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Capoeira Para Todos: o método pioneiro de inclusão que nasceu em Santos

Há 30 anos, o Projeto Capoeira Escola desenvolve metodologia pioneira que atende desde crianças de 2 anos até idosos de 80, incluindo pessoas com deficiência

Tempo de leitura: 5 minutos

Uma lesão grave no tornozelo quase encerrou a carreira esportiva de Márcio Rodrigues dos Santos aos 14 anos. Jogador promissor de futsal, ele havia sido chamado para atuar pela Perdigão, que montava um time nacional. No entanto, após mais de nove meses afastado, quando voltou às quadras já não era o mesmo atleta.

A frustração, entretanto, abriu espaço para um novo caminho.

“Eu já tinha assistido a uma apresentação de capoeira e decidi procurar. Vi que aquilo me preenchia não só na parte física, mas também na mental e social”, relembra Mestre Márcio, hoje com 46 anos.

www.juicysantos.com.br - Capoeira Para Todos a metodologia santista que transforma vidas
Foto: Márcio Rodrigues dos Santos

Assim, ingressou no curso de Educação Física para se preparar para ensinar capoeira. Pouco depois, em novembro de 1995, fundou, ao lado de Marcelo Távora, o Projeto Capoeira Escola.

O que começou como uma iniciativa para ampliar a vivência motora de crianças em escolas privadas de Santos transformou-se em uma metodologia inclusiva pioneira. Atualmente, o projeto atende aproximadamente 2.000 pessoas por ano em mais de 30 núcleos da Baixada Santista. Ali, crianças de 2 anos convivem com idosos de 80, além de pessoas com deficiência intelectual, motora, visual e múltipla.

A metodologia Capoeira Para Todos

Segundo Mestre Márcio:

“Toda pessoa pode praticar capoeira e vai receber uma metodologia que respeita sua individualidade biológica ou social”.

A proposta nasceu da fusão entre o saber popular da cultura afro-brasileira e o conhecimento acadêmico. Além disso, sua base teórica está no trabalho de Howard Gardner, que defende enxergar cada indivíduo por seus talentos, não por suas limitações.

www.juicysantos.com.br - capoeira
Foto: Márcio Rodrigues dos Santos

Na prática, cada público recebe uma abordagem específica. Na educação infantil, atividades lúdicas ampliam o repertório motor. No ensino fundamental, a capoeira promove socialização, interdisciplinaridade e caráter. Já para adolescentes, pode se tornar um caminho de formação profissional, seja no ensino da arte ou na produção de instrumentos musicais.

Com pessoas com deficiência intelectual, a metodologia adota recursos adaptados, inclusive para transtornos como TEA. Para deficiências motoras, trabalha o fortalecimento dos membros não comprometidos. Já no caso de deficiência auditiva, utiliza Libras, leitura labial e a vibração dos instrumentos. Por outro lado, para deficiência visual, aposta em áudio, audiodescrição e no processo cinestésico-tátil.

Histórias que inspiram

Casos marcantes não faltam.

Uma de suas alunas é uma idosa com sequela de poliomielite e depressão que recuperou autonomia. Hoje mora sozinha, realiza as tarefas de casa e transborda alegria. Outro caso é o de um aluno com paralisia cerebral e sequela de triplegia, aprendeu a subir escadas sozinho com apenas uma mão, aliviando a rotina da mãe idosa.

Outros alunos também viveram transformações significativas. Pessoas agressivas tornaram-se tranquilas, deficientes visuais ganharam mobilidade no Lar das Moças Cegas e jovens em vulnerabilidade social se tornaram professores.

Da resistência à inclusão

A origem da capoeira ajuda a entender seu poder transformador. Criada como ferramenta de resistência pelos povos escravizados, era usada nas fugas para os quilombos. Nos confrontos com capitães do mato, a vegetação, chamada “capoeira” pelos povos originários, servia como abrigo.

Após a abolição, a prática foi marginalizada e criminalizada pelo Código Penal de 1890. Ainda assim, resistiu nas praças públicas, acompanhada de músicas e cantigas de roda. Somente a partir de 1930, com Mestres Bimba e Pastinha, a capoeira ganhou metodologias em Salvador e tornou-se o primeiro esporte genuinamente brasileiro. Hoje, é praticada em mais de 150 países.

Reconhecimento e desafios

O trabalho de Mestre Márcio já foi amplamente reconhecido. Entre as conquistas estão a Medalha Brás Cubas, o título de Cidadão Vicentino, o Berimbau de Ouro em Salvador (2020) e o bicampeonato do Prêmio Comunidade em Ação do jornal A Tribuna. Além disso, a metodologia Capoeira Para Todos já chegou a workshops em várias partes do Brasil.

Hoje, os mais de 30 núcleos do projeto incluem instituições como Unisanta, Escola Santa Cecília, Objetivo, Lar das Moças Cegas, APAE, APPC Simone Horcel, ABASE e Vilas Criativas, além de unidades em São Vicente, Praia Grande e Guarujá. A partir de 2026, haverá também expansão para Cubatão.

Atualmente, o projeto conta com apoio da Unisanta, que cede espaço para a sede principal. Mesmo assim, ainda precisa de mais parcerias.

“Faltam uniformes e instrumentos para turmas carentes. Também sonhamos com uma sede própria e com a expansão para outros estados e países”.

Um legado para Santos e para o Brasil

Para Mestre Márcio, o objetivo é claro:

“Quero que a capoeira seja vista como ferramenta de cidadania. E que fique registrado que foi em Santos que nasceu essa metodologia”.

O Projeto Capoeira Escola e a sua metodologia mostram que, quando tradição ancestral encontra ciência e compromisso social, todos ganham. Na ginga da capoeira inclusiva, cada pessoa é reconhecida por seus talentos, não por suas limitações. Afinal, a roda está aberta para todos.

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