Pinos de cocaína transformam praias de Santos em lixeira
Milhares de embalagens plásticas da droga aparecem na areia, nos esgotos e até dentro de peixes
Imagine caminhar pela praia e, a cada nove metros quadrados, pisar em um pino de cocaína. Parece absurdo? Pois é exatamente isso que está acontecendo nas praias da Baixada Santista.
Foto: Instituto Ecofaxina
O que deveria ser um paraíso virou depósito de lixo do narcotráfico e o problema está muito pior do que você imagina.
A descoberta chocante
Em janeiro de 2025, funcionários da Sabesp que faziam manutenção em um poço de esgoto no cruzamento das avenidas Waldemar Leão e Rangel Pestana, em Santos, se depararam com uma cena perturbadora: centenas, talvez milhares de pinos plásticos de cocaína entupindo o sistema.
O vereador Benedito Furtado (PSB), que compartilhou as imagens nas redes sociais, ficou chocado.
“Sempre vemos pinos jogados nas ruas, nos canais, nos jardins da praia, em todo lugar. Mas descobrir que as pessoas estão descartando essas embalagens diretamente nos vasos sanitários é alarmante. Isso mostra a dimensão do consumo”, desabafou.
Mas a situação nas praias é ainda mais grave. Durante uma ação de limpeza de seis horas na Praia de Itaquitanduva, em São Vicente, voluntários recolheram incríveis 844 pinos de cocaína. Faça as contas: dois pinos por minuto. Em uma praia deserta, que deveria ser um santuário ambiental dentro do Parque Estadual Xixová-Japuí.
Um mapeamento assustador
O projeto Blue Keepers, ligado à ONU, realizou um levantamento impressionante sobre o lixo nas águas brasileiras. Em Santos, foram encontrados 1.830 pinos plásticos de drogas apenas nos manguezais, ficando atrás apenas de pedaços de madeira. Isso coloca essas embalagens entre os cinco tipos de resíduos mais comuns da região.

Foto: Instituto Ecofaxina
Quando chove, esses pinos são arrastados pelas ruas até os bueiros e bocas de lobo. De lá, seguem para os canais, depois para os estuários e mangues, até finalmente chegarem ao mar. É um ciclo de contaminação que não para.
O veneno invisível
Mas o problema vai muito além do lixo plástico. Pesquisas da Unifesp revelaram uma verdade tóxica: a cocaína está presente na água da Baía de Santos, nos sedimentos do fundo do mar e, pasmem, dentro de organismos marinhos.
Mexilhões estão apresentando alterações neuroendócrinas que afetam sua capacidade reprodutiva. Enguias têm problemas na formação de óvulos e produção de hormônios. Ostras de mangue sofrem danos celulares e genéticos. E pescadores já encontraram robalos com pinos de cocaína dentro do estômago.
Além disso, frutos do mar da Baía de Santos podem estar contaminados não só por cocaína, mas também por medicamentos como ibuprofeno e paracetamol. A droga entra na cadeia alimentar marinha e não sai mais.
Uma epidemia de muitas faces
Santos e região vivem uma epidemia silenciosa de consumo de crack e cocaína. A Baixada Santista é a principal rota de saída da droga que o crime organizado compra de países vizinhos e exporta para Europa, África e Ásia, um negócio que rende bilhões.
Ironicamente, enquanto o consumo local explode (como provam os milhares de pinos descartados), as apreensões no Porto de Santos despencaram nos últimos anos. Foram 16 toneladas em 2022, mas apenas 7,1 toneladas em 2023. As autoridades suspeitam que o tráfico está usando rotas alternativas.
O que fazer?
A Sabesp alerta: “Lugar de lixo é no lixo”.
Mas o problema vai muito além do descarte incorreto. É uma questão de saúde pública, ambiental e social que exige:
- Ampliação do saneamento básico nas áreas mais vulneráveis
- Políticas sérias de combate ao consumo de drogas
- Conscientização sobre o impacto ambiental do descarte inadequado
- Mais fiscalização e limpeza das praias e canais
- Investimento em tratamento e prevenção à dependência química
Enquanto isso, a cada nova maré, mais pinos plásticos chegam à areia. A cada dia, mais cocaína se dissolve na água que banha nossas praias. Se as tartarugas estavam morrendo por causa de canudos plásticos, imagine o estrago que esses pinos estão fazendo.
O mar não está apenas recebendo nosso lixo. Está recebendo nossos vícios, nossa negligência e nosso descaso. E está devolvendo tudo isso, em forma de praias sujas, peixes contaminados e um futuro ambiental cada vez mais sombrio.