Deputados da Baixada Santista votaram sim para o PL da Devastação
O PL 2159/2021 - conhecido como "PL da Devastação" - foi aprovado na Câmara e agora está nas mãos do presidente Lula.
Na madrugada de 17 de julho de 2025, o Congresso Nacional aprovou o que especialistas consideram o maior retrocesso ambiental das últimas décadas. O Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 267 votos favoráveis e 116 contrários. Agora, segue para a sanção presidencial. E os três deputados eleitos para representar a Baixada Santista – Rosana Valle (PL), Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) e Delegado da Cunha (PP) – votaram para a flexibilização das leis ambientais.
A data escolhida para a votação não poderia ser mais simbólica. Coincidiu com o Dia de Proteção das Florestas, num claro contraste com o que o projeto representa.

Mudança radical
O PL 2159/2021 promove uma transformação profunda no sistema de licenciamento ambiental brasileiro. Ele introduz três modalidades principais que alteram drasticamente o cenário atual.
A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) permite que empresas obtenham autorização através de autodeclaração online, sem análise técnica prévia dos órgãos ambientais. Essa modalidade, que antes era restrita a empreendimentos de baixo impacto, agora se estende a projetos de médio porte, incluindo pequenas hidrelétricas e até barragens de mineração.
A Licença Ambiental Especial (LAE) representa outra novidade preocupante, permitindo que o Conselho de Governo defina projetos “estratégicos” que receberão análise simplificada em fase única, com prazo máximo de um ano[5][6]. Essa medida, proposta pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre, facilita especificamente a exploração de petróleo na margem equatorial amazônica.
O projeto também dispensa totalmente o licenciamento ambiental para diversas atividades agropecuárias, sistemas de saneamento básico e obras de “melhoramento” de infraestrutura[4][6]. Essa dispensa é particularmente significativa, considerando que o setor agropecuário é responsável por uma parcela considerável das emissões de gases de efeito estufa no país.
Impactos na Mata Atlântica
Um dos aspectos mais alarmantes do PL é a Emenda 28, que altera drasticamente a Lei da Mata Atlântica.
A mudança permite que áreas de vegetação primária e secundária em estágio avançado sejam desmatadas sem autorização dos órgãos ambientais estaduais ou federais. Isso representa um golpe mortal para um bioma que já perdeu mais de 80% de sua cobertura original.
A Agência Pública soltou uma matéria no próprio dia 17 de julho sobre o projeto do novo CT do Santos FC em Praia Grande, bancado pelo pai do jogador Neymar. Essa é uma obra que se beneficiaria amplamente da mudança da lei.
Falando em esporte, só para efeito de comparação: entre 2021 e 2022, o bioma perdeu 20.075 hectares de floresta, equivalente a mais de 20 mil campos de futebol. Desde 2006, a Lei da Mata Atlântica havia conseguido reduzir o desmatamento em mais de 80%, mas essa conquista histórica agora está ameaçada.
Para a região da Baixada Santista, onde mais de 70% da população brasileira vive em áreas dependentes dos recursos da Mata Atlântica, as consequências podem ser catastróficas. O bioma é responsável por cerca de 80% dos recursos de água doce disponíveis na região, sendo fundamental para a segurança hídrica de milhões de pessoas que vivem no litoral paulista.
E a Baixada Santista?
Para a Baixada Santista, região que já enfrenta desafios ambientais significativos, o PL pode intensificar problemas existentes. A região concentra 63% das estruturas artificiais da linha de costa paulista, incluindo muros de contenção, quebra-mares e moradias como palafitas. Essas estruturas já causam impactos ambientais como perda de habitats naturais e biodiversidade.
Os municípios da região vêm trabalhando para criar um consórcio de licenciamento ambiental regional, buscando agilizar processos de baixo impacto. No entanto, a aprovação do PL pode criar insegurança jurídica e comprometer esses esforços de cooperação intermunicipal.
A região também enfrenta pressões do Porto de Santos, polo industrial de Cubatão e exploração de petróleo offshore, atividades que podem ser beneficiadas pela flexibilização das regras, mas que também representam riscos ambientais significativos.
Fragilidade dos povos originários
O PL também representa um ataque direto aos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. O projeto restringe a atuação de órgãos como a Funai, ICMBio e Iphan apenas a territórios já homologados ou titulados. Isso significa que cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento iniciados podem ser afetados, assim como mais de 80% dos territórios quilombolas com processos de titulação abertos.
A medida contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que assegura o direito à consulta prévia, livre e informada aos povos tradicionais sobre empreendimentos que possam afetar seus territórios. Especialistas alertam que milhares de sítios arqueológicos cadastrados pelo Iphan na Amazônia podem ficar vulneráveis devido à flexibilização das regras.
Agropecuária e economia
Há, ainda, questões como a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias. A agropecuária é responsável por diversos problemas ambientais, incluindo desmatamento, compactação do solo, contaminação da água e emissão de gases de efeito estufa.
O setor contribui significativamente para as emissões de metano, dióxido de carbono e óxido nitroso, provocando aquecimento global e destruição da camada de ozônio. Além disso, o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes compromete a qualidade das águas dos sistemas hídricos, podendo levar à eutrofização de rios e lagos.
Dados recentes mostram que o desmatamento na Amazônia aumentou 68% em janeiro de 2025, atingindo 133 km² de destruição florestal. Para Ana Carolina Crisostomo, do WWF-Brasil, a aprovação do PL é “extremamente grave” porque vai na contramão dos compromissos assumidos pelo Brasil de zerar o desmatamento até 2030.
A sociedade civil reage
Mais de 350 organizações da sociedade civil assinaram manifesto contra o PL da Devastação, incluindo entidades como Observatório do Clima, APIB, Instituto Ethos, MST, CUT, SBPC e Frente Parlamentar Ambientalista. O manifesto denuncia que o projeto “representa um enorme retrocesso institucional para o Brasil e a derrocada de mais de 40 anos de construção da legislação ambiental nacional”.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se posicionou fortemente contra o projeto. E classifica-o como “o enterro do licenciamento ambiental”. Em nota oficial, o MMA afirmou que o PL “representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”.
No entanto, outros ministérios do governo estão endossando a proposta. Ministros como Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Renan Filho (Transportes) manifestaram apoio ao texto. Essa divisão interna do governo reflete a complexidade política em torno da questão ambiental.
E a COP30?
A aprovação do PL da Devastação ocorre em um momento particularmente delicado para o Brasil. A menos de quatro meses da COP30, em Belém do Pará, o país envia um péssimo sinal ao mundo sobre seus compromissos ambientais. O climatologista Carlos Nobre alertou que “os quatro biomas brasileiros estão muito próximos do ponto de não retorno”.
A medida compromete seriamente a credibilidade ambiental do Brasil nos compromissos internacionais e pode afetar parcerias comerciais e o acesso a financiamentos que exigem o cumprimento de salvaguardas socioambientais. Organizações internacionais já manifestaram preocupação com a aprovação do projeto.
O PL agora segue para a sanção do presidente Lula, que tem 15 dias úteis para decidir pela aprovação ou veto, total ou parcial. Caso seja vetado, o Congresso pode derrubar o veto com maioria simples. Especialistas preveem ampla judicialização no Supremo Tribunal Federal. Isso considerando que o projeto contraria múltiplas decisões da Corte e dispositivos constitucionais.
O presidente da bancada ambientalista, Nilto Tatto, confirmou que haverá questionamentos no STF, argumentando que o PL “afronta vários artigos da Constituição”. O projeto também contraria a decisão do STF na ADI 680, que se posicionou contra a LAC para empreendimentos de médio impacto.
O que posso fazer sobre isso?
O PL da Devastação 2159/2021 representa um divisor de águas na política ambiental brasileira. Ao enfraquecer drasticamente o licenciamento ambiental, o projeto compromete décadas de avanços na proteção ambiental e coloca em risco não apenas a biodiversidade, mas também a segurança de milhões de brasileiros que dependem de ecossistemas saudáveis.
A aprovação sinaliza uma mudança de prioridades que pode ter consequências irreversíveis para o futuro do país.
Para os moradores da Baixada Santista, que vivem em uma região já fortemente impactada por atividades industriais e portuárias, a flexibilização das regras ambientais representa uma ameaça adicional à qualidade de vida e à sustentabilidade regional.
Precisamos de mobilização social e pressão política para que o presidente Lula vete integralmente o projeto, preservando um dos principais instrumentos de proteção ambiental do país. O futuro das próximas gerações depende das decisões tomadas hoje.
*com informações da ONG SOS Mata Atlântica