Fashion Law, o lado jurídico e ético da moda em pauta
No documentário The True Cost (2015), beleza e estética se contrapõem a desastres humanos e ecológicos para mostrar o lado negro da indústria da moda.
Questões trabalhistas e de trabalho escravo são o foco do filme. E também de uma área relativamente nova no Direito, a Fashion Law.
Santos está na vanguarda brasileira quando se fala de Direito da Moda.
Isso porque a OAB Santos inovou ao montar uma Comissão de Fashion Law.
A ideia é debater não só entre os advogados, mas também com a sociedade, sobre as questões que envolvem dois mundos que parecem tão distantes. Spoiler: na verdade, eles estão mais próximos do que você imagina.
Meio ambiente, consumo consciente, plágio, upcycling, trabalho escravo, propriedade intelectual, indústria de cosméticos são apenas alguns dos assuntos tratados pelo grupo, que tem a advogada Flávia Nascimento à frente. E a pioneira comissão de Fashion Law da OAB Santos já começou a mostrar a que veio. Em abril, levou três trabalhos para o I Congresso Ítalo-brasileiro de Fashion LawMackenzie.
No segundo semestre, a comissão deve organizar na Baixada Santista um evento específico sobre o tema.
Conceito de Fashion Law
Primeiramente, o que é fashion law ou Direito da Moda?
Trata-se de um ramo novo no Direito, no sentido de os pesquisadores e especialistas agruparem estudos que se referem à indústria da moda. Ainda não há muitos registros científicos sobre o assunto.
Existem vários setores do Direito que envolvem a indústria da moda – penal, civil, marcas, internacional, etc. E a moda é a segunda indústria que mais emprega no mundo – perde apenas para a indústria química. Ou seja, envolve muita gente que faz a engrenagem girar, em todos os sentidos do termo. Estamos falando de uma complexa cadeia produtiva.
Por isso, segundo Flávia, surgiu a necessidade de se agrupar tudo isso em algo específico.
O grande nome do fashion law é a norteamericana Susan Scafidi. Ela criou, em 2010, o Fashion Law Institute, ligado à Fordham University (NY).
“Moda não é só desfile e passarela. É bem mais amplo do que isso. As criações de mobiliário de design de interiores, por exemplo, fazem parte da moda”, explica Flávia.
Mas e como outras áreas do Direito se relacionam com o mundo fashion? O Direito Penal, por exemplo, se preocupa com tudo o que está relacionado à contrafação (pirataria, para os leigos). Já o Direito Trabalhista lida com as questões de trabalho escravo, pelas quais as marcas são frequentemente denunciadas. Mesma coisa com os Direitos Humanos. Até mesmo o Direito Desportivo está envolvido nas questões de uso de imagem. E o Direito Autoral cuida da proteção a marcas e criações.
Mesmo com tanta complexidade, o fashion law ainda sofre preconceito dentro do próprio meio jurídico.
Alguns exemplos das aplicações do Fashion Law no Brasil
Flávia cita a ação de trabalho escravo da Zara (2011), objeto de estudo no trabalho Responsabilidade por terceirização e trabalho escravo sob a perspectiva do caso Zara (Larissa de Oliveira Faria e Flávia Nascimento). ]
Quando a empresa terceiriza um serviço, ela tem que se certificar de que a terceirizada não comete irregularidades ou crimes como o trabalho escravo, pois a indústria terceirizadora responderá tanto quanto a que escravizou.
“É muito interessante, pois a empresa foi autuada porque a terceirizada se utilizava de trabalho escravo. Negou no início e depois resolveu assumir a responsabilidade. Hoje, no Brasil a Zara tem uma política totalmente diferente em relação a essas contratações do que faz no resto do mundo. Mesmo sem divulgar, estimula e financia de projetos contra trabalho escravo. Passou a terceirizar muito menos. Está iniciando um programa em que a roupa tem um QR code que traz a cadeia da roupa, por onde passou, como foi criada, etc”, conta Flávia.
Benefícios para trabalhadores e consumidores
Um projeto similar de transparência já existe no Brasil com a Alinha, em parceria com o Instituto C&A.
Eles lançaram uma forma de rastrear a produção de roupas usando blockchain. Ao final, publicam as informações sobre essa produção, visando ajudar as marcas a se tornarem cada vez mais transparentes, e garantir condições de trabalho decentes na cadeia.
Isso surgiu graças a consumidores interessados em saber como e onde as roupas que estão vestindo são feitas.
Cópia ou inspiração?
Há outro caso que Flávia cita como referência, o da maison francesa Hermés versus a brasileira 284. Esta última fabricou uma bolsa similar à clássica Birkin, mas em moletom. Essa bolsa levava uma tag que dizia “I’m not an original”. Ou seja, fazia até graça com o fato de se inspirar na original.
“Em 2011, a Hermés ajuizou ação em SP para que a marca recolhesse e deixasse de fabricar, porque isso feria o direito autoral dela. Porque, para a Hermés, a Birkin é uma obra de arte. A tese foi acolhida pelo juiz e a 284 perdeu a causa”, lembra Flávia.
Se você se interessa pelo assunto, não deixe de assistir ao filme The True Cost (disponível na Netflix).