FAMA Santos: um novo museu que pode transformar a Baixada Santista
A chegada do museu FAMA Santos por aqui é o tipo de notícia que alegra nossos corações e dá sentido ao trabalho do Juicy: o de vermos a nossa cidade recheada de iniciativas que tornem cultura e criatividade como pilares da nossa sociedade.
Por isso, preciso escrever aqui em primeira pessoa, visto que muitos de nossos leitores já sabem que fomentar a cidade e fortalecer a nova economia por aqui vai além da minha jornada profissional, sendo uma grande fonte de inspiração e realização para minha vida.
Minha felicidade foi imensa quando Marcos Amaro, fundador da Fábrica de Artes Marcos Amaro – FAMA, me telefonou no início de junho de 2024 contando essa novidade:
“Lud, decidi que vou levar o museu para Santos”. – disse.
Havia completado um ano que nos conhecíamos, em uma conexão que começou com uma troca de mensagens no LinkedIn e se desdobrou em muitas conversas interessantes.
Ele não foi o primeiro grande empresário que me procurou para conversar sobre Santos, seu desenvolvimento imobiliário e as oportunidades da cidade. Mas vi algo bem incomum em nossos primeiros contatos: Marcos não é apenas um homem com faro afinado para negócios, mas um talentoso artista. Aquele tipo de pessoa que olhamos com curiosidade e que parece fugir à lógica industrial do capitalismo: “Você precisa ter foco, ser muito bom no que fez” disse a educação executiva do século passado.
Quando o conheci, lembrei logo de uma frase que um consultor financeiro me disse em meados de 2016, depois de uma reunião cheia de ebulição:
“Você precisa decidir se quer ser empresária ou artista. Os dois não dá!”.
Essa pergunta me marcou, pois sempre enxerguei que a flexibilidade cognitiva e a ambidestria entre a racionalidade e os aspectos humanos, seriam mais valiosos para contextos complexos. Então imagine só como a biografia do Marcos me impactou: economista e filósofo, filho do fundador de uma das maiores empresas do país (a TAM Linhas Aéreas, fundada pelo comandante Rolim Amaro) e de uma talentosa estilista e empreendedora (Sandra Senamo, sócia da S.S Signature), Marcos trilhou ao mesmo tempo um grande caminho como empreendedor e artista. Vendeu sua participação na TAM integralmente, passou anos dedicando-se à arte e hoje é CEO da Amaro Aviation, empresa privada de aviação executiva.
Em 2008, quando tinha apenas 23 anos, comprou as Óticas Carol por R$ 40 milhões. Vendeu a rede quatro anos depois a fundos por quase três vezes o valor, após tê-la transformado na maior rede do ramo em operação no país, faturando R$ 260 milhões em 2013. Trouxe para o Brasil as linhas de óculos Tag Heuer e Alain Mikli. Enquanto construía negócios, Marcos dedicou-se a colecionar obras de arte de artistas brasileiros e hoje possui uma das maiores coleções privadas do país.
Marcos Amaro. Foto: Divulgação
O capítulo Santos
Apesar de uma relação afetiva com Santos por conta de seu avô, que residiu por aqui, foram os negócios na época do pré-sal que fizeram Marcos investir na cidade:
“Adquiri uma propriedade de 8 mil m² durante o governo Dilma, na época do pré-sal considerando todas as projeções do crescimento econômico de Santos. A expectativa era muito grande e eu acabei entrando nessa história para participar desse crescimento. Essa propriedade por mais de uma década ficou alugada para uma empresa de telemarketing. Quando acabou esse contrato fiquei me perguntando o que eu deveria fazer com esse espaço”.
Não se pode dizer que o encerramento deste contrato foi suave. Tanto para Marcos, quanto para o entorno – e podemos dizer até para o Centro Histórico de Santos no geral, deixaram de circular por ali cerca de 2.000 mil pessoas. Isso faz muita diferença para a pequena economia local: de pequenos restaurantes e bares aos comércios locais, menos gente circulando nas ruas é sinônimo de menos dinheiro circulando e menos segurança. Vários pequenos negócios fecharam e os comerciantes que estão por lá até hoje, comentam sobre o baque. A construção também sofreu muitas agressões: do clima às invasões, a propriedade se tornou mais um imóvel vazio no centro de Santos.
“Nesse momento, estamos conversando com o poder público para ver se existe algum tipo de benefício, mas não há nada certo. Subsídios e incentivos serão bem-vindos, mas não estamos nascendo com esse único viés e vamos viabilizar esse empreendimento de uma forma mais ampla”. – conta Marcos.
Ou seja, estamos falando da livre iniciativa de um empreendedor, que observando o entorno do seu imóvel, seja pela vulnerabilidade atual ou pelas oportunidades do futuro, decide investir em Santos.
Como comentei algumas vezes com Marcos, o FAMA Santos talvez seja um grande indutor do centro histórico. Cheguei, inclusive, a fazer um mapeamento que revelo aqui em primeira mão: o FAMA Santos pode ser a chave central para termos um museum mile (a milha dos museus, em Nova York) ou um Museumkwartier (como em Amsterdam).
Marcos conta que vê que as expressões artísticas em Santos são mais favoráveis do que estavam em Itu, no contexto que ele iniciou por lá.
“Santos já tem uma pegada mais hype, principalmente na música. Pretendo conhecer mais a arte urbana da cidade e mergulhar mais nesse universo”. – idealiza.
No centro histórico, não faltam exemplos de artistas lutando para construir uma nova história.
Se os agentes culturais da cidade forem ouvidos, o FAMA Santos pode replicar seu impacto em Santos, já que ele é um case do gênero na cidade de Itu, no interior de São Paulo. Estive lá pessoalmente em fevereiro e em abril deste ano e vi tudo acontecendo com meus próprios olhos.
FAMA, um museu incrível em uma cidade improvável
Itu recebeu, por anos, uma fama pitoresca por conta do personagem Simplício, do humorista ituano Francisco Flaviano de Almeida, que, de maneira caricata, demonstrava o orgulho local por sua cidade em comparação à São Paulo, dizendo que na cidade dele tudo era maior. Daí vem o orelhão e o semáforo, instalados de maneira gigante na cidade, além dos souvenirs kitschs, vendidos na praça principal de Itu até hoje.
Hoje, o gigantismo de Itu parece estar mudando de lugar e isso tem total relação com Marcos Amaro e com um movimento bem observado nas grandes cidades do mundo: a transformação de grandes fábricas e galpões, antes direcionados para a produção de bens tangíveis, para lugares que abrigam conhecimento, serviços e aspectos intangíveis.
De 1912 a 1990, a Companhia de Fiação e Tecelagem São Pedro, conhecida como Fábrica São Pedro, ocupou 25 mil m² no Centro Histórico de Itu. Ficou fechada por muitos anos, com telhados, paredes e infraestruturas sendo corroídas pelo tempo e pela falta de manutenção. A fábrica se confunde com a memória da cidade. Conversando com alguns ituanos, descobri que a fábrica foi pioneira em empregar mulheres oferecendo de maneira gratuita creche e atendimento aos filhos, para que elas pudessem trabalhar com dignidade.
Marcos Amaro chegou à fábrica procurando um espaço para utilizar como ateliê, na época em que ela começou a ser utilizada por alguns artistas, inclusive por uma escola circense. Depois de arrematar a propriedade, começou em 2012 a dar acesso ao seu impressionante acervo particular e apoiar projetos de arte e cultura, criando a Fundação de Artes Marcos Amaro – FAMA, em Itu, já com a ideia de fugir do eixo que sempre privilegiou as capitais. Marcos, um cidadão do mundo, hoje se divide entre Brasil e Suiça, mas passou um bom tempo residindo em Itu, fato que foi fundamental para se comprometer com o território.
“No começo, convidei vários artistas locais para ocupar temporariamente os espaços. Com isso, criamos novos significados e novos signos, dando início à transformação do local.”
O projeto foi se expandindo com o tempo e se tornou um complexo cultural, querido pelos ituanos e residentes da região metropolitana de Sorocaba. Se transformou no Centro Cultural São Pedro, fortalecendo o legado da fábrica. Dentro do Centro Cultural, estão o museu FAMA, o incrível restaurante cozinha São Pedro (da carismática quituteira Fafá), galerias de arte, um espaço de eventos, um antiquário tradicional (Homenco Antiguidades), entre outros empreendimentos.
Em fevereiro de 2024, pude estar pessoalmente por lá para a inauguração do ateliê do Kobra, outro residente célebre de Itu. Nesta data, Kobra arrastou fãs e famosos para a cidade, que puderam conhecer um lugar magnífico e as obras do artista ao vivo. Apesar de todas as polêmicas que rondam o nome de Kobra, como todo artista que ganha tamanha visibilidade, é inegável que sua obra é magnética. Vale dizer que as obras de Kobra estão presentes em Santos, entre elas o mural Coração Santista (2020) em frente ao Mercado de Peixe. Em 2017, ele pintou por aqui o Muro das Memórias, na Rua do Museu do Café.
Foto: Ludmilla Rossi
Nesse dia em que estive por lá, pude ver outras obras incríveis como a instalação Se Vende (2008) de Carmela Gross e É preciso continuar (2018) de Regina Parra. É impossível descrever a quantidade de obras que estão por lá, tornando o museu uma experiência sensorial e divertida para todas as idades. Em abril, retornei ao FAMA e a atmosfera seguiu incrível, com novas exposições e vibe deliciosa. Uma visita que recomendo a todos.
Marcos conseguiu um grande feito em Itu: não apenas ocupar um lugar emblemático, mas abrir todo esse equipamento e, principalmente, sua coleção particular para os visitantes. E claro, como todo movimento de inovação em novos territórios, a resistência aconteceu.
“O FAMA em Itu foi no primeiro momento pouco compreendido, porque veio com uma carga contemporânea muito grande. E Itu é uma cidade muito conservadora, imagino que diferente de Santos. Acredito que Santos seja mais vanguarda”, diz Marcos expressando sua expectativa. “Em Itu, fomos quebrando essa resistência aos poucos, com exposições que aproximaram o público, como é o caso dos 203 desenhos da Tarsila do Amaral”., completa.
As asas de um sonho
Além do ateliê do Kobra, que foi um excelente movimento para ampliar o público do FAMA e o tráfego do Centro Cultural São Pedro, Marcos segue firme em arrebatar ainda mais corações através da arte e da cultura. Em abril de 2024, anunciou a transferência do museu Asas de Um Sonho (antigo museu da TAM), o maior acervo histórico da aviação no Brasil com mais de 100 aeronaves, de São Carlos para Itu.
FAMA Santos: muitos planos para um futuro próximo
Para Marcos, arte e a aviação estão conectados intrinsecamente e essa é a fonte de seu trabalho.
“Meu trabalho é uma simbiose entre esses dois universos. E nessa primeira exposição que pretendo apresentar (no FAMA Santos). E pode ser sim, que num futuro próximo a gente faça incursões com o próprio Asas de um Sonho. Por que não?”.
Aqui vale relembrar a história de um santista que sonhou em voar em XVIII e ficou conhecido como o padre voador. Estamos falando de Bartolomeu de Gusmão, que nomeia parte da nossa avenida da praia e onde também está localizado outro equipamento da arte local, a nossa Pinacoteca Benedicto Calixto.
Não faço ideia se isso se tornará realidade, mas não seria muito incrível que o FAMA Santos abrigasse uma Passarola (aeronave primitiva desenvolvida pelo Bartolomeu de Gusmão) em tamanho real? Tudo a ver com a história de Santos! Por enquanto, podemos contar com uma exposição temporária para marcar o início da operação em Santos, com acesso gratuito. Marcos reafirma o give back e o compromisso social para transformar o entorno.
O prédio hoje é rodeado de um lado pelas obras do VLT e do outro, pela rodoviária de Santos. Fica na esquina da Av. Visconde de São Leopoldo com Rua Alexandre Rodrigues. Pessoalmente, para um museu, é uma localização estratégica para permitir que pessoas de fora aproveitem um pedaço da cidade que pode se tornar a nossa “milha dos museus” como citei no início desse texto. Com mais acessibilidade para o Parque Valongo, esse plano pode se tornar ainda mais real.
Foto: Ludmilla Rossi
Quando pergunto ao Marcos qual o sonho dele para Santos, ele responde:
“Meu sonho para Santos e também para Itu é que ambas as iniciativas mantenham seu aspecto social e democrático.”, sonha, Marcos. “É ser um indutor de arte, cultura e novos significados.”, completa.
O nosso é que tenhamos uma área repleta de equipamentos culturais e dedicados à nova economia em Santos. Porque só assim a cidade conseguirá atrair, reter talentos e desenvolver pensamento crítico capaz de gerar desenvolvimento socioeconômico.
Como vemos em cidades grandiosas, a cultura também é ferramenta de combate à desigualdade, à ignorância, ao racismo, à xenofobia e outras formas de discriminação. A cultura é motor de vida urbana, impulsionando a recuperação de áreas e a criação de novos espaços públicos vibrantes. A cultura estimula a inovação em cidades de maneira transversal, influenciando os setores de tecnologia, educação e saúde.
Afinal, a inovação é filha da criatividade. E a arte sua companheira.