Tapicuru: a ave que conquistou as praias de Santos e revela um alerta ambiental
Avistados cada vez mais na orla de Santos, os tapicurus revelam um lado preocupante da urbanização: a perda de habitats naturais está empurrando essas aves de áreas alagadas para as cidades da Baixada Santista
Não foram os caras do Charlie Brown que invadiram a cidade dessa vez.

Quem frequenta a orla santista nos últimos anos certamente já se deparou com bandos de aves de plumagem preta, bico curvado e patas avermelhadas caminhando tranquilamente pelos gramados do jardim da orla ou nas proximidades dos canais. São os tapicurus (Phimosus infiscatus), também conhecidos como maçaricos de cara pelada, que se tornaram praticamente vizinhos dos moradores da Baixada Santista.
Uma colonização recente e preocupante
Embora a presença dessas aves não seja completamente nova na região, foi a partir de 2020 que os tapicurus passaram a aparecer com frequência notável nas áreas urbanizadas de Santos, Praia Grande e Bertioga. Renee Leutz Lopes de Oliveira, bióloga e integrante do Clube de Observadores de Aves de Santos (COA), explicou em uma entrevista para o G1 que durante o isolamento social da pandemia houve uma explosão populacional visível da espécie nas praias e espaços públicos.
Com cerca de 50 centímetros de comprimento e pesando até 600 gramas, o tapicuru tem características marcantes: corpo totalmente negro, face amarelada com tons rosados sem penas, e aquelas patas vermelhas inconfundíveis. Machos e fêmeas são idênticos em aparência.
Parente do guará e mestre em adaptação
O biólogo Bruno Lima destacou que o tapicuru é aparentado do vistoso guará vermelho e compartilha com ele o bico longo e curvado, perfeito para vasculhar a lama em busca de minhocas, pequenos crustáceos e outros invertebrados. Por isso, a espécie tem predileção por terrenos alagados, várzeas, canais e áreas úmidas, exatamente o que encontram abundantemente na região litorânea.
Naturalmente sociáveis, os tapicurus vivem em grupos, o que explica por que raramente são vistos sozinhos nas praias santistas.
O lado obscuro da colonização urbana
Mas a crescente população de tapicurus na Baixada Santista não é motivo para comemoração. Pelo contrário: representa um sinal vermelho sobre o estado de conservação ambiental da região.
Segundo os especialistas, a ave está ocupando espaços urbanos justamente porque está perdendo seu habitat natural. O desmatamento da Mata Atlântica, a degradação de manguezais e a conversão de áreas naturais em pastagens e campos agrícolas têm forçado os tapicurus a buscar novos territórios.
“Eles não estão aqui por escolha, mas por falta de opção”, ressalta Bruno Lima, lembrando que a Mata Atlântica é o bioma característico do litoral paulista. A presença crescente de aves típicas de ambientes abertos indica que estamos perdendo cobertura florestal.
Não é só o tapicuru
O fenômeno não se restringe a esta espécie. Outras aves adaptadas a ambientes alterados pelo homem também têm se tornado mais comuns na região, como o anu branco, o joão de barro, o avoante e o carcará. Todos são indicadores de que os ecossistemas originais estão dando lugar a paisagens degradadas.
Estudos realizados em Santa Catarina mostram padrão semelhante: onde havia Floresta Ombrófila e agora existem arrozais e pastagens, a população de tapicurus disparou. Em Santos, o jardim da orla ofereceu condições ideais para o estabelecimento da espécie.
Cuidados necessários
Apesar da aparência inofensiva e do interesse que despertam, os especialistas alertam para os riscos do contato direto com essas aves. Como animais silvestres, podem carregar microrganismos prejudiciais à saúde humana, incluindo o vírus da gripe aviária, atualmente uma das principais preocupações sanitárias relacionadas a aves.
Um olhar mais atento à natureza
A presença do tapicuru nas praias e ruas da Baixada Santista é, ao mesmo tempo, fascinante e preocupante: um lembrete de que precisamos repensar urgentemente como ocupamos e transformamos o território.
Quando avistar os tapicurus caminhando elegantemente pela orla santista, lembre se: eles contam uma história sobre florestas perdidas, manguezais ameaçados e ecossistemas sob pressão. É um convite para que repensemos nosso impacto ambiental antes que seja tarde demais.