PL da Dosimetria: o projeto que abre as celas e tem aprovação de deputados da Baixada
Rosana Valle, Paulo Alexandre Barbosa e Delegado da Cunha votam a favor do controverso PL da Dosimetria
Bandido bom é bandido solto? Bom, parece que, para os deputados representantes da Baixada Santista, sim!
Se tudo ocorrer como querem a maioria dos deputados do Brasil, quem comete crimes do porte de abuso sexual, coação, organização criminosa e até vandalismo com incêndio logo estará livre.
Você acharia justo alguém que fez alguma dessas contravenções fosse beneficiado e ficasse menos tempo punido na cadeia? Pois é exatamente o que vai acontecer no Brasil.

Na madrugada de 9 de dezembro (terça-feira), o que muitos chamam de “pior congresso da história” aprovou o PL da Dosimetria por 291 votos a favor e 148 contra. O texto reduz as penas de vários crimes no Brasil, como corrupção, crimes ambientais, organização criminosa, coação e abolição ao estado de direito, entre outros.
Com a medida, a Câmara reduz metade do tempo de cadeia até de chefes conhecidos do crime organizado, como Marcola e Fernandinho Beira-Mar. Tudo com o objetivo de salvar os envolvidos com a tentativa de golpe de estado no dia 8 de Janeiro. Para favorecer Jair Bolsonaro e os generais condenados, vale tudo, até abrir a porta das cadeias.
Os três deputados federais representantes da Baixada Santista — Rosana Valle (PL), Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) e Delegado da Cunha (PP) — votaram a favor da aprovação do projeto.
O que muda com o PL da Dosimetria?
O projeto aprovado traz mudanças significativas em duas frentes principais: a Lei de Execução Penal e os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Progressão de regime facilitada
Uma das principais alterações permite que condenados por crimes contra o Estado avancem para regimes mais brandos após cumprir apenas um sexto (1/6) da pena, em vez dos 25% anteriormente exigidos. Esta mudança não se aplica a crimes cometidos com violência, reincidentes ou condenados por feminicídio e crimes hediondos.
A redução também beneficia réus primários que cometeram crimes mediante violência ou grave ameaça, desde que não sejam crimes contra pessoa ou patrimônio. Isso inclui delitos como organização criminosa, corrupção e crimes ambientais.
Crimes contra o Estado
O texto estabelece que as penas por golpe de Estado e abolição violenta do Estado não sejam somadas quando ocorrerem no mesmo contexto. Aplica-se, nesses casos, a regra do concurso formal próprio, que impede o cálculo cumulativo das punições.
Outra mudança polêmica prevê redução de pena quando os crimes forem cometidos em situação de multidão, desde que o condenado não tenha financiado os atos nem exercido liderança. A redução pode variar de um terço a dois terços da pena original.
Crimes beneficiados
Entre os delitos que terão suas penas reduzidas estão:
- Corrupção
- Crimes ambientais
- Exploração sexual
- Organização criminosa
- Coação no curso do processo
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- Golpe de Estado
- Vandalismo com incêndio
Com as novas regras, criminosos condenados por corrupção contra a administração pública, por exemplo, poderão obter progressão de regime e outros benefícios após cumprir apenas 16% da pena, em vez dos 25% anteriores.
Conhecereis a verdade
Pela primeira vez desde a Ditadura Militar, a Polícia da Câmara expulsou jornalistas e o sinal da TV Câmara foi cortado no mesmo dia da votação da PL. Logo depois, diversos perfis de personalidades e páginas do campo progressista sofreram shadowban nas redes sociais da Meta, incluindo o Juicy Santos.
O shadowban é uma punição aplicada a quem publica algo que viola os termos da plataforma. Ainda assim, chamou atenção o fato de tantos perfis, justamente os que cobririam a PL da Dosimetria, serem punidos ao mesmo tempo por um suposto erro técnico.
Em nota, a Meta afirmou que tudo ocorreu devido a uma falha.
Contexto político
A aprovação do projeto ocorre em um momento político delicado. Críticos apontam que a proposta foi desenhada para beneficiar envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e o ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por tentativa de golpe de Estado.
Após meses de tentativas frustradas de aprovar uma anistia geral para os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, o PL da Dosimetria surge como uma alternativa (uma “anistia light”, segundo alguns comentaristas políticos) para reduzir as condenações desses casos específicos, embora seus efeitos alcancem uma gama muito mais ampla de crimes.
PL Antifacção x PL da Dosimetria
Existe uma contradição enorme, que seria quase cômica se não fosse trágica, em toda essa história. Os mesmos deputados que hoje comemoram a aprovação da dosimetria foram aqueles que alteraram o texto do Governo na PL Antifacção e festejaram as mudanças. A ironia aumenta porque os dois projetos apresentam pontos de discordância, como destaca o jornal O Estado de São Paulo:
Crime Hediondo ou Equiparado (Primário)
- PL Antifacção – Deverá ser cumprido 70% da pena
- PL da Dosimetria – Ao menos 40% da pena
Lembrando que isto inclui tráfico de drogas, estupro, extorsão mediante sequestro, organização criminosa e etc.
Crime Hediondo ou Equiparado com Morte (Primário)
- PL Antifacção – 75% da pena, com vedação do livramento condicional.
- PL da Dosimetria – Ao menos 50% da pena, com vedação do livramento condicional
Neste tópico, entram latrocínio e até tortura.
Comando de Organização Criminosa (Hediondo)
- PL Antifacção – 75% da pena, com vedação do livramento condicional
- PL da Dosimetria – Ao menos 50% da pena
Constituição de Facção Criminosa ou Milícia Privada
- PL Antifacção – 75% da pena
- PL da Dosimetria – Ao menos 50% da pena
Feminicídio (Primário)
- PL Antifacção – 75% da pena, com vedação do livramento condicional
- PL da Dosimetria – Ao menos 55% da pena, com vedação do livramento condicional
Reincidente em Crime Hediondo ou Equiparado
- PL Antifacção – 80% da pena
- PL da Dosimetria – Ao menos 60% da pena
Reincidente em Crime Hediondo ou Equiparado com Morte
- PL Antifacção – 85% da pena, com vedação do livramento condicional.
- PL da Dosimetria – Ao menos 70% da pena, com vedação do livramento condicional
Coincidências curiosas
Ao longo dos últimos dias, os veículos de imprensa trabalharam intensamente para desvendar essa história. Nesse processo, surgiram coincidências curiosas que apontam para diferentes interesses em jogo, a presença de alguns personagens recorrentes e revelam, também, como a política realmente funciona no Brasil.
O “acordão”
Segundo apuração do ICL, o plano da dosimetria não apareceu de forma espontânea. As negociações duraram quase quarenta dias e envolveram o ex-presidente Michel Temer, os ministros do STF Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, além do deputado relator Paulinho da Força (SD-SP). O objetivo era claro: construir uma anistia disfarçada e tentar pacificar as relações entre o Congresso e o Supremo.
Foto: EVARISTO SA/AFP
Emendas pix
Para quem não conhece, as emendas pix funcionam como um sucessor do orçamento secreto criado no governo Bolsonaro. Lula prometeu acabar com esse tipo de prática, porém isso não aconteceu. Na prática, as emendas pix permitem transferências rápidas de verbas do orçamento para estados e municípios com pouca ou nenhuma transparência. Muitos críticos afirmam que essas liberações servem como moeda de troca política, algo semelhante ao que ocorreu no mensalão.
De acordo com O Globo, as emendas ajudam a explicar as coincidências que cercam a PL da Dosimetria. A votação teria sido, sobretudo, uma resposta da Câmara ao atraso no pagamento dessas verbas, funcionando como uma forma de pressão sobre o Governo. O deputado Leo Prates (PDT-BA) deixou isso explícito ao dizer, em conversa flagrada:
“Eu sabia que vinha esculhambação. São quatro cassações e a dosimetria. Isso é pra trocar”.
Existe um site que permite acompanhar o uso das emendas pix por cada parlamentar, inclusive pelos deputados da Baixada Santista. Para pesquisar qualquer nome, basta acessar o link.
O preço de Bolsonaro
Não estamos falando de Jair, mas de Flávio. Recentemente, Flávio Bolsonaro anunciou sua pré-candidatura à presidência. A notícia, no entanto, derrubou a bolsa e gerou reação negativa no mercado. A Faria Lima deixou claro seu desconforto, já que o favorito do setor financeiro é o governador Tarcísio de Freitas.
Mesmo assim, Flávio não estava alheio a esse cenário. Sua candidatura tem um preço e, segundo analistas políticos, acaba no exato momento em que Jair Bolsonaro deixar a prisão. A Faria Lima sabe disso.
Faria Lima
Estamos acostumados a ver o mercado financeiro ditar suas vontades. O dinheiro costuma mandar e todos seguem o ritmo. Porém, algo mudou recentemente. A Faria Lima não estava acostumada a lidar com as investigações da Polícia Federal. A suposta sensação de impunidade ruiu, como mostrou o caso do Banco Master.
Daniel Vorcaro, dono do banco, foi preso por uma acusação de fraude de R$ 12,2 bilhões contra o sistema bancário. Essa história ainda pode render muitas reviravoltas. Uma delas surgiu nesta semana, com a revelação de que o escritório de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, tinha um contrato de R$ 129 milhões com o banco.
Vale lembrar que Alexandre de Moraes participou das articulações do acordão da PL da Dosimetria.
Reação da sociedade
A aprovação do projeto dividiu opiniões. Enquanto defensores argumentam que as mudanças modernizam a legislação penal e adequam as penas à realidade do sistema carcerário brasileiro, críticos afirmam que a medida representa um retrocesso no combate à criminalidade e envia uma mensagem de impunidade.
Para a população da Baixada Santista, o voto favorável de seus representantes no Congresso levanta questões sobre as prioridades políticas da região em temas de segurança pública e justiça.
O projeto agora segue para sanção presidencial, onde ainda pode sofrer vetos parciais ou totais.
Uma manifestação contra o PL foi marcada no Brasil todo para domingo, 14 de dezembro, às 10 horas. Em santos, a concentração será na Estação da Cidadania (Av. Ana Costa, 340 – Campo Grande).
Está na hora da população retomar as ruas e tentar frear esses abusos do Congresso. Não se esqueçam dos nomes que votaram, a eleição está chegando e os políticos dependem do seu voto.
Toda essa discussão também foi tema do Juicycast desta semana: