Futebol é coisa de mulher
Na infância, estava delimitado: para a menina, boneca, para o menino, bola.
Sonhar com futebol era direito apenas deles, A elas, pouco restava no que diz respeito a futebol. Talvez admirar um ou outro jogador mais boa pinta. E, quem sabe, acompanhar jogos do Brasil nas Copas do Mundo.
Assim foi na minha família. Talvez em várias Brasil afora.
Hoje, elas falam, jogam, apitam, reportam, comentam, comandam equipes, federações, patrocinadoras… Chegaram até ao posto de número 2 da Fifa (bravo, Fatma Samba Diouf Samoura, nascida no Senegal!).
Mas, no país cinco vezes campeão do mundo (no masculino) e da melhor jogadora do mundo (cinco vezes também), a relação da mulher com o futebol vive contradições absurdas. Desrespeito cinco estrelas.
Leio que, no final de semana, uma repórter da Rádio Gaúcha de Porto Alegre, Renata de Medeiros, foi agredida, até fisicamente, ao cobrir as torcidas no Gre-Nal, o principal jogo dos gaúchos. Xingada, ousou questionar o agressor. E apanhou. Quem bateu foi retirado do estádio. E mais nada.
Renata apenas segue os passos de Regiani Ritter (foto), primeira repórter de campo da imprensa esportiva brasileira. Foi lá pelos anos 70, quando, ao lado de Claudete Troiano, tocavam a Rádio Mulher. Impôs respeito desde o primeiro dia. Não deixou dirigentes assanhados ou jogadores mais saidinhos se sobressaírem. Virou um ícone da profissão e nome do troféu que premia as melhores jornalistas esportivas de São Paulo.
Teve também Isabela Scalabrini, hoje repórter na Globo Minas, já cobriu Copa do Mundo. Em 1986, “ganhou” a atenção de Maradona, diante de hermanos de prensa incrédulos. Amiga de Zico, fez prevalecer seu conhecimento de bola, na boa…
Dia após dia, elas se sucederam na telinha, falando (e bem) de futebol. Renata Fan, Natalie Gedra, Gabriela Moreira, Ana Thaís Matos, Mayra Siqueira, Lívia Laranjeira, Joanna de Assis, Vanessa Faro aqui na nossa terra.
No grito de gol, mandam bem também, como Luciana Mariano, que fez um jogo pela ESPN há alguns dias, mas pioneira na Band nos anos 90, ou mesmo Isabelly Morais, 20 anos, na Rádio Inconfidência de Minas Gerais.
Mas aí aparece um programa de TV em Goiás “sabatinando” candidatas a musa do Goiás com perguntas e trocadilhos grosseiros, desnecessários. A repercussão foi tão ruim que o programa terminou. Vitória para a coerência.
Se tivesse irmã, certamente partilharia comigo os jogos de botão, os videogames, as revistas Placar. Deus não me deu essa chance. Mas, mesmo assim, ao som do apito do juiz, elas tocam a bola. E fazem muitos gols, vencendo a desconfiança.
Futebol é, sim, coisa de mulher.
*Anderson Firmino é jornalista desde 2001. Trabalha no jornal A Tribuna, de Santos.