C4 do Mal: o rolê que balançou a orla santista
Quando o Facebook virou convocatória e o Canal 4 virou point da juventude
Se você é de Santos e está na faixa dos 25 anos, provavelmente conhece essa história. Entre 2016 e 2018, um fenômeno tomou conta da orla santista e dividiu opiniões como poucos eventos conseguiram: o famoso C4 do Mal.

Foto: Divulgação/Polícia Militar *melhorada com IA
O nome, confessemos, já era genial. Tinha aquele clima de proibidão, de coisa clandestina, mas na real era só uma galera querendo curtir a praia de noite sem gastar todo o salário num bar chique.
Como tudo começou
A receita era simples: pegue um canal de Santos, adicione um evento no Facebook, junte jovens carentes de opções de lazer acessíveis e pronto! Você tem um rolê viral!
“A gente levava bebida e ficava sentadinho conversando e bebendo”, conta uma frequentadora que preferiu não se identificar (vai que os pais descobrem, né?).
Os encontros aconteciam na região do Canal 4 e nos quiosques próximos, geralmente a partir das 23h55, porque começar à meia-noite em ponto seria convencional demais.
O diferencial? Não tinha lista VIP, não tinha entrada, não tinha dress code. Era democrático no melhor estilo “traga sua caixinha de som e seja feliz”. Como descreve um entrevistado:
“Cada um levava meio que sua caixinha. Às vezes o pessoal das faculdades combinavam algum evento na praia também.”
Quando o rolê desandou
Mas aí a coisa escalou. E escalou muito. Num determinado sábado de 2018, o evento no Facebook registrou mais de 14 mil manifestações de interesse. Mais de 7 mil pessoas confirmaram presença e outras tantas sinalizaram que talvez aparecessem (aquela galera que marca “interessado” mas nunca vai, você conhece).
O problema? Dessa vez, foi todo mundo.
Dessa forma, a concentração de gente foi tanta que a situação fugiu do controle. E aí começaram os problemas de verdade: relatos dão conta de que criminosos aproveitavam a muvuca para realizar assaltos na rua da praia e depois correr em direção ao mar, se misturando na multidão. Em algumas edições, até arrastões rolaram.
A polícia desembarcou com tudo, houve uma operação envolvendo Polícia Militar, Guarda Municipal e CET, das 22 às 6 horas. O resultado? Vinte e uma caixas de som apreendidas, mais de 200 garrafas de bebida confiscadas, cinco bicicletas, sete motos e até um simulacro de arma de fogo. Onze multas de trânsito para completar o combo.
Um frequentador destacou que a polícia não estava lá para garantir a segurança, mas sim para acabar com a festa.
A revolta dos moradores da orla
Enquanto a juventude celebrava ter encontrado um point acessível, os moradores dos prédios de frente para o mar não estavam nada felizes.
As reclamações pipocavam. Um morador chegou a declarar na época que havia “muita bebida, consumo de drogas e sexo explícito, fora os roubos.”
Uma frequentadora rebate com bom humor:
“Estava lá todo final de semana e nunca vi esse sexo explícito.”
Ela pontua algo importante:
“Lazer é direito e a faixa de areia é longe dos prédios residenciais. Por ser um rolê acessível, vinha gente da cidade inteira e isso incomodava os moradores que acham que eram donos da praia.”
O lado B da história
Olhando pelo retrovisor, o C4 do Mal era sintoma de algo maior: a falta de opções de lazer acessíveis para os jovens santistas. Não todo mundo tem grana para bancar balada cara, e menores de idade ficavam ainda mais limitados.
“Era uma opção mais barata. Não tínhamos que pagar para entrar, era no meio da cidade e os menores de idade não tinham problemas em ir”, explica a entrevistada. “Era gostoso ficar na praia conversando e ouvindo música.”
Um entrevistado vai além e critica a forma como Santos lida com a vida noturna:
“Santos, de maneira geral, tem muitos conflitos com a vida noturna. Era uma alternativa viável que o pessoal encontrava para se reunir, ouvir um som.”
Sobre o consumo de substâncias (tema que sempre aparece nessas discussões) ele é direto:
“O consumo de substâncias acontecia, mas da mesma forma que acontece na maioria das festas e eventos. O enfrentamento disso passa muito longe de uma truculência da Polícia Militar.”
O fim de uma era
Depois das grandes operações policiais e da repercussão negativa, o C4 do Mal perdeu força. O Facebook deixou de ser o point da organização, a galera cresceu, a pandemia chegou e a vida simplesmente seguiu.
Hoje, o Canal 4 continua ali e ainda reúne algumas pessoas, mas nada que lembre o tempo em que milhares de jovens ocupavam a praia à noite para ouvir música, encontrar amigos e viver a própria liberdade sem pedir licença.
O C4 do Mal era realmente do mal? Ou representava apenas jovens sendo jovens em uma cidade que ainda não sabe muito bem como lidar com isso?
Fica a reflexão. E a saudade de quando a maior preocupação era escolher qual música colocar na caixinha de som.