BNH em Santos: o primeiro grande conjunto habitacional do Brasil
Se você já deu uma volta pelo Canal 5, ali no bairro Aparecida, com certeza já cruzou com o famoso BNH, um conjunto habitacional que marcou a história da cidade e do país. E, mesmo se nunca passou por lá, deve ter ouvido uma certa canção que diz:
“Ela tem carro importado e telefone celular
Eu só tenho uma magrela e um apê no BNH”
Pois é, essas três letras viraram até verso de música do Charlie Brown Jr. Mas muita gente não sabe de onde vem.
Oficialmente, ele se chama Conjunto Habitacional Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. No entanto, levou o nome da sigla da instituição que o financiou: o Banco Nacional da Habitação (BNH).
O que muita gente não sabe é que esse foi o primeiro grande conjunto habitacional do Brasil sob a política do BNH. Mais do que um aglomerado de prédios, ele é um importante capítulo da história urbana de Santos e um símbolo da arquitetura modernista voltada à habitação social.
Um bairro dentro do bairro
Localizado no bairro Aparecida, o BNH impressiona pelos números: são 3.288 apartamentos distribuídos em 97 prédios de quatro andares, divididos em 12 condomínios que levam nomes de países sul-americanos, como Equador, Colômbia e Chile. Estima-se que cerca de 20 mil pessoas morem no conjunto, o que o torna o núcleo habitacional mais populoso do bairro.
As obras começaram em 1967. Os primeiros moradores receberam as chaves em 1971. Desde então, o BNH se consolidou como uma microcidade dentro de Santos — com comércio, cultura, e uma vida comunitária própria.
Uma política urbana com ambições nacionais
O surgimento do BNH em Santos está diretamente ligado a um contexto maior: o do regime militar, que criou o Banco Nacional da Habitação em 1964. O objetivo era resolver o déficit habitacional urbano e, ao mesmo tempo, movimentar a economia com grandes empreendimentos da construção civil. A principal fonte de financiamento era o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), recém-criado na época.
A escolha de Santos para esse projeto-piloto não foi à toa. A cidade já tinha experiência com conjuntos habitacionais, como o do IAPI, e a área onde o BNH foi erguido pertencia a famílias de imigrantes japoneses, que foram indenizadas para dar lugar à construção.
Arquitetura moderna com alma coletiva
O projeto arquitetônico foi definido por meio de um concurso promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção São Paulo, em 1967. A proposta vencedora foi da equipe liderada por Oswaldo Corrêa Gonçalves, com os arquitetos Paulo Buccolo Ballario e José Wagner Leite Ferreira. A ideia era seguir os princípios do modernismo: blocos sobre pilotis (pilares), áreas abertas para lazer e convivência, ventilação natural e espaço entre os prédios para garantir qualidade de vida aos moradores.
No projeto original, também estavam previstas amplas áreas verdes e espaços comunitários abertos, que garantiriam convivência entre os vizinhos, além de favorecer a ventilação cruzada — importante em uma cidade quente e úmida como Santos. Porém, ao longo do processo, alterações foram feitas para aumentar o número de unidades habitacionais. Isso fez com que os prédios ficassem mais próximos uns dos outros do que o planejado no início, o que acabou dificultando a ventilação e a circulação de ar entre eles.
Outro ponto que ajuda a entender a transformação do espaço ao longo dos anos é que o projeto original não previa garagens — o que fazia sentido para a época, quando o acesso ao carro particular era restrito a uma parcela muito pequena da população. No entanto, com o aumento da motorização individual, moradores passaram a improvisar vagas nos pilotis ou em áreas comuns, descaracterizando parte da proposta arquitetônica.
Além disso, com o tempo, as áreas abertas nos térreos foram sendo fechadas, seja para segurança, seja por adaptação às novas necessidades, e outras modificações feitas pelos próprios moradores acabaram alterando o traçado urbano previsto no projeto. Ainda assim, muitos elementos da arquitetura modernista continuam visíveis, e o BNH segue sendo um exemplo importante de planejamento urbano voltado à habitação social.
A história dos conjuntos habitacionais
A ideia de conjuntos habitacionais surgiu no contexto da Revolução Industrial, quando o crescimento urbano e a migração de trabalhadores para as cidades criaram a necessidade de moradias acessíveis e rápidas. No Brasil, no início do século XX, surgiram as vilas operárias, como a Vila Maria Zélia em São Paulo, construída por iniciativa privada para atender trabalhadores urbanos.
A partir da década de 1930, com o governo de Getúlio Vargas, o Estado passou a investir em moradias populares, especialmente através dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que construíram conjuntos habitacionais com equipamentos coletivos e infraestrutura. Esses empreendimentos buscavam oferecer não só moradia, mas também serviços como educação, saúde e lazer.
Com o tempo, a responsabilidade pela habitação popular foi assumida de forma mais direta pelo Governo Federal, especialmente após 1964, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH). Nas décadas seguintes, o governo lançou diversos programas, como o Programa Minha Casa Minha Vida (2009) – foi o maior programa de habitação popular do Brasil, beneficiando milhões de famílias – e o Casa Verde e Amarela (2020) – substituiu parcialmente o Minha Casa Minha Vida, com foco em financiamento, regularização fundiária e reforma de imóveis -, que incentivam a construção e aquisição de moradias para famílias de baixa renda.
Muito além da moradia
Mais do que um conjunto de prédios, o BNH carrega consigo memórias, histórias e identidade. Já foi tema de músicas e estudos acadêmicos, além de ser um ponto de referência para quem vive em Santos. O local também se destaca por seu potencial comercial e cultural, com mercados, padarias, igrejas e feiras que movimentam a economia do entorno.
E talvez o mais importante: o BNH representa um marco na vida de milhares de pessoas que ali encontraram moradia digna e comunidade. Mesmo diante dos desafios urbanos e das mudanças ao longo dos anos, ele segue vivo — com crianças brincando nas praças, vizinhos se reunindo nas áreas comuns e histórias sendo escritas todos os dias.
Um pedaço da história de Santos
O BNH é um daqueles lugares que fazem parte da paisagem, mas também da memória coletiva da cidade. Quando falamos em habitação social no Brasil, ele aparece como referência nacional, abrindo caminho para muitos outros conjuntos semelhantes em várias regiões do país.
E para quem vive ali — ou já viveu — ele é muito mais do que concreto, tijolo e pilotis. É lar, é pertencimento, é história viva da cidade de Santos.