Santa Casa de Santos, a história que deu nome à cidade
O primeiro hospital do Brasil nasceu aqui e batizou a cidade
Quando a gente fala que tudo começou em Santos, pode parecer exagero. Mas, nesse caso, é mais uma curiosidade histórica muito interessante. Você já parou para pensar de onde veio o nome da nossa cidade?
Foto: Santa Casa de SantosAfinal, de quais Santos estamos falando? A cidade tem esse nome por conta do time do Pelé que fazia milagres? Spoiler: não! A resposta está num hospital fundado há quase 500 anos, e essa história marca o início dos hospitais no Brasil.
Um fidalgo português com espírito solidário
A história começa em 1532, quando Martim Afonso de Souza chegou ao Brasil numa expedição colonizadora. Entre os tripulantes estava Braz Cubas, um fidalgo português que não era médico, mas tinha o coração no lugar certo. Ele era neto de Nuno Rodrigues, um dos fundadores da Santa Casa da Misericórdia do Porto, em Portugal. A veia solidária, ao que parece, vinha de família.
Braz Cubas foi nomeado feitor e fiscal da colônia e, quando Martim Afonso deixou o posto, acabou se tornando capitão-mor da Capitania de São Vicente. E foi aí que a coisa ficou interessante.
O hospital que batizou uma cidade
Em 1542, preocupado com os doentes que circulavam pelo povoado de Enguaguaçu (que na língua Guaianá significa “Pilão Grande”), Braz Cubas teve uma ideia: construir um hospital nos moldes das Misericórdias de Portugal. Com recursos próprios e ajuda de moradores prósperos da região, ele iniciou a construção e inaugurou o hospital provavelmente em 1º de novembro de 1543.
O nome escolhido? Hospital de Todos os Santos, como homenagem ao famoso Hospital de Todos os Santos de Lisboa. E aqui vem o plot twist: o hospital ficou tão conhecido que o povoado deixou de ser chamado pelo seu nome indígena e passou a ser conhecido como povoado do Porto da Santa Casa de Misericórdia de Todos os Santos.
Como o nome era grande demais para caber em qualquer placa (imagina o GPS da época!), foi sendo encurtado: Povoado do Porto de Todos os Santos, Porto de Santos e, finalmente, apenas Santos. Entre 1545 e 1547, Braz Cubas oficializou a mudança, elevando o povoado à categoria de Vila do Porto de Santos.
Ou seja: a cidade de Santos não deu nome ao hospital. E sim o contrário.
A instituição ostenta uma coleção invejável de títulos de “primeira”: é o primeiro hospital do Brasil, a mais antiga instituição filantrópica do país e a primeira escola prática de Medicina europeia no Brasil, quase três séculos antes da fundação da primeira faculdade de medicina na Bahia! Em 2 de abril de 1551, Braz Cubas conseguiu de D. João III o alvará real de privilégios, tornando-se também a primeira Misericórdia brasileira a receber esse reconhecimento oficial.
Uma história de mudanças
A Santa Casa passou por quatro prédios diferentes ao longo de sua história, cada um com sua própria saga:
- Primeiro prédio (1543): Construído no sopé do outeiro de Santa Catarina, onde hoje fica a Rua Visconde do Rio Branco, no centro de Santos.
- Segundo prédio (1665): No Campo da Misericórdia, atual Praça Visconde de Mauá. Este foi um período difícil. O hospital chegou a paralisar suas atividades em 1654 por falta de recursos, sendo reaberto graças a uma provisão governamental.
- Terceiro prédio (1836): Inaugurado pelo médico Cláudio Luiz da Costa no sopé do morro de São Jerônimo (atual Monte Serrat). Teve um final dramático: em 10 de março de 1928, um grande deslizamento de terra soterrou parte do hospital.
Foto: Santa Casa de Santos- Quarto prédio (1945): O atual, no bairro do Jabaquara, foi estrategicamente construído longe dos morros para evitar novos deslizamentos. Inaugurado pelo presidente Getúlio Vargas, tinha capacidade para 1.400 leitos e era um dos maiores e mais bem equipados da época.
Medicina à moda antiga
Naquela época, o Brasil não tinha médicos formados. O corpo clínico era formado por cirurgiões-barbeiros, práticos que misturavam medicina indígena (ervas e infusões) com conhecimentos europeus, além de curandeiros, feiticeiros e benzedeiros.
Um dos primeiros membros do “corpo clínico” foi ninguém menos que o jesuíta José de Anchieta (que nem médico era). Como seminarista da congregação de Santo Inácio de Loyola, ele ensinava a todos como fazer curativos e tratar problemas mais comuns. Era a medicina das antigas, mas quebrava o galho.
Um hospital para todos
Por quase cinco séculos, a Santa Casa tem sido um ponto de união de toda a sociedade.
Desde sua fundação, a instituição cuidou de navegantes portugueses, colonos, indígenas, escravos, bandeirantes, nobres, vassalos, heróis da independência e da abolição, monarquistas, republicanos, patrões, operários, empregados e desempregados. Um verdadeiro retrato da diversidade brasileira.
O legado
Hoje, quando você passa pela Santa Casa ou ouve falar de Santos, está tocando em quase 500 anos de história. Uma história que começou com a solidariedade de um fidalgo português que quis cuidar dos doentes do seu povoado e acabou, literalmente, dando nome à cidade.
Da próxima vez que alguém perguntar de onde veio o nome Santos, você já sabe: não foi por causa do time (embora os milagres do Pelé sejam dignos de nota), mas sim por causa de um hospital fundado em 1543, que tinha um nome tão grande quanto sua importância para a história do Brasil.