O fim do Barão Vermelho: quando Cazuza abandonou a banda em Santos
O Caiçara Music Hall, localizado no José Menino, foi um dos principais templos do rock em Santos durante os anos 1980, e recebeu o último show da banda carioca
Foi bem por um triz que o dia não nasceu feliz em Santos em 27 de julho de 1985.
Por muito pouco, Santos não se tornou palco de um dos momentos mais marcantes da história do rock brasileiro: o fim do Barão Vermelho como o público o conhecia. Tudo, no entanto, mudou graças à persistência de um empresário santista que se recusou a aceitar um “não” como resposta.

Foto: Rubens Onofre/Tribuna – Acervo Toninho Campos
E sim, o último show do Barão Vermelho com Cazuza aconteceu em Santos, por incrível que pareça.
Era terça-feira, 23 de julho de 1985, quando Toninho Campos, empresário responsável pela programação do Caiçara Music Hall, recebeu uma ligação que o deixou atordoado. Do outro lado da linha, veio a notícia: Cazuza saiu do Barão Vermelho. A banda seguiria a turnê, mas sem seu carismático e polêmico vocalista.
O problema era sério. Cerca de 3.500 ingressos para o show de sábado já estavam vendidos. O público santista queria ver o grupo completo, com o frontman irreverente que hipnotizava plateias. Um show sem Cazuza era simplesmente inaceitável.
O argumento afetivo
Toninho não pensou duas vezes. Sabia que um telefonema não resolveria o problema. No dia seguinte, pegou a estrada para o Rio de Janeiro com uma missão quase impossível: convencer um artista temperamental, em plena crise com seus companheiros, a subir ao palco mais uma vez com eles.
A conversa exigiu sensibilidade. Toninho conhecia o histórico recente da banda. Em maio daquele ano, durante um show em Curitiba, Cazuza havia abandonado o palco no meio da apresentação por causa da iluminação. Revoltado, jogou o microfone na guitarra de Frejat. Nos bastidores, os dois fundadores do grupo quase saíram na porrada. A relação estava por um fio.
Mesmo assim, o empresário santista tinha uma carta na manga. Ele apelou para a memória afetiva e disse:
“Encerre sua história com o Barão na mesma cidade onde tudo começou fora do Rio”.
Havia lógica e emoção no pedido. Foi em Santos, na antiga boate Heavy Metal, do mesmo empresário, em abril de 1983, que a banda havia feito sua primeira apresentação fora da capital carioca.
Campos completou:
“Depois desse show você não precisa mais olhar na cara deles. Eu coloco você em camarim separado, hotel separado, tudo separado. Você entra, canta e encerra essa história aqui, na nossa casa”.
Naquele momento, Cazuza já ensaiava suas próprias músicas para uma futura carreira solo, entre elas Codinome Beija-Flor, que se tornaria um de seus maiores sucessos.
Ele aceitou o convite, mas com um futuro duvidoso, fez um pedido especial. Queria que Toninho também organizasse seu primeiro show solo. O empresário atendeu. E o rolê aconteceu meses depois, em 22 de dezembro de 1985, no Canecão, no Rio de Janeiro.
Ainda assim, Cazuza impôs uma condição: queria o mínimo de contato possível com os ex-companheiros.

Foto: Memória Santista
A noite em que o palco virou um ringue silencioso
Chegou o sábado, 27 de julho de 1985. O Caiçara Music Hall, no José Menino, estava lotado. O público vibrava ao som de uma das bandas mais badaladas do país. Era o encerramento da turnê Maior Abandonado, e a plateia dançava em êxtase. No entanto, o clima nos bastidores era tenso.
Cazuza ficou no hotel até minutos antes da abertura do show. Enquanto a banda viajava junta no ônibus da turnê, ele foi de carro, sozinho. Chegou, subiu aos camarins acompanhado apenas de Toninho e seguiu direto para o palco sem trocar uma palavra com os ex-parceiros.
Logo no início, o baterista Guto Goffi cuspiu em direção ao vocalista. O show seguiu de forma fria e mecânica. As músicas eram tocadas sem o envolvimento que marcava o Barão. Felizmente, o som alto e a presença magnética de Cazuza mascararam a tensão. O público, sem perceber o clima, seguia em festa.
Até que chegou o momento da virada.
Pro dia nascer feliz
Faltando cerca de quinze minutos para o fim do show, após cantar Pro Dia Nascer Feliz, Cazuza simplesmente deixou o palco. Saiu sem avisar, sem olhar para trás, e nunca mais voltou.
A plateia ficou em choque. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Coube a Roberto Frejat a difícil tarefa de explicar ao público que Cazuza havia decidido deixar o Barão Vermelho, mas que a banda continuaria sua trajetória.
O Caiçara Music Hall quase veio abaixo. A alegria deu lugar ao tumulto. Muitos fãs se revoltaram, e os seguranças tiveram dificuldade para conter os mais exaltados.
“Nunca vi meus seguranças apanhando tanto”, relembrou Toninho em um podcast.
O fim de uma era
Naquela noite, Cazuza tocou com o Barão Vermelho pela última vez. Quem esteve ali testemunhou o fim de uma era e o nascimento de outra.
Santos entrou para a história da música brasileira como a cidade que viu o início e o fim da fase mais emblemática do Barão Vermelho. Foi o lugar onde um poeta inquieto e genial encerrou um ciclo para iniciar outro, que o consagraria como um dos maiores nomes do rock nacional.
Foi por um triz que o dia não nasceu feliz em Santos. Mas, no fim, o destino fechou o ciclo exatamente onde tudo começou: na cidade que acreditou no Barão Vermelho, mesmo quando o próprio Cazuza já sabia que talvez fosse um pouco exagerado continuar.
Cazuza faleceu em 7 de julho de 1990, aos 32 anos, em seu apartamento em Ipanema, no Rio de Janeiro. Sua marca no rock nacional jamais foi esquecida.
Fonte: Memória Santista