A guerra fria entre táxis e Uber
Depois de duas quadras, o motorista José Gonçalves* pediu ao passageiro autorização para subir os vidros. Eram cinco pessoas no carro, o que poderia chamar a atenção.
“Os taxistas são desconfiados, principalmente se veem no celular o aplicativo Waze”
Paulo de Almeida, logo no segundo dia de trabalho, levou um passageiro na Rodoviária de Santos.
Desceu do carro, pegou as malas dele e fez questão do aperto de mão para que os taxistas não percebessem que estava a trabalho.
Ilustração: http://harborstudiosparis.tumblr.com/
Nos dois casos, os motoristas trabalham com o aplicativo Uber, que gerou confrontos em São Paulo e acabou regulamentado. Em Santos, o uso do aplicativo é proibido.
Em 19 de novembro do ano passado, o Diário Oficial publicou lei neste sentido, de autoria do vereador Ademir Pestana (PSDB). A lei prevê multa de R$ 1.500, mais apreensão do veículo. Legislação semelhante também foi aprovada em Guarujá, com sanção maior: R$ 1700.
Santos possui cerca de 1150 taxistas, e a categoria fez pressão política para que a lei fosse aprovada.
Mesmo assim, o uso do aplicativo cresceu na cidade, atraindo, inclusive, motoristas de São Paulo.
Augusto Barros trouxe uma passageira do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, a Santos e permaneceu o resto do dia na cidade. Chegou a dirigir por quatro horas seguidas, quando decidiu desligar o celular para almoçar.
Everton Santos, por exemplo, vem a Santos duas vezes por semana. A família tem apartamento de temporada e ele aproveita as folgas para surfar. Nos intervalos, banca parte do passeio semanal com o transporte de passageiros.
Muitos motoristas preferem descer a serra e trabalhar em Santos. Eles alegam que o mercado ainda é pequeno, com poucos profissionais, e cresce pelo boca a boca entre passageiros.
Marcelo Costa me mostrou, por exemplo, numa noite de terça-feira, que havia 26 motoristas disponíveis na cidade. Ele é de São Paulo e se mudou há 4 meses. O Uber completa a renda do trabalho em casa.
“Só em Moema, certa vez, tinham 27 carros, oito na mesma quadra.”
Atualmente, cerca de 50 pessoas trabalham com o aplicativo em Santos. São universitários, desempregados e profissionais liberais. Muitos começam a trabalhar após 18 horas, quando largam o emprego formal.
Para quem usa, uma das falhas é a pouca quantidade de carros em certas horas do dia, como o meio da manhã, e aos domingos.
Um dos profissionais liberais é Fernando Machado, advogado que perdeu clientes com a crise econômica.
“Dirigir via Uber paga as contas na crise e vai me ajudar quando abrir meu próprio negócio no final do ano.”
Ele e a esposa traçam, no momento, um plano de negócios para entrar no ramo de roupas.
Alta demanda
Três dos motoristas são mulheres, número repassado por uma delas. Viviane Passos chega a dirigir seis horas por dia, entre 19 horas e 1 hora.
“Há noites que vivo só de cafézinho tamanha a demanda. E, ainda assim, tenho que desligar o aplicativo para ir ao banheiro.”
Os motoristas estão concentrados nos bairros da orla da praia. Vários desconhecem a cidade e dependem do aplicativo de localização.
“Quem conhece melhor Santos já percebeu que basta se aproximar das avenidas Pedro Lessa e Afonso Pena para ter trabalho o tempo todo”, explicou Antônio de Souza, que dirige por aqui há dois meses.
Apesar das balinhas, água e revistas, a maior vantagem do Uber é o preço. Uma viagem da Aparecida ao Campo Grande custa, em média, R$ 12,50. Quatro pessoas, se fossem de ônibus, gastariam R$ 13 em passagens. De táxi, entre R$ 23 e R$ 25.
A corrida, nos táxis, começa com bandeirada mínima de R$ 5,90. Cada quilômetro rodado, em bandeira 1, custa mais R$ 3,30. No Uber, o preço base é R$ 2, mais R$ 0,26 por minuto e R$ 1,40 por quilômetro. O mínimo cobrado é R$ 7.
Os motoristas de Uber tentam manter a discrição, não apenas pela transgressão à lei. Dos dez motoristas com quem conversei, nenhum deles relatou casos de violência, mas dois deles reproduziram o episódio de um motorista que teve dois pneus do carro furados por um taxista, na saída de uma casa noturna.
Na crise econômica, o Uber se revelou um mercado paralelo em crescimento. Não é possível medi-lo com estatísticas, até por causa da clandestinidade do serviço e da flexibilidade do trabalho.
Dois lados
Mas dá pra perceber que, mesmo contrários, os taxistas se dividem em dois grandes grupos.
Um prefere reclamar sempre e se limita a encarar os motoristas de Uber como inimigos. O outro grupo começa se mexer, com simpatia, qualidade no atendimento e fidelidade com clientes, visando compensar o preço mais alto. As empresas de táxis adotaram aplicativos próprios. Uma delas, alvo de queixas pela demora no atendimento telefônico, agora responde aos clientes na primeira chamada.
Nesta guerra silenciosa, parte dos exércitos finalmente se virou para consumidor, não para atirar, mas para estender uma bandeira de paz.