Natália Brescancini: artista premiada conta história de memória e afeto
A artista Natália Brescancini, conquistou o Prêmio Aquisitivo da Prefeitura no Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, um dos mais tradicionais do país. Sua obra “Elas (primeiro aniversário do seu primeiro filho)” competiu com 1.897 trabalhos de 20 estados brasileiros e se destacou pela potência poética e pela história que carrega.

A pintura em acrílica sobre tela faz parte da série “Antes de ser vó”, do projeto “Entre Apagamentos e Afetos”, contemplado pelo ProAC. Mais do que uma conquista individual, o prêmio representa o reconhecimento de uma pesquisa profunda sobre memória, ancestralidade feminina e afeto.
Resgate da memória familiar
A trajetória que levou Natália até essa obra premiada começou durante a pandemia. Separada da avó, que vivia com Alzheimer avançado, ela passou a fazer chamadas de vídeo na hora do café. Essa trajetória confirma sua posição como uma artista premiada e admirada na região de Santos.
“Ela já não me reconhecia, mas eu me tornei a moça que ia pro café”, conta a artista.
Essas videochamadas viraram prints e depois retratos. Posteriormente, Natália mergulhou no arquivo fotográfico da avó. Além disso, buscou documentos em cartórios e cemitérios, rastreando a linhagem feminina até Rio Claro. Tudo isso motivado por uma frase que ficou no ar: “do lado da mãe dela eles eram bugres”.
A descoberta de uma rede feminina
Ao revisitar o arquivo fotográfico, Natália se deparou com uma imagem guardada há 65 anos. A fotografia mostrava o primeiro aniversário do primeiro filho da avó, mas o que mais chamou atenção foi o registro: apenas mulheres na cena.
“Tinha uma bisavó sanfoneira, mulheres bebendo, rindo, cabelo curto. Comecei a pensar o que isso podia significar na década de 1950”, relembra.
Ela identificou Dorothy (sua avó), as irmãs Dirce e Diva, e sua mãe Elza e outras mulheres fundamentais na trajetória familiar. Este destaque também reforça sua trajetória como artista premiada em santos, resgatando a história dessas mulheres.
“Essas mulheres eram muito significativas, com narrativas bonitas e engraçadas que ela gostava de contar”, explica Natália.
As cores como afeto e conexão
O processo criativo envolveu escolhas cromáticas intencionais. A artista partiu da figura central — sua avó — e definiu as cores das demais mulheres estabelecendo relações visuais entre elas.
“A paleta foi escolhida para criar um jogo entre as figuras e o fundo”, diz. A vibração das cores, que inicialmente a surpreendeu, revelou-se essencial. “Era esse ruído todo, essa vibração que também falava do momento da festa”, completa.
Jibóia Ateliê
Natália também é gestora do Jibóia Ateliê, localizado no coração do Centro Histórico de Santos. O espaço reflete sua pesquisa sobre representações do feminino e produção de mulheres artistas. Esta exploração não só destaca sua arte premiada, mas também enriquece a comunidade cultural de Santos.
“É um espaço que desejo que seja seguro e acolhedor para mulheres artistas”, afirma.
Pensando na ocupação do território, reconhece que os centros urbanos costumam ser hostis aos corpos femininos. Por isso, trabalhar coletivamente no ateliê fortalece essa presença.

O Jibóia funciona através de parcerias. Natália desenvolveu projetos com profissionais como a psicanalista Patrícia Carvalho (Autobiografias em Papel), a artista Estela Santini (Encontros de Desenho) e muitas outras colaboradoras. Recentemente, realizou processo de ateliê e exposição com 20 mulheres, apoiado pelo CultSP Pro em parceria com a Futrica.
Entre o individual e o coletivo
Além do trabalho de ateliê, Natália integra coletivos artísticos. No Coletivo (a)gente, formado com seu companheiro Erik Morais, desenvolve criações interlinguagens que misturam artes visuais e teatro. O grupo já produziu intervenções urbanas, documentários poéticos e agora trabalha no espetáculo cênico-musical “Vozes Veladas” que discute censura a partir de textos teatrais censurados durante a ditadura militar. Com dramaturgia coletiva, o espetáculo traz banda ao vivo e projeções criadas e manipuladas por Natália em cena.
“Tem essa relação com memória: o quanto ela é algo individual, mas também reflete a história do país”, pontua.
A premiação em Piracicaba consolida uma trajetória que transforma arquivo pessoal em reflexão poética sobre ancestralidade. Ao dar cor às memórias da avó, Natália ilumina toda uma rede de mulheres que sustentaram gerações — e que agora ganham visibilidade através da arte. Este destaque como uma artista premiada em Santos continua a inspirar e influenciar outros artistas na região.