Orgulho em movimento na Baixada Santista: como está a cena LGBTQIA+ hoje?
Com uma das maiores paradas do orgulho do estado, iniciativas culturais potentes e uma comunidade articulada, a região se destaca como um polo de diversidade e luta por direitos
O movimento LGBTQIA+ na Baixada Santista cresce, resiste e se fortalece a cada dia. Ainda bem.
Com uma das maiores Paradas do Orgulho do estado, iniciativas culturais potentes e uma comunidade articulada, a região se destaca como polo de diversidade e luta por direitos.
Porém, ainda há muito a conquistar em termos de políticas públicas, visibilidade e estrutura para que a cena local floresça plenamente.

Do GLS ao LGBTQIA+
Em 1978, quando as primeiras sementes de ativismo LGBTQIA+ foram plantadas no Brasil, o movimento carregava um nome bem mais restrito: era o “movimento gay”. Esse termo não era um erro, mas um reflexo da realidade do seu grupo pioneiro – o “Somos” – formado, em sua maioria, por homens.
Nos tempos sombrios da ditadura militar, a simples existência dessa organização já era um ato de coragem. Eles exigiam da sociedade brasileira não apenas aceitação, mas uma verdadeira revolução de costumes. O alvo era claro: a moral conservadora da época, que sufocava qualquer sinal de liberdade sexual.
De lá para cá, quatro décadas e tanto se passaram, e o que vimos não foi apenas uma evolução, mas uma explosão de consciência política. O rosto do movimento se transformou, a sigla que o representa mudou (e continua mudando) e, crucialmente, suas pautas prioritárias se multiplicaram.
O processo de redemocratização do país serviu como um catalisador. Ativistas de diferentes frentes entenderam que não bastava lutar por liberdade nas ruas; era vital desenhar políticas públicas que de fato abraçassem a complexa diversidade da população LGBTQIA+.

Baixada em movimento
Para Eduardo Ferreira, executivo da Parada do Orgulho LGBT+ de Santos e articulador do movimento LGBTQIA+ na região, projetos para a comunidade LGBT+ reafirmam a importância da arte como linguagem política, estética e cultural.
“Aqui na Baixada Santista, essa conexão é muito potente. Temos uma cena LGBTQIA+ criativa, resistente e historicamente atuante, mas que muitas vezes é invisibilizada fora dos grandes centros”, explica Eduardo.
Ele destaca que iniciativas como a exposição fotográfica “Rainhas da Noite”, do fotógrafo Gaspar Lourenço, retratam artistas drag queens da Baixada Santista em cena, elevando a arte drag a espaços de celebração fora das casas noturnas.
Porém, o que ainda falta é continuidade e investimento.
“Temos talentos, histórias e ações incríveis, mas precisamos de políticas públicas culturais que reconheçam essa produção, que garantam editais, espaços de exposição, circulação e memória. A cena existe, o que falta é visibilidade e estrutura para que ela floresça plenamente”, reforça.
Políticas públicas
Nos últimos anos, a região conquistou avanços significativos. A criação do Conselho Municipal de Políticas LGBT+ e a realização da 1ª Conferência Municipal LGBT+ marcam passos importantes. Na área da cultura, graças ao fortalecimento de políticas como a PNAB (Política Nacional Aldir Blanc), hoje a região conta com uma grande variedade de ações ao longo do ano.
“Essas iniciativas trazem visibilidade e descentralizam o acesso à cultura LGBTQIA+ em todos os cantos da cidade”, celebra Eduardo.
Entretanto, os desafios seguem grandes. Uma das pautas pelas quais o movimento luta é a criação de um curso EJA (Educação de Jovens e Adultos) específico para a população LGBTQIA+. Isso porque essas pessoas costumam deixar a educação formal, o que dificulta também na inserção no mercado de trabalho.
Outra demanda urgente é a criação de uma casa de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em Santos.
“Essa é uma pauta levantada pelo movimento há mais de uma década. Precisamos torná-la realidade com urgência”, afirma Eduardo.
A representatividade que só existe em junho
Ok, eu entendo que a representatividade está no caminho certo, cada vez maior, mas fica muitas vezes restrita a datas simbólicas como o Mês do Orgulho.
O desafio agora é transformar visibilidade em estrutura: políticas de emprego, formação, moradia e cultura que garantam cidadania real.
A articulação que Eduardo e outros ativistas fazem vai justamente nesse sentido.
“Construir pontes, provocar mudanças e reafirmar que diversidade não é uma pauta de nicho, mas uma pauta de desenvolvimento social e humano”, ressalta.
A arte em movimento de transformação
A arte LGBTQIA+ é, antes de tudo, um ato político. Seja na performance de uma drag, na escrita, no audiovisual, na ballroom ou nas manifestações populares, há sempre um gesto de afirmação e de sobrevivência.
Além disso, a arte transforma porque cria empatia, faz com que outras pessoas se reconheçam e enxerguem o mundo sob novas perspectivas.
“É através da arte que conseguimos construir pontes, sensibilizar e mover estruturas que o discurso político, sozinho, não alcança”, completa Eduardo.
Exposição Duo Drag em Santos
As drag queens carregam histórias divertidas, de sucesso, de bastidores, de performances acrobáticas. Mas também trazem relatos de preconceito, discriminação e arte feita à margem. Além disso, renovam sonhos a cada performance ou aparição.
Historicamente, as drags tiveram papel decisivo no desenvolvimento cultural e criativo de São Paulo, impulsionando equipes de artistas, cenógrafos, figurinistas, coreógrafos e DJs.
Celebrar esses corpos e suas vidas em museus e galerias – espaços legitimadores da cultura – é fundamental para promover uma convivência mais harmoniosa entre diferentes concepções de gênero, desejo e modos de vida.
A exposição “Duo Drag” vai muito além dos retratos. Contemplada pelo edital fomento CultSP PROAC, ela apresenta drag queens vestidas com figurinos de performance e também com roupas do dia a dia. Dessa forma, cria um paralelismo que humaniza e ao mesmo tempo celebra essas artistas.

A mostra dá imagem, voz e visibilidade à arte performática de 30 drag queens paulistanas. Além disso, traz à tona uma discussão importante sobre diversidade, tolerância e representatividade LGBTQIA+ na cultura brasileira.
Entre os nomes, estão veteranas como Silvetty Montilla, Marcia Pantera, Miss Judy Rainbow e Lysa Bombom, que movimentam a cena desde o fim dos anos 1980.
“Num momento em que o Brasil ostenta a triste marca de ser o líder mundial nas estatísticas de violência e homicídios contra a comunidade LGBTQIA+, a exposição é um manifesto em prol da diversidade, da tolerância e do livre arbítrio”, afirma o curador Eder Chiodetto.
A exposição fica em cartaz até 28 de novembro, de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h, com entrada gratuita. Além dos retratos, a mostra traz vídeos com depoimentos das artistas. Trechos dessas entrevistas também podem ser acessados no site da exposição.
Movimento crescente
A cena LGBTQIA+ da Baixada Santista é ativa e diversa. A 8ª Parada do Orgulho LGBT+ de Santos reuniu milhares de pessoas e reforçou o movimento, que também se manifesta em eventos como a DiversaFeira e os Jogos da Diversidade. Mais do que celebrar, essas ações promovem cidadania, representatividade e diálogo por uma sociedade mais inclusiva.
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