1908 quando alguns malucos e um jornalista iniciaram a jornada entre Santos e São Paulo, antes mesmo de existir a Via Anchieta, a Imigrantes e a Imigrantes II. A estrada do Caminho do Mar (que se chamava Estrada do Vergueiro) era precária, servindo para ligar a capital paulistana ao porto de forma rudimentar. Tão precário que o percurso feito hoje em 90 minutos demorou três dias.
Vale lembrar que o cenário da época era domínio do transporte ferroviário, o carro de boi, entre outros. Os carros eram artigo de luxo, objeto de curiosidade, sarro, inveja – com certo toque de excentricidade dos bem nascidos.
“Raid” significava rolê?
Era assim que a turma chamou o percurso: raid. Antônio Prado Júnior foi o grande estimulador dessa aventura e já era conhecido por fazer coisas meio diferentonas. Amigo de Santos Dumont, antes mesmo de cair na estrada entre São Paulo e Santos, Antonio subiu com a esposa no balão Lutèce em Paris em 10 de agosto de 1907. Só essa história já é legal: numa época em que as mulheres eram minimamente respeitadas e nem votavam, Santos Dumont permitiu que Eglantina Prado fosse a primeira mulher a voar. Mesmo que num balão.
Eglantina não fez o rolê entre Santos e São Paulo, mas Antônio veio pra cá acompanhado de amigos (Clóvis Glicério, Bento Canavarro) e de um jornalista para documentar a aventura (Mário Cardim). Alguns sites mencionam que Ernesto Gattai (pai da Zélia Gattai e sogro do Jorge Amado) participou da aventura.
O Sergio Willians (que fez uma ampla pesquisa e escreveu um livro sobre o assunto) contribuiu com as seguintes informações: “Os dois carros saíram de São Paulo na madrugada do dia 16. No Sizaire iam o irmão de Prado Junior (Paulo Prado), mais o motorista da familia, chamado Malé e um mecânico da Motobloc, cujo nome não ficou registrado. No entanto, no alto da serra, Paulo Prado resolveu desistir da aventura e retornou à capital, com Malé e o mecânico. Só desceu a serra, o Motobloc, com Prado Junior, Mario Cardim, Clóvis Glicério e Bento Canabarro).”
O Sergio complementou que alguns sites misturaram as histórias. O pai de Zélia Gattai, de fato, participou de um “raid” entre São Paulo e Santos e incrivelmente também com um Motobloc – mesmo carro que Prado Junior – mas isso aconteceu dois anos mais tarde, em 1910.
Os carros
Dois veículos foram utilizados na aventura: um Motobloc de 30cv e Sizaire et Naudin, que eram do Antônio, que ryco que era comprou o Sizaire só pra esse rolê. O Motobloc “desceu a serra” sem a capota e sem os paralamas, além de ter sido equipado com acessórios exóticos mas necessários: pás e enxadas.
Ambos os carros eram de origem francesa: A fábrica Motobloc existiu entre 1902 to 1931, tendo sua fábrica baseada em Bordeaux. A Sizaire et Naudin ficava baseada em Paris e funcionou entre 1903 and 1921.
A placa na entrada de Santos
Em 1938 foi colocada na entrada de Santos uma placa de bronze homenageando o feito com “Aqui se concluiu em 17/04/1908 a primeira viagem de automóvel São Paulo-Santos feita por Antônio Prado Júnior, Mário Cardim, Clóvis Glicério, Bento Canabarro”. Nove anos depois, em abril de 1947 a primeira pista Via Anchieta foi inaugurada, quase na mesma data da primeira viagem de carro entre Santos e São Paulo.
Já a Rodovia dos Imigrantes foi inaugurada em 1976 (primeira pista) e em 2002 (Imigrantes II).
Em 2017 nós fizemos um post sobre os 70 anos da Via Anchieta, clique para ler. E em 2015 sobre a história da construção da Anchieta e da Imigrantes.
Sem trânsito
Os carros rodaram durante 25 horas. As outras 12, além do cochilo, serviram para desobstruir o caminho (até com dinamite!) ou pular os trechos complicados nesta primeira viagem de carro entre Santos e São Paulo. Da próxima vez que você estiver preso na serra por trânsito ou comboio, pense que pode ser pior: os aventureiros fizeram esse “raid” a uma velocidade média de dois quilômetros por hora.
Nunca mais vou reclamar.