Clique aqui e confira também nosso tema da semana

Evento sobre cannabis em Santos divide Câmara e reacende debate sobre drogas

Congresso Crema Cultural recebeu críticas de vereadores em sua segunda edição

Tempo de leitura: 5 minutos

O 2º Congresso Crema Cultural, realizado em 13 e 14 de setembro no Parque Valongo, dividiu opiniões na Câmara Municipal de Santos.

O encontro científico tratou do uso medicinal, do mercado, da justiça social e do cultivo da cannabis. Entretanto, as discussões ganharam tom político após críticas de vereadores durante a sessão na Casa.

www.juicysantos.com.br - Congresso sobre cannabis em Santos divide Câmara e reacende debate sobre drogas

Críticas e defesas na Câmara

O vereador Fábio Duarte (PL) fez uma das críticas mais duras. Ele chamou o congresso de “festival da maconha” e “festival do crime, de apologia à droga”. Além disso, questionou a cessão do espaço público, prometeu investigar se houve uso de recursos municipais e reclamou da ausência da Guarda Municipal.

Rafael Pasquarelli (União) reforçou a oposição na sessão. Para ele:

“É inaceitável que um espaço público seja usado para incentivar o consumo de drogas de forma disfarçada. Não trouxe nada de bom para a cidade.”

A vereadora Débora Camilo (PSOL) reagiu às críticas. Segundo ela, o congresso teve caráter científico e não se baseou em preconceitos. A parlamentar também destacou os benefícios do canabidiol no tratamento da epilepsia, especialmente em crianças, e lembrou que uma lei municipal já prevê esse uso em Santos.

Débora ainda criticou a atual política antidrogas. Para ela, a chamada “guerra às drogas” atinge principalmente pobres, negros e moradores da periferia. Esse modelo, segundo a vereadora, impede avanços em políticas públicas mais eficazes.

Apesar das divergências, a Polícia Militar acompanhou o evento e não registrou ocorrências. O congresso se estruturou em quatro eixos temáticos: medicinal, comercial, justiça social e cultivo, ampliando o debate sobre a cannabis.

O que diz o Crema 

Em nota enviada a pedido do Juicy Santos, a organização do Crema respondeu. 

“O congresso não recebeu qualquer financiamento da Autoridade Portuária de Santos, tampouco utilizou o local do evento (Parque Valongo) como concessão da Prefeitura de Santos, conforme afirmado por diversas vezes pelo vereador, através de um vídeo amador compartilhado por ele em suas redes sociais.

Toda a realização foi custeada por patrocinadores, apoiadores privados e bilheteria. O espaço utilizado no Parque Valongo foi devidamente contratado, não havendo cessão gratuita por parte do poder público. O evento foi conduzido em conformidade com a legislação vigente, com todos os alvarás e autorizações obtidos pelos canais oficiais e todas as taxas recolhidas.

A idealizadora e responsável pelo evento, Fernanda Salles, reafirma que o Crema Cultural é um evento realizado com total responsabilidade e se pauta pela transparência, pelo respeito à lei e pelo compromisso de oferecer informação qualificada à sociedade.

Além de combater a desinformação, o evento fomenta o turismo e os comércios locais, atraindo visitantes e divulgando a cidade de Santos em veículos de imprensa locais e nacionais”

Histórico de preconceito e desigualdade

Durante a maior parte da história da humanidade, a maconha não foi vista como ameaça. De acordo com o National Geographic, existem evidências do uso da planta na China há mais de 2.500 anos. A própria Coroa de Portugal incentivava o plantio para fabricar cânhamo usado nas caravelas.

A perseguição começou quando africanos e indígenas passaram a usar a maconha de forma recreativa. O Brasil, inclusive, foi pioneiro na proibição mundial. Em 1830, o Rio de Janeiro aprovou a “lei do pito do pango”, que mais tarde se estendeu a todo o país em 1938. Essas medidas não tinham base científica, mas sim preconceitos raciais.

Um exemplo desse racismo surgiu em 1915, durante um congresso pan-americano. Na ocasião, a cannabis foi descrita como “vício pernicioso e degenerativo que representa uma vingança dos negros para com seus irmãos brancos mais avançados em civilização.”

Hoje, a realidade mudou. Vários países como Estados Unidos, Canadá e Uruguai, legalizaram o uso da maconha. O Brasil, no entanto, segue atrasado, como já ocorreu em outros momentos históricos, como na abolição da escravidão.

Desigualdade racial na aplicação da lei

A questão racial continua no centro do debate. Durante a votação no Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do porte de maconha, o ministro Alexandre de Moraes apresentou dados que revelam a disparidade judicial.

Segundo ele, jovens negros e analfabetos são classificados como traficantes quando portam apenas 20 gramas. Já brancos com curso superior só recebem o mesmo tratamento se flagrados com 60 gramas.

Vale lembrar que o próprio Moraes tem histórico de combate às drogas. Ele já chegou a ir à fronteira com o Paraguai para cortar pés de maconha com um facão.

O debate jurídico também está em aberto. Em 2024, o STF formou maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Contudo, o Senado aprovou uma PEC que criminaliza a posse de qualquer quantidade de drogas ilícitas. Assim, o impasse continua.

Além disso, pesquisas científicas indicam que os danos da maconha são menores do que os provocados pelo tabaco e pelo álcool — ambos liberados no Brasil. Esses estudos questionam a base científica da atual proibição.

O 2º Congresso Crema buscou justamente enfrentar essas contradições. O encontro reuniu especialistas de diferentes áreas para discutir evidências científicas, impactos sociais e possíveis caminhos para reduzir o preconceito no debate sobre drogas no país.

Avatar
Texto por

Contato