Em 1991, as fake news “mataram” Nuno Leal Maia
Décadas antes do termo fake news ganhar popularidade, a prática de espalhar informações falsas sem a preocupação em checar a veracidade do que se ouviu era mais comum do que deveria. A tal atitude dava-se o nome de boato. Obviamente, sem a mesma dimensão hoje favorecida pelas redes sociais, mas com a mesma raiz no desconhecimento ou, em alguns casos, na maldade. E foi no início da década de 1990 que um rumor espalhou-se rapidamente pela cidade de Santos, mexendo com a rotina das pessoas e mobilizando as redações dos veículos de comunicação. A “vítima”, na ocasião, foi um famoso ator santista, Nuno Leal Maia.
Falamos da noite de 10 de abril de 1991, uma quarta-feira comum na vida da maior parte das pessoas. Eram cerca de 21 horas e a movimentação nas ruas de Santos ia ficando escassa. Agitação mesmo, só nos restaurantes mais badalados e nos corredores das faculdades. Nas casas, o publico acompanhava as emoções da novela Meu Bem, Meu Mal, que seguia para os últimos capítulos (eu quero melão!).
Só que quem chegava da rua levava para dentro de casa um misto de preocupação e tristeza. Corria pela cidade a informação de que o ator Nuno Leal Maia havia falecido naquele dia e seu corpo estava no Hospital Guilherme Álvaro, no Boqueirão.
E como falamos do ano em que os primeiros telefones celulares chegaram ao Brasil, a comunicação mais rápida se dava, na época, por meio dos telefones fixos. E eles não pararam. As pessoas começaram a ligar umas para as outras para saber se conseguiram novas informações.
Galã em alta
Para entender a dimensão de tal “notícia”, Nuno Leal Maia havia encerrado, um ano antes, um de seus maiores trabalhos em sua longa carreira. Ele fez Gaspar Kundera, o surfista quarentão da novela Top Model, que morava em uma casa pé na areia e criava cinco adolescentes, ao mesmo tempo em que não conseguia se firmar no amor e aguentava as falcatruas de seu irmão, Alex (Cecil Thiré), que o roubara na sociedade da Covery, empresa de moda.
Muitos adolescentes do fim dos anos 1980 queriam ter Gaspar como pai.
Em 1988, na novela Mandala, Nuno havia interpretado Toni Carrado, bicheiro ignorante, mas muito boa gente, que tentava conquistar o amor de Jocasta (Vera Fischer) e, para isso, vivia em guerra com Pedro (Raul Cortez). O termo “Minha Deusa”, como Carrado chamava Jocasta, ganhou o Brasil.
Voltando a 10 de abril de 1991. A movimentação foi tanta naquela noite que a Rádio Cultura FM, que dedicava mais de 90% de sua programação à execução de músicas e quase não transmitia informações, enviou um repórter na viatura de frequência modulada (quem lembra dela?) para a porta do hospital.
Ao vivaço
A emissora interrompeu a programação para a transmissão das informações ao vivo. O locutor do horário, ao chamar o repórter, teve o cuidado de dizer que havia informações “sobre a possível morte” do ator. O repórter disse que o hospital não confirmava a presença do corpo de Nuno Leal Maia. Ele chegou a entrevistar um segurança, que reforçou a negativa.
Pouco tempo depois, uma segunda informação espalhou-se: Nuno Leal Maia estava vivo, mas internado no Hospital Guilherme Álvaro, em uma ala separada e especializada em atendimento a pessoas que haviam contraído o vírus HIV.
Vale dizer que, naquele tempo, isto seria praticamente a sentença de morte. O Brasil ainda chorava as perdas do ator Lauro Corona (1989) e de Cazuza (1990), vítimas da doença e o mundo choraria, em novembro do mesmo ano de 1991, a partida do líder do Queen, Freddie Mercury.
Checagem de fatos
As informações desencontradas e a certeza de muitos que “estavam tentando esconder” (sim, em 1991 já havia os crédulos nas teorias da conspiração) duraram pouco mais de 24 horas.
Na manhã de sexta-feira, 12 de abril, o Jornal A Tribuna publicou, na página 26, uma matéria sob o título: “Doença de Nuno Leal Maia não passa de boato”. O texto mostrava que a mãe de Nuno, Alcidia e o amigo Nívio Ribeiro dos Santos, o Tururu, estavam inconformados com a movimentação daquela semana.
A própria redação de A Tribuna recebera inúmeros telefonemas de pessoas preocupadas. Além de dizer que havia interesse em desestabilizar a carreira de Nuno, Nívio anunciou que o ator estaria em Santos três dias após a publicação daquela matéria, depois de cumprir compromissos em Porto Alegre (RS). O amigo lembrou que o telefone da casa dele também não parava de tocar. Chegou a entrar em contato com o hospital e o máximo que ouviu foi sobre a internação de um paciente com características físicas parecidas com as de Nuno.
Nuno Leal Maia chegou a Santos, realmente, no dia 15. E naquela mesma data concedeu entrevista à jornalista Ineide Souza Di Renzo, enquanto era fotografado pelo repórter-fotográfico Carlos Nogueira. Nuno não só enbanjava saúde como não perdeu o bom humor. Disse que não imaginava de onde teriam partido os boatos sobre alguém que sempre colocou a importância da preservação da saúde para alcançar uma boa qualidade de vida.
O curioso (e Nuno brincou muito com isso) foi que a entrevista foi concedida na Memorial Necrópole Ecumênica. Isso mesmo, em um cemitério.
Nuno Leal Maia e a esposa, Mônica Camillo, em foto do Instagram de Mônica
Quem é vivo…
Passados 33 anos, Nuno Leal Maia lembra não só desses boatos, como também a razão do local da entrevista ser um tanto quanto inusitado. E depois de mais de três décadas, ele acredita que os fatos andaram juntos.
“Eu não fiquei bravo na época porque achei que era o Pepe Altstut (1938-2021, sócio-proprietário do Memorial), que era muito meu amigo que estava me sacaneando, que ia me levar pro Memorial pra promover o cemitério. Nunca confirmei isso com ele, não sei se é verdade, mas ele era bastante brincalhão e gozador e um empresário muito esperto. Mas nunca me aborreci não. Ficava, às vezes, preocupado com meus pais, que não entenderiam. Era complicado, porque lembro de estar no Sul, acho que Porto Alegre, e tinha que ficar ligando toda hora pra minha mãe pra dizer que estava bem. Mas nunca me incomodou não”.
Nuno não sabe até hoje como a história teve início. No entanto, disse que, caso fosse confirmada a “participação” de Altstut, continuaria a levar tudo na brincadeira.
“Não sei dizer não, depende de onde partiria, se seria maldoso ou não. Com o Pepe na época, levávamos tudo na brincadeira e na gozação! Chamávamos ele de “Papa-Defuntos”.
Sobre ter sido vítima de fake news, Nuno Leal Maia lembra que é preciso ter muito cuidado.
“Pode ser que tenha sido algo maldoso mesmo vindo de outro lado, não sei, o fato é que foi diluído no tempo. Mentiras não conseguem se sustentar”.
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Pra terminar, algumas curiosidades sobre a carreira de Nuno Leal Maia, santista que levou o nome da cidade para o horário nobre
- A respeito dos dois personagens de Nuno Leal Maia, você sabe (não vale pesquisar!) os nomes dos cinco filhos do Gaspar Kundera em Top Model??
- Você sabia que o bordão “Minha Deusa”, de Mandala, ficou tão famoso que um restaurante abriu com esse nome em Santos? E que, pouco antes disso, Toni Carrado teve um resturante na novela com o mesmo nome para homenagear Jocasta?
- Ao esclarecer os fatos, em 1991, Nuno Leal Maia disse que estava iniciando os preparativos para integrar o elenco da trama seguinte das sete. Uma, aliás, que acabou entrando para a história das novelas brasileiras. No caso, ele falava de Vamp, na qual ele interpretaria Jurandir, o padre garotão.