Por que abre tanto Oxxo nas nossas cidades?
Obras quase instantâneas acontecendo em esquinas e quando a primeira camada de tinta cinza aparece, já sabemos: vem aí um Oxxo, os minimercados que afirmam ter “pão quentinho” com posicionamento fofo de proximidade. Essa história é mais profunda e cheia de nuances do que pensamos, afinal nós, seres urbanos adoramos uma novidade, uma conveniência e o volume de opções que o capitalismo nos oferece. Ao mesmo tempo, crescemos como consumidores, sem pensar nas consequências dos fatos e o quanto isso está conectado ao desenvolvimento do que está ao nosso alcance: as cidades.
Ao longo desse texto você vai encontrar algumas informações importantes que precisa saber antes de comprar no Oxxo da sua cidade. A ideia não é fazer aqui uma campanha de boicote à rede, como já vem acontecendo em alguns lugares e países, inclusive no México, onde a rede surgiu. A ideia é fazer uma proposta de reflexão sobre como o seu consumo afeta seu entorno e para quem você entrega seu dinheiro, faz parte de uma troca importante, que gera um grande impacto na economia local. Convidamos você, nesse texto e também no podcast Todo dia, surge um oquissô diferente em Santos, à fazer reflexão sobre o futuro das cidades brasileiras. A preservação da economia local, da memória e da identidade cultural de onde você mora (no nosso caso, Santos) é fundamental nesse processo, e estamos aqui para impulsionar essa discussão.
Multinacionais e gigantes interessadas na capilaridade dos bairros
A Oxxo demorou para chegar ao Brasil e ensaiou bastante esse movimento. Nos primeiros estudos de mercado, as padarias de bairro despontavam como barreiras de entrada e possivelmente futuros concorrentes. Foi em Campinas, em 2019, no local onde ficava uma padaria tradicional da cidade (Orly) que a Oxxo entrou no país, dando um recado claro de quem era um dos seus principais concorrentes. Na sequência, vieram Jundiaí, São Paulo, Osasco e São Bernardo do Campo. Em 15 meses, foram inauguradas mais de cem lojas nessas cinco cidades.
A história da rede vermelho-amarelo-cinza começou no México e hoje tem mais de 20.000 lojas por lá. No México ocupa um lugar diferente do papel que desempenha no Brasil: é um local para pagar as contas, opera como lotérica e é o maior correspondente bancário do país. Os negócios locals do país mexicano sentiram a força da rede, para o bem e para o mal. O estado de Aguas Calientes fez uma estudo que concluiu que a cada mercado Oxxo que abre, de 5 a 7 empreendimentos locais fecham, porque não tem o poder de escala de uma grandes redes, com multinacionais gigantes por trás.
Em 2020, a Aliança Nacional dos Pequenos Comerciantes (ANPEC) estimou que até o final daquele ano, mais de 300 mil empresas acabaram fechando as portas definitivamente, enquanto as lojas Oxxo abriram 343 estabelecimentos. A pandemia de Covid-19 agravou esta situação, pois as vendas caíram até 50%. A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico do México (Sedrae) e a Associação dos Comerciantes do Centro (ACOCEN) começaram a trabalhar em ações para fortalecer os supermercados do centro da cidade e outros negócios locais.
Uma loja por dia no Brasil
A estratégia de crescimento agressivo, que anuncia que em 2024 vai abrir uma loja por dia no Brasil, também já começa a entender as dinâmicas do mercado. Em abril de 2024, foram fechadas 4 lojas da rede em Campinas, 3 no centro da cidade e uma no bairro Vila Pompeia. A agressividade da estratégia envolve aberturas rápidas, mapeamento de pontos estratégicos nos bairros (o que inclui aberturas de lojas nas mesmas ruas por algumas vezes) e ocupação de imóveis pagando aluguéis acima do valor de mercado. Desde a sua chegada ao país, o posicionamento também mudou de “aberto 24 horas” para “ó-quis-sô, tá sempre próximo”, já mostrando uma pivotagem no modelo.
Essa expansão veloz da Oxxo é impulsionada por sua capacidade de alavancar seus vastos recursos. No Brasil, a Oxxo é um feat. da FEMSA com a Raízen (postos Shell). Como dizem por aí, uma mistura de líquidos açucarados com combustíveis fosséis, que na prática envolvem a necessidade de distribuir produtos e capilarização. A Oxxo, como poucos negócios conseguem, otimiza sua cadeia de suprimentos, garantindo um fluxo ininterrupto de produtos para suas lojas e margens enxutas como poucos mercados locais conseguiriam. Essa rede de logística eficiente desempenha um papel na manutenção da reputação da Oxxo de oferecer uma ampla variedade de produtos, horários estendidos a preços acessíveis. O efeito é sufocante para os empreendimentos locais que não podem competir com todos os recursos de uma gigante corporativa.
Ou seja, enquanto a maioria das pessoas ainda possui uma visão romântica de mercadinho, de proximidade e pão quentinho, no fundo estamos falando de duas multinacionais gigantes e poderosas que se unem para ampliar sua distribuição, capilaridade e coleta de dados de consumidores, algo muito importante na nova economia. Alguns estudiosos apontam como tendência a aliança entre os ultraprocessados e os combustíveis fósseis, uma grande ironia quando pensamos que a epidemia de doenças crônicas e o aquecimento global são grandes problemas para a humanidade.
Oxxo gera empregos? O mito
Um dos maiores mitos sobre a Oxxo é a sua capacidade de gerar empregos nas cidades. Nesse aspecto, é curioso pensar como as pessoas tendem a enxergar mais a rede como uma solução do que como uma máquinas de concentração de riqueza. Além do estudo de Aguas Calientes, que conclui que a cada mercado Oxxo que abre, de 5 a 7 empreendimentos locais fecham, a quantidade de colaboradores por loja é extremamente pequena. No TikTok há vários vídeos de colaboradores explicando a rotina, que passam por diversas funções – de caixa à panificação, de profissional de limpeza à estoquista, um colaborador da Oxxo possui múltiplas atribuições. São de 2 a 3 funcionários por loja e por turno e o número diminui na madrugada, o que facilita furtos e assaltos nas lojas.
Esse debate é incomum porque o marketing e o fortalecimento da imagem da marca como inovadora e geradora de solução está tão capilarizada quanto suas lojas. Além de um orçamento de marketing generoso, distribuído para a geração de uma imagem positiva.
Para grande parte da população, a Oxxo só traz solução: empregos e conveniência. Quem não quer isso? A população quer. Ao mesmo tempo, grandes mídias locais e nacionais parecem não ver os problemas da rede e exaltam a o lado mercadológico da história: novas lojas na cidade, muitas lojas sendo abertas, vagas de emprego, ignorando os empregos que somem e as lojas de economia familiar sendo fechadas diariamente por causa desse “milagre econômico”. Quando digitamos no Google: “oxxo gera empregos?” existem poucos textos ou resultados sobre o tema. O que aparece de fato são notícias sobre a expansão, vagas e muitos registros da alta liderança da Oxxo promovendo encontros com prefeitos das cidades.
A arquitetura
“Aqui no meu bairro destruíram uma linda casa antiga, enorme, de esquina e que estava em ótimas condições, pra transformar em um Oxxo. Doeu.” – afirma Letícia Santana em um comentário no Instagram do Juicy Santos. Outro comentário similar veio da Bianca Simone: “Eu morei anos nessa rua e era apaixonada por essa árvore da fachada, até estive ali recentemente quando estava em obras e vi que ela continuava, mas agora estou vendo que tiraram”. A imagem em questão está abaixo, em São Vicente.
Por outro lado, várias pessoas afirmaram que a casa abaixo estava em estado de deterioração, com pestes urbanas, vegetação e problemas de salubridade para quem mora nos arredores. E que foi um alívio imenso a rede ocupar esse imóvel, por conta do movimento e limpeza, além de oferecer mais opções de consumo para o bairro. E claro, a afirmação de que a Oxxo está gerando empregos, como falamos acima.
Vale dizer que não é só a Oxxo que gera esse tipo de transformação na cidade: “Fala também onde é o Burguer King na presidente Wilson. Era uma área de uma grande vegetação, cheio de árvore e foi demolidas” – afirma Mayra Meleiro em outro comentário.
A arquitetura da Oxxo não torna os bairros mais bonitos e acolhedores, até porque, nenhuma loja é pensada para incentivar a permanência das pessoas. É uma operação transacional, que de acordo com estimativas, dura no máximo 15 minutos.
Só coisas ruins?
No México, o impacto da Oxxo foi além da mera conveniência. A rede se tornou uma parte importante da vida diária de milhões de mexicanos. Seja para comprar um lanche rápido, pagar contas ou até mesmo enviar dinheiro para familiares, a Oxxo se transformou em uma solução e preencheu uma lacuna de mercado. O Oxxo Pay, uma solução de pagamento móvel que transformou a maneira como as transações são conduzidas nas lojas, permitindo que os clientes façam pagamentos sem usar dinheiro usando seus smartphones, eliminando a necessidade de dinheiro físico e simplificando o processo de pagamento. Em resumo, a Oxxo não apenas preencheu a lacuna entre pagamentos digitais e em dinheiro, mas também forneceu uma alternativa aos serviços bancários tradicionais para a população sem conta bancária no México, permitindo que mais pessoas entrassem na economia digital.
Existe solução para a Oxxo nas cidades?
Cidades como Santos precisam olhar o que aconteceu fora daqui, para entender o que pode acontecer. Não é papel do poder público decidir quais empreendimentos “podem” ou não podem estar em uma cidade. Mas é papel do poder público entender como as cidades vão estar no futuro, do ponto de vista social, econômico e cultural. É um fato que a multiplicação dessas redes de lojas não preserva a arquitetura ou se preocupa com o que será deixado para trás.
Um dos papeis mais importantes está na mão dos consumidores, que precisam se tornar cada vez mais conscientes: optar por comprar de pequenos negócios locais é fundamental para fortalecer a economia local e preservar a cultura da cidade. Ocupar a cidade e participar de uma vida em comunidade é um desses outros caminhos: presença em eventos culturais, engajamento em movimentos sociais e valorização da história local são ações importantes para construir um futuro melhor para Santos e região. Por fim, lutarmos pela preservação da identidade da cidade: perceber processos de gentrificação e de turismo predatório é crucial para garantir que Santos continue sendo uma cidade incrível.
A Oxxo é um convite para que a gente desperte para a pequena economia de bairro. Priorizar a padaria perto da sua casa ou do seu trabalho parece uma atitude cotidiana, mas pode ser uma grande revolução.