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Poda drástica em Santos: especialistas questionam momento e método da prefeitura às vésperas do verão

Enquanto termômetros prometem ultrapassar 40°C, árvores são podadas drasticamente em diversos bairros da cidade. Vereadora aciona MP e especialistas apontam falhas técnicas

Tempo de leitura: 6 minutos

A paisagem de Santos mudou de forma abrupta nas últimas semanas. Em ruas como Liberdade, Colômbia, Avenida Senador Dantas, Rua Marechal Hermes e em outras vias da Cidade, árvores frondosas que garantiam sombra agora aparecem reduzidas a troncos quase sem copa. Como resultado, a ação da Prefeitura, executada pela Coordenadoria de Paisagismo, gerou polêmica entre moradores e especialistas. O principal ponto de questionamento, porém, é o momento escolhido. Às vésperas do verão, a cidade perde cobertura arbórea justamente quando mais precisa dela para amenizar o calor.

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Foto: Rafael Moreira

Diante desse cenário, a vereadora Débora Camilo (PSOL) acionou o Ministério Público para questionar as intervenções. Os serviços começaram na segunda quinzena de novembro e têm previsão de conclusão nesta sexta-feira, 19 de dezembro.

O que diz a Prefeitura

Em resposta ao Juicy Santos, a Coordenadoria de Paisagismo, ligada à Secretaria das Prefeituras Regionais, explicou que esse tipo de poda mais intensa costuma ocorrer apenas em ingazeiros. Segundo o órgão, cerca de 75% das árvores de Santos pertencem a espécies compostas.

No caso específico da Rua Liberdade, a Prefeitura afirma que removeu galhos danificados e ajustou o crescimento das árvores por conta da interferência com a infraestrutura urbana. Além disso, informou que os ingazeiros da via não são centenários e têm, em média, cerca de 50 anos.

Ainda segundo a administração municipal, a poda drástica ocorre apenas em situações específicas. Em geral, entra em cena quando há risco à segurança pública ou comprometimento severo da saúde da árvore. Nesses casos, a intervenção elimina galhos danificados, controla doenças graves, recupera árvores após tempestades ou ajusta copas que interferem na infraestrutura. Embora mais intensa, a Prefeitura sustenta que a medida pode garantir a segurança da população e permitir a continuidade do desenvolvimento das árvores quando outros manejos não resolvem.

Especialistas questionam critérios

Para o engenheiro agrônomo Humberto Chacur, que acompanha o manejo arbóreo em Santos desde 2020, a justificativa oficial não se sustenta.

“Essa poda drástica não aconteceu só esse ano, ela acontece historicamente. Fazer poda de galho doente de árvore faz sentido, mas eu nunca vi uma árvore com um grau de infestação e de doença em área urbana que justificasse essa drasticidade.”

Chacur questiona a ausência de laudos individuais para cada árvore.

“O procedimento correto seria ter um laudo para cada árvore, documentando qual galho tem problema, fotografando. Duvido muito que esse laudo exista.”

O agrônomo também aponta que a prefeitura sofre pressão da população por conta de folhas que sujam e questões de segurança, mas defende que é papel do poder público instruir sobre a importância das árvores.

“Se a justificativa for o período de chuvas intensas do verão, que derruba mais folha e entope bueiros, ela também é muito errada e absurda. A solução não é tirar a folha da árvore, é tirar a folha do chão. É a Prodesan fazer o trabalho dela de varrer as ruas, o que acontece muito pouco.”

O pior momento possível

Chacur explica que o timing da poda é especialmente problemático por razões fisiológicas. As árvores acumulam reservas energéticas durante o verão, quando há mais sol e água. Após o inverno, período de menor luminosidade e escassez hídrica, as plantas estão com o mínimo de reserva possível.

“Se você faz depois do inverno, a planta vai estar com o mínimo de reserva possível. Pensando na planta, é melhor depois do verão. E pensando na função da árvore em ambiente urbano, também é melhor depois do verão, quando você precisa de copa, você precisa de sombra, em que a árvore está cumprindo o papel dela de refrescar a vida do povo.”

Árvores sob pressão constante

As condições urbanas da Baixada Santista já impõem desafios imensos às árvores. Chacur descreve uma realidade cruel: canteiros minúsculos, lençol freático superficial, solo compactado pelo trânsito.

“O espaço que as árvores têm para fazer raiz é muito pequeno. A maioria das árvores faz reserva de alimento nas raízes. Se ela tem pouca raiz, ela tem pouca reserva.”

A consequência é direta: quando submetidas a uma poda drástica, sem folhas para fazer fotossíntese e com reservas limitadas, os novos galhos crescem fracos e mais propensos a quebrar.

Emergência climática pede mais árvores

Maykon Canesin, especialista em Arborização Urbana pela UNIFESP, insere o debate em um contexto mais amplo: a emergência climática.

“Estamos vivendo um momento de emergência climática no mundo e cidades como a nossa estão muito suscetíveis. Ventos que poderiam ocorrer a cada 10 anos estão vindo duas vezes ao mês. Ventos de 90 a 100 km/h estão virando rotina.”

Para Canesin, a solução não passa por podar drasticamente, mas por plantar mais.

“A nossa única forma e a mais barata para mitigar as adversidades climáticas é o plantio de árvore. É o equipamento urbano mais barato e que da mais resultado.”

O especialista rebate a preocupação com quedas de árvores durante ventanias.

“Corredor de vento pode derrubar árvore, pode derrubar posto de gasolina, pode derrubar outdoors. Como fazemos para reduzir esses efeitos deletérios nas árvores? No meu ponto de vista, como técnico, eu plantaria mais árvores e elas devem ficar mais próximas umas das outras, ao ponto delas se tocarem em galhos, que elas possam se apoiar umas nas outras, reduzindo assim a ação do vento.”

Planejamento ainda é o maior desafio

Embora a Prefeitura tenha ampliado o plantio de mudas, especialistas apontam falhas no planejamento. Muitas árvores acabam plantadas em canteiros minúsculos, o que compromete seu crescimento e reduz sua vida útil.

Além disso, a escolha de espécies inadequadas agrava o problema. Figueiras, por exemplo, causam danos às calçadas, não resistem bem a ventos fortes e apresentam alto risco de queda de galhos.

Para Chacur, é urgente repensar a arborização urbana. Calçadas mais largas, faixas permeáveis de solo e espécies mais adaptadas ao ambiente urbano são caminhos possíveis.

Que cidade queremos para o futuro?

“A prefeitura realizar uma poda dessa é uma oportunidade para que a gente faça uma reflexão: em que cidade queremos viver? E como vamos cuidar dessa cidade?”

Canesin reforça:

“Para continuar vivendo em cidades, precisamos implementar cada vez mais florestas urbanas. Precisamos trabalhar isso na educação ambiental com as crianças, porque algumas gerações perderam esse vínculo com a natureza.”

Resta saber se, quando o verão chegar com força total, os santistas vão sentir que a cidade ficou mais segura, ou apenas mais quente.

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