Dia da mulher: Juicy Santos entrevista Gilze Francisco
A Gilze é daquele tipo de pessoa que você sempre ouve falar, mas apenas o acaso te apresente. Nos conhecemos pelo Facebook, apesar de já ter ouvido o nome dela uma centena de vezes. É impossível não ter ouvido falar em seus projetos pelo Instituto Neomama. Muito doce, ela está sempre torcendo e dando apoio, compartilhando sua história e dando força para que muitas pessoas continuem as suas. Nesse dia da mulher, Gilze é a nossa escolhida para esse entrevista em comemoração ao dia da mulher – não apenas por ser uma grande figura feminina – mas também por ajudar milhares de mulheres a continuarem suas vidas após um diagnóstico duro.
Juicy Santos – Quem é Gilze Francisco?
Gilze Francisco – É uma pessoa que sofreu muito ao se descobrir acometida pelo câncer de mama, e que desde o diagnóstico comprometeu-se a ajudar outras mulheres no enfrentamento à doença. É casada, mãe e avó, e como todas, viu seu mundo desabar, perder o chão sem ter asas, diante do diagnóstico de câncer de mama, tão estigmatizado ainda nos dias de hoje…
JS – Você passou por grandes transformações em sua vida. Além do emagrecimento, você também superou um câncer. Como essas mudanças impactaram?
GF – De todas as formas, por todos os lados… Primeiro veio o câncer, que deixou cicatrizes no meu corpo e na minha alma. Já estava obesa, mas nunca imaginei que poderia engordar mais no processo todo de tratamento, mas consegui adquirir mais 15 kg!!! Depois da quimioterapia, resolvi esperar o tempo que o médico solicitou para fazer a reconstrução da mama (02 anos) e neste tempo, emagreceria… doce ilusão, só aumentava minha ansiedade, meu envolvimento com a causa, e a Gilze foi ficando novamente para trás, escondida numa densa cortina de gordura, ouvindo sempre elogios caridosos do tipo “é gordinha mas tem o rosto lindo, sem uma ruga” – como poderia ter rugas se tudo estava ocupado por gordura???. Ou então: “toda gordinha é simpática e bem amada”… qual o consolo??? Passei a perceber o quanto as pessoas não estão preparadas para o câncer em si e nos outros, e como nós mexemos no mundinho perfeito dos outros, muitas vezes causando pena e até medo, preconceito…
Ao gravar um dos programas com um médico que respeito muito, notava que ele me olhava muito, e perguntei o porquê. Ele me falou: “Menina! Quando vai tomar uma providência consigo própria? Vejo você tendo um enfarte ou um AVC em no máximo 2 anos, e dificilmente você sobreviverá! Isso me acordou para a realidade da necessidade de emagrecer de fato, e no dia seguinte parti para mais esta caminhada junto ao emagrecimento.
Os maiores impactos foram, por incrível que pareça, voltar a se reconhecer no espelho, nas roupas, deixar de ter medo de encontrar pessoas que me conheceram no passado, por pura vergonha de estar como estava (me tornei uma caricatura de mau gosto de quem eu um dia fui). Tive que encarar mais este resgate, me fortalecer e voltar a sair. Tomei meu primeiro banho de mar no Carnaval de 2012, depois de 1 ano e meio de reconstrução das mamas (fiquei 11 anos mastectomizada), depois de 20 anos sem pisar nas areias… chorei muito neste banho de mar, achava que a praia, o mar e tudo de bom da vida não eram feitos para eu desfruta-los… esse processo ainda me surpreende às vezes, mas foi muito importante depois de tantas situações limites…
JS – Como começou a sua história com o câncer?
GF – Minha história com o câncer de mama começou numa noite chuvosa e domingo, quando fui fazer meu auto-exame, aos 38 anos de idade; Logo que toquei aquele nódulo, por ser enfermeira e falar sobre auto-exame numa época onde ninguém tocava no assunto, logo percebi que se tratava de algo além de uma doença benigna… passou-se um filme na minha cabeça, diante do espelho, e eu nesse momento percebi que minha vida dividiria-se entre antes e depois daquela descoberta. Meu diagnóstico foi precoce, mas as características do meu câncer eram muito agressivas, Tive um carcinoma ductal invasivo (o mais comum), porém minha axila do lado operado já estava 100% metastática, eram 2 nódulos (o que já inviabiliza uma cirurgia preservadora) e haviam diversos pontos do câncer na minha mama. Fichas que vão caindo durante o tratamento começaram a se manifestar no pós operatório… Era 1999, onde os recursos eram menores, eu era considerada “uma menina”, pois poucas mulheres abaixo dos 40 apresentavam a doença, e devido à minha obesidade, meu tratamento também foi pesado, pois todo cálculo quimioterápico é feito em cima de peso e altura… já viu né… rsrsrs. Sofri, mas sinto que toda vez que caio, mais forte me levanto!
JS – Em que momento você teve o insight de transformar sua doença em um projeto que ajudasse outras pessoas com o mesmo problema?
GF – Foi no dia que recebi meu diagnóstico. Meu médico aconselhou consulta na Internet, e eu, desesperada, passava de um site para outro, sem saber o que buscava, até que, nitidamente, eu vi que buscava uma palavra que me fizesse acreditar que eu conseguiria vencer. Nesse momento pedi ao meu marido que, se eu saísse dessa, ele montaria um site para mim, bem simples, onde uma mulher como eu, desinformada tecnologicamente falando, conseguisse acessar respostas. E foi daí que tudo começou. Um dia, em maio de 2001, fui convidada a participar do “Domingão do Faustão”, para falar ao vivo sobre a doença, e seria feito um quadro chamado “Vida de Novela” onde Giulia Gam faria meu papel, e Paulo Gorgulho o papel do meu marido. Fiquei com muito medo, pela maneira que o apresentador se posiciona, e só fui convencida em julho, onde tudo aconteceu no dia 22. Até telefonema da Xuxa recebi no meu celular, Faustão é um gentleman, e eu achei que não tinha aproveitado o horário ótimo que entrei. Foi a maior audiência do programa, e até hoje recebo e-mails que dizem: vi você no Faustão há muito tempo atrás e estou te procurando porque estou com câncer de mama… Em tempos de Internet discada, recebi nos 2 primeiros dias mais de 48.000 e-mails, respondidos um a um, e aí comecei a ser cobrada pelo pessoal da região, sobre como me encontrar, como me ver, e daí nasceu o Instituto Neo Mama, referencia em atendimento e suporte no Brasil e fora dele, pois o mais comum são os grupos de apoio. Valeu muito a pena!
JS – Como foi o começo do Neo Mama?
GF – Difícil, muito difícil… na inauguração, muita gente de peso, de nome, muitos voluntários, e eu só dizia à Diretoria: vamos ver daqui a 3 meses quantos desses permanecerão… e assim foi. No dia seguinte tinha gente arrecadando dinheiro em nome do Instituto, fui às Tvs e jornais desmentir e alertar sobre o golpe, um médico, sem eu saber, usou o nome do Instituto por 6 meses arrecadando dinheiro… foi um tumultuo, mas passou. Era eu e a casa alugada, sobradinho, onde alguns serviços eram oferecidos, mas na maioria deles, eu é quem agia (cadastramentos, informações sobre direitos, banco de perucas, banco de próteses externas, maquiagem, lenços, chapéus, remédios, cestas básicas…) mas tive voluntários muito importantes que lembro até hoje, mas foi tudo muito difícil. Construir um nome é difícil, mante-lo mais ainda… Mas agora a situação é um pouco diferente, somos referencia, somos pioneiros em diversas áreas e iniciativas, somos conhecidos e eu, muito respeitada no Brasil, trouxe o Outubro Rosa para o Brasil – começou aqui em Santos – Graças a Deus!
JS – Você pode citar as histórias mais marcantes do Neo Mama?
GF – Posso citar algumas, são tantas… Mulheres que morreram segurando as minhas mãos, pedindo para que não queriam morrer, o casamento de uma delas no Instituto, com direito a tudo, com seu companheiro de 5 anos (morreu menos de 1 ano depois, mas realizei seu sonho…), os Calendários, que são um sucesso e são vendidos no Brasil todo e fora dele também, histórias lindas de superação, de empoderamento e resiliência, mulheres que, como eu, se redescobriram depois do câncer, outras que o negam mesmo após o tratamento. Companheiros que são exemplares, outros que as abandonam… de tudo uma história, de cada história uma lição…
JS – Qual a sua maior realização com o trabalho que realiza?
GF – Total. Eu sou a maior beneficiada, sou a que mais curte bolar coisas para elas participarem, o brilho dos olhos de quem chega desesperançosa, achando que o fim do seu mundo começou, e um tempo depois as risadas de alegria e reconhecimento da vitória sobre o que passaram são inigualáveis, é um brilho sem comparação. Voltam a serem crianças, voltam a se gostarem, voltam a serem felizes e terem qualidade de vida… saem do fim da fila!!!
JS – Atualmente quais são os projetos do Instituto?
GF – Continuar o pioneirismo, que é uma marca do Instituto, procurar fazer dessas mulheres que nos procuram exemplos de superação, ter uma unidade móvel para alertar a importância da mamografia e oferecer palestras de conscientização na região metropolitana, comunidades de bairro, empresas, e buscar mais parcerias para incrementar e aumentar o número de atendimentos em nossa sede. Prioridade Máxima: aquisição de sede própria, através de uma Campanha séria e engajada.
JS – Que dicas você dá para quem passou ou está passando por um tratamento difícil como o do câncer?
GF – Ser humilde, aceitar o que acontece e abraçar o que lhe é oferecido sem reservas. Mesmo sendo SUS, buscar o melhor profissional, e fazer a sua parte… por melhores que sejam nossos recursos financeiros, planos de saúde e conhecimentos, nós temos que fazer a nossa parte, é o que a equipe que nos assiste espera, assim como os familiares e amigos. Com esse diagnóstico, chegamos à beira de um precipício e vemos que existem 2 caminhos: pular ou voar… e voar é muito bom, posso garantir!!!
JS – Como você enxerga a cidade de Santos?
GF – É a cidade no Estado de São Paulo com maior número de câncer de mama e, infelizmente, maior taxa de mortalidade também, não se sabe porquê mas tenho jornal do ano 2000 já alertando para essa realidade. Existe muita gente aqui que ainda não consegue separar (ou não sabe separar) palestra de depoimento… isso é sério, informação é coisa séria, mas acontece. Os grupos necessitam de supervisão permanente, por causa das informações de comadres, palpites desavisados que acabam perpetuando histórias sem nexo por não ter alguém que norteie essa turma… sou Presidente do Conselho da Rede Feminina de Combate ao Câncer do Estado de São Paulo, e nos preocupamos demais com isso… Santos deve ser uma cidade-exemplo, tem tudo para isso, e tenho fé que muitas coisas irão acontecer de bom, desde que bem delineadas. Não podemos ficar neste compasso, com Leis Federais que beneficiam o início de tratamento para quem já foi diagnosticado, e haver demora para se chegar ao diagnóstico, é um contra-senso… mas sei que as coisas vão mudar, o Instituto está aqui não só para cobrar, mas para trabalhar junto. Essa é a proposta!