Quintino de Lacerda: a história do 1º vereador negro do Brasil

O 13 de maio, para muita gente, é lembrado como o dia da abolição da escravatura no Brasil. Mas em Santos, essa data é reconhecida como Dia Municipal de Quintino de Lacerda, um resgate necessário à memória de um dos personagens mais importantes da luta negra no país — e que viveu aqui na nossa cidade.

Sim, Santos tem um dia só dele. Mas o mais curioso é que muita gente sequer sabe quem foi Quintino de Lacerda. E isso diz muito sobre a forma como se conta a nossa história.

Um líder negro, quilombola, político e visionário

Nascido em 1857, no interior de Sergipe, Quintino de Lacerda foi escravizado ainda jovem e trazido para o sudeste. Já alforriado, chegou a trabalhar como farmacêutico em São Paulo e em Santos. Aqui, se tornou um dos principais nomes da resistência negra à escravidão.

Liderou o Quilombo do Pai Felipe, o segundo maior do Brasil, com cerca de 1.500 pessoas vivendo entre as regiões que hoje conhecemos como Jabaquara e Marapé. Um território de luta, organização e esperança, que abrigava ex-escravizados em busca de liberdade e dignidade — enquanto a abolição oficial ainda era uma promessa distante.

Quintino não parou por aí. Em 1895, foi eleito vereador em Santos, com apoio do Partido Republicano Federal. Tornou-se o primeiro homem negro a ocupar o cargo na cidade, mostrando que a sua luta ia muito além do enfrentamento físico: era também política e institucional. Em seu mandato, defendeu com firmeza os interesses da população pobre e negra. Faleceu em 1898, aos 41 anos, vítima de tuberculose.

O apagamento de uma história essencial

Apesar de sua importância histórica, Quintino de Lacerda permanece fora dos currículos escolares, das conversas cotidianas e da memória oficial. A maioria das pessoas que vive em Santos não sabe que existe um busto em sua homenagem, uma rua com seu nome, ou sequer que há um dia municipal dedicado à sua memória.

Casa de Quintino de Lacerda/foto: Novo Milênio

Esse desconhecimento não acontece por acaso. Ele é resultado do racismo estrutural, da falta de ensino da história negra nas escolas e da invisibilização sistemática de lideranças negras. Se essas histórias não são contadas, se não são registradas, elas são apagadas da memória coletiva. E isso afasta gerações inteiras do reconhecimento de suas raízes e da valorização de quem realmente construiu a cidade.

A falta de referência histórica para a população negra não é um problema isolado. Ela afeta a forma como as pessoas enxergam a si mesmas, como se posicionam no mundo e o quanto acreditam no seu próprio potencial. Por isso, iniciativas como as caminhadas históricas, projetos de afrofuturismo e o reconhecimento público de personagens como Quintino são fundamentais.

O 13 de maio precisa de novos significados

Tradicionalmente, o 13 de maio exalta a assinatura da Lei Áurea, em 1888, e coloca a Princesa Isabel como protagonista da libertação dos escravizados. Mas essa narrativa ignora que a abolição foi, acima de tudo, conquista da resistência negra. E Quintino de Lacerda foi parte central dessa luta.

Criar, por lei, o Dia Municipal de Quintino de Lacerda em 1962 foi um passo importante no sentido de reconhecer que a história oficial precisa ser ampliada — e que os heróis negros precisam deixar de ser invisíveis.

A memória de Quintino também vive no busto que fica na Praça Coimbra – cruzamento entre as avenidas Cláudio Luiz da Costa e Luiz La Scala Júnior, pertinho da Santa Casa de Santos – e, agora, nessa data que nos convida a refletir sobre o passado e o presente. Mas é preciso mais: é preciso que sua trajetória seja ensinada, celebrada, contada e passada adiante.

Ah, e não é só Santos que reconhece sua importância: Sergipe também criou o Dia Estadual de Quintino de Lacerda, consolidando ainda mais o impacto que ele teve na história do Brasil.

Conheça mais sobre essa história

Durante uma caminhada pela cidade, uma pergunta simples costuma surgir diante do busto de Quintino: quantas pessoas já ouviram falar dele? A resposta, na maioria das vezes, é o silêncio.

O episódio Os negros em Santos e a luta pela liberdade, do podcast produzido pelo Juicy Santos, é uma porta de entrada para quem quer se aprofundar nesse tema. Nele, refletimos sobre como personagens como Quintino de Lacerda e Esmeraldo Tarquínio são sistematicamente esquecidos — apesar de suas contribuições gigantescas para a história da cidade.

O episódio fala também sobre como o afrofuturismo, a arte e as caminhadas históricas vêm sendo ferramentas para resgatar essa memória. Histórias que foram apagadas precisam ser recontadas. E há muito trabalho a ser feito. Dá um confere aqui!