Galvão Bueno, o narrador que amamos odiar
Ele está chegando.
Vai ocupar sua sala, seu escritório, o barzinho que você frequenta.
Não fisicamente, mas sua voz vai ecoar nos seus ouvidos – queira você ou não. Há opções, outros canais, mas não tem jeito: Galvão Bueno vem aí. Narrador principal da Rede Globo há nove Copas do Mundo, vai narrar à trajetória do time de Tite na Rússia. Será sua décima vez.
Falem bem ou falem mal, mas ele vai ser assunto (e virar meme, provavelmente) mais uma vez.
Foto: Bem Amigos/Sportv
A história de Galvão com os Mundiais remonta a 1974, ano em que narrou jogos da Copa na Alemanha para a TV Gazeta. Na ocasião, viveu o que considera um de seus maiores micos na profissão: simplesmente inverter as escalações das duas seleções numa determinada partida. Ele foi escalado para transmitir o jogo entre Bulgária e Suécia. O jovem locutor, entretanto, se confundiu e narrou, sem perceber, Alemanha Oriental x Austrália.
“Em determinado momento, lá pelos 15 minutos do primeiro tempo, a Suécia foi ao ataque, Simonsen chutou em gol e a bola saiu pela a linha de fundo”. ‘Tiro de meta para a Bulgária. ‘ Quando eu disse isso, a câmera deu um close no placar e apareceu: Alemanha Oriental 0 x 0 Austrália. O jogo era outro!”, relembrou certa vez Galvão, em entrevista ao portal Uol.
Em 1978, já na TV Bandeirantes, acompanhou o Mundial da Argentina. Foi para a Globo em 1981, mas, na Copa da Espanha, em 1982, era a segunda opção na narração, atrás de Luciano do Valle – o outro narrador da emissora era Carlos Valadares.
Porém, foi em Vigo, onde acompanhava uma das sedes da competição, que obteve um “furo”: encontrou Zezé Moreira, treinador brasileiro que comandou a Seleção na Copa de 1954 e era olheiro da CBF. “Ele disse; ‘Atenção com a Itália. Veio para ganhar a Copa’”, recorda Galvão, em vídeo do projeto Memória Globo. Dito e feito: a Azzurra despachou o maravilhoso time de Telê Santana e levantou a taça.
Em 1986, no México, ainda era o segundo narrador – o primeiro era Osmar Santos. Mas coube a ele uma partida do Brasil, a vitória sobre a Argélia por 1 a 0, na primeira fase, em Guadalajara. Com um bigodão bem à mexicana, acompanhou, ainda, a vitória da Argentina sobre a Bélgica na semifinal, que colocou os albicelestes na decisão.
https://www.youtube.com/watch?v=yo0npR41yS4
Discurso, gritos e um susto para Galvão Bueno
Veio a Copa de 1990 e, já calejado pelos títulos da Copa América de 1989 e a sofrida classificação para o Mundial, Galvão Bueno, enfim, assumiu a titularidade da narração dos jogos canarinhos. Começava ali uma parceria com Arnaldo Cezar Coelho, ex-árbitro e até hoje seu colega de transmissões – o primeiro ato foi na final do Brasileirão de 1989, entre São Paulo e Vasco. E com Pelé, com quem passou por três competições. Na eliminação do Brasil contra a Argentina, nas oitavas, começou a exercer seu “lado editorial” e fazer discursos, ora críticos, ora celebratórios – de acordo com a ocasião.
Nos Estados Unidos, em 1994, Galvão teve a chance perseguida de gritar um titulo do Brasil. E como gritou!
Após a cobrança de Baggio para a lua, os abraços em Pelé e Arnaldo e o “É tetra! É tetra!” entrou para a história. Quando revê a cena, o narrador diz sentir vergonha.
Veio o Mundial de 1998, na França. O Brasil tinha condições plenas de conquistar o penta. Fez uma Copa em evolução, culminando na épica classificação nos pênaltis diante da Holanda na semifinal.
“Sai, sai, sai, sai que é suuuua, Taffarel!”
Mas havia a final. E a França. E o problema com Ronaldo. Durante o pré-jogo, havia a informação, na escalação entregue pelos funcionários da Fifa, de que Edmundo seria titular. Olhar espantado e o centro das atenções de toda a imprensa mundial. Buscavam em Galvão e na equipe da Globo resposta para a pergunta da vez: o que houve com Ronaldo?. Seu espanto é registrado no ar.
Com o passar dos minutos, a escalação foi “corrigida”, agora com a confirmação do camisa 9 no Brasil. Mas um Ronaldo pós-convulsão pouco fez. E o Brasil, abalado, perdeu.
Taça, resenha e despedida- só que não
Chegou o novo milênio e Galvão Bueno cada vez mais assumiu o papel que define de “vendedor de emoções”. Não apenas narra, mas rege uma orquestra de repórteres, comentaristas, coordenação. Só não mexe nas peças do tabuleiro em campo.
Na única Copa disputada na Ásia, na Coreia e no Japão, em 2002, foi a voz do quinto título mundial. Com a exclusividade da emissora na competição, sua voz se fez ecoar em ainda mais domicílios Após a conquista diante da Alemanha, tomou conta da resenha, ao lado de Fátima Bernardes, onde o pagode tomou conta do set montado no estádio de Yokohama.
Ali, conversava com os atletas, com o técnico Felipão. Tudo na maior descontração. Foi o que faltava para buscar um programa com os mesmos elementos na TV fechada. Daí, em 2003, surgiu o Bem, Amigos no Sportv.
As Copas seguintes, em 2006 na Alemanha, e 2010, na África do Sul, foram decepcionantes do ponto de vista do time canarinho. O título ficou bem longe – assim como a voz de Galvão na eliminação diante da Holanda em terras sul-africanas. Cleber Machado chegou a ficar em stand by para assumir as picapes, caso o titular não pudesse atuar.
Terminado o torneio, Galvão Bueno aproveitou o Central da Copa, de Tiago Leifert, para anunciar que estava pendurando o microfone. Era o fim da Era Galvão, ali atormentado pela hasthtag “Cala a Boca, Galvão” que dominou o Twitter. Aquela era a última no exterior, e 2014, no Brasil, a derradeira. Não foi, mas também entrou para a história.
“Virou passeio!”
Se o Brasil recebeu a Copa das Copas, a seleção estava longe disso. O time comandado por Felipão não encantou em nenhum momento, classificou nos pênaltis contra o Chile nas oitavas, e perdeu Neymar, contundido, nas quartas, contra a Colômbia. Passaria pela Alemanha na semi?
O Mineirão estava lindo. Repleto de verde-e-amarelo. Era vencer e rumar ao Maracanã. Mas os alemães aproveitaram todas as brechas deixadas pelos canarinhos e fizeram gols em profusão.
Galvão não aguentou e traduzia, em palavras, a estupefação da torcida: “Ih, lá vem eles chegando de novo, que absurdo!” e “Virou passeio!” legendaram os gols alemães: 7 a 1 e vexame consumado. Devidamente ampliado na decisão do terceiro lugar pela Holanda, com um 3 a 0 contundente. Era o fim do sonho do hexa em casa.
Chegamos a 2018, na Rússia. A poucos dias da estreia, Galvão vive às boas com o time brasileiro o e seu técnico, Tite. E a gente aguarda os jogos, na maioria, com narração do filho da dona Mildred, o narrador que amamos odiar.