Nova arena do Santos FC: o que muda na Vila Belmiro?
Estádio do Peixe será demolido para dar lugar a um equipamento com 30 mil lugares de capacidade. Serão 700 milhões de reais em investimentos.
O burburrinho já tem uns 5 anos nos arredores da Vila Belmiro. Foi em 2020 quando começaram as primeiras conversas sobre uma nova arena do Santos FC, nos moldes dos estádios de grande porte no Brasil e no mundo.
Agora que a Prefeitura de Santos aprovou, após dois anos de estudos de viabilidade, a construção desse espaço multiuso do clube, como será que isso vai transformar o bairro?
A Vila é aqui
Em uma manhã emocionante para os torcedores do Peixe, o clube, prefeitura e WTorre, empresa responsável pela obra, anunciaram no dia 8 de agosto (sexta-feira) que o futuro estádio do Santos Futebol Clube terá capaciadade para mais de 30 mil pessoas (o dobro da atual), ocupando cerca de 71 mil m², no mesmo endereço do lendário Estádio Urbano Caldeira.
Pra quem pensa que é “só futebol”, vamos a detalhes do projeto. A WTorre foi responsável pela construção do Allianz Parque, em São Paulo. Então, uma concepção como essa é para dar lugar a shows de grande porte, festivais e área de entretenimento com gastronomia e coworking.
Como bem lembrou o prefeito Rogério Santos, não existe hoje, na cidade, um local aberto para esse tipo de evento. Já imaginou turnês icônicas, como as mais recentes dos Titãs ou a despedida de Gilberto Gil passando por aqui?
Nos croquis, também foram revelados espaços para lojas, restaurantes e homenagens aos ídolos do Santos FC, com destaque, obviamente, para Pelé estampado na fachada.
A WTorre afirma que irá investir R$700 milhões. As obras devem durar 40 meses de obras. Agora, o clube tem até um ano para dar entrada no pedido de licença de obras.
A ideia é estádio moderno, dividido em arquibancada, arquibancada superior, deck premium e camarotes. Vai ter estacionamento próprio, com vagas diferenciadas para motos, bikes, idosos e PCD, coisas que faltam na Vila Belmiro atual.
A estrutura atual será demolida para dar lugar à nova arena do Santos FC.
O dilema da infraestrutura urbana
Para o Peixe, construir um novo estádio representa um passo necessário rumo à modernização. Já para muitos moradores do entorno, essa transformação ameaça a tranquilidade e a identidade de um dos bairros mais tradicionais de Santos.
Perguntamos no Instagram do Juicy Santos qual era a opinião das pessoas sobre o assunto e algumas das respostas estão aqui.
Entre as principais preocupações, o sistema de drenagem ocupa o topo da lista. A cidade enfrenta alagamentos constantes, principalmente após chuvas fortes. Por isso, os moradores se perguntam como o estacionamento subterrâneo proposto não acabará inundando, se até as ruas da Vila Belmiro não suportam o volume de água.
Além disso, o projeto prevê 265 vagas nesse estacionamento. Isso levanta dúvidas sobre a capacidade real da rede de escoamento da região, que já se mostra sobrecarregada.
Outro ponto crítico envolve a ampliação do público, de 16.068 para 30.040 pessoas. Essa mudança praticamente dobra o fluxo de veículos e pedestres em ruas estreitas, desenhadas para o trânsito residencial dos anos 1930 e 1940. Com isso, muitos vizinhos já preveem impactos negativos na mobilidade e na segurança do bairro.
A paz do bairro em xeque
A frase se repete entre os vizinhos mais antigos, que enxergam no projeto não apenas a realização de jogos, mas também uma rotina constante de shows e eventos.
De um lado, isso pode aquecer a economia local. No entanto, também transforma radicalmente o cotidiano de quem escolheu a Vila Belmiro justamente pela tranquilidade.
Além do barulho, da movimentação noturna e do aumento no tráfego, há o impacto das obras em si. O bairro, durante a construção, provavelmente viverá um período caótico, com interdições, caminhões pesados e transtornos diários.
Localização questionável
“Arena certa no lugar errado.”
Essa frase resume o sentimento de uma parte expressiva da comunidade. O problema não se resume à nostalgia. O novo estádio, espremido entre casas históricas, cria um contraste urbanístico e arquitetônico que muitos consideram inadequado.
Dois hospitais ficam nas imediações. Com o aumento do público nos dias de evento, o trânsito na região pode comprometer o acesso de ambulâncias e afetar diretamente o atendimento emergencial.
Gentrificação
Outro efeito colateral é a gentrificação. Com a valorização dos imóveis ao redor do estádio, o custo de vida na região tende a subir. Moradores com menor renda podem não conseguir manter suas casas e acabarão tendo que se mudar.
Da mesma forma, pequenos comércios de bairro, como padarias e mercearias, enfrentam o risco de fechar as portas. Franquias e redes maiores devem ocupar esse espaço, por conta do novo perfil de público que o estádio vai atrair.
A identidade em transformação
Mais do que prédios ou ruas, o bairro carrega uma identidade construída ao longo das décadas. A Vila Belmiro é mais do que um estádio, é um patrimônio afetivo de Santos. Ao redor dela, casas dos anos 1930 e 1940 compõem um cenário único e simbólico para a cidade.
Claro, modernizar o estádio atende às demandas comerciais e esportivas. Mas também rompe com a memória coletiva. Ao trocar a estrutura atual por uma arena de grande porte, Santos pode perder parte da sua alma.
Próximos passos da nova arena do Santos FC
Segundo a WTorre e a Prefeitura de Santos, após estudo de impacto de vizinhança e escutas da população por meio de audiências públicas, os “efeitos negativos serão pequenos e controlados”. Ainda de acordo com eles, o projeto contempla calçadas acessíveis, paisagismo novo, ciclovias, sinalização modernizada, câmeras de segurança integradas ao CCO e iluminação LED de alta eficiência.
A contrapartida inclui, ainda, o plantio de cerca de 300 árvores nativas da Mata Atlântica, ampliação de vagas de bicicletário e criação de áreas de convivência e esplanada nas proximidades. A promessa é de que o trânsito receba requalificação semafórica para garantir mobilidade e segurança.
A Prefeitura destaca que o plano atende todas as normas e leis vigentes, estadual, federal e municipal.
Outro argumento do município e da empresa é a geração de vagas de emprego, anunciadas pelo Centro Público de Emprego, priorizando gente da Baixada.
O desafio do equilíbrio
O debate sobre a Nova Vila Belmiro expõe um dilema comum nas grandes cidades: como conciliar desenvolvimento e preservação, modernidade e tradição, interesse econômico e qualidade de vida dos moradores? Não há respostas fáceis, mas é fundamental que todas as vozes sejam ouvidas no processo.
O verdadeiro sucesso do projeto não deveria ser medido apenas pela capacidade do estádio ou pela receita gerada, mas também pela capacidade de integrar harmoniosamente modernidade e tradição em um dos bairros mais queridos de Santos.
O Santos FC tem a oportunidade de mostrar que é possível evoluir respeitando suas raízes e sua vizinhança. Resta saber se o clube saberá aproveitar essa chance ou se, na busca pela modernização, acabará perdendo a essência que sempre o tornou especial.