Vídeo Paradiso, o paraíso dos amantes do cinema em Santos

Lembra da época em que era preciso ir a uma locadora para conseguir assistir aos filmes em casa? Já parou para pensar o que aconteceu com as lojas que ficavam espalhadas por todas as esquinas da cidade?

Pois bem, a grande maioria não aguentou fatores como pirataria, popularização da TV a cabo e da internet e fechou as portas. Mas, se você estiver andando pela Rua Nabuco de Araújo, ali pertinho do Canal 4, irá se deparar com portões abertos e uma imensidão de filmes dispostos em prateleiras.

Que a gente saiba, é a única locadora de vídeos que restou em Santos.

Além de ter as novidades de praxe depois que elas deixam os cinemas, a Paradiso se destaca pelo incrível acervo de filmes raros e cult. Ou seja, se você está em busca de um título que não acha em lugar nenhum, pode ser que encontre por lá…

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A Vídeo Paradiso enfrentou crises do mercado e os altos e baixos da economia e completou 24 anos de atuação em 2015.

O Marcelo Rosedo, proprietário do estabelecimento, deu uma longa entrevista ao Juicy Santos, em que falou sobre as dificuldades e motivações por trás dos mais de 17 mil filmes disponíveis para locação.

Primeiro, eu gostaria de saber: como surgiu a ideia de abrir uma vídeo locadora?

Eram outros tempos, foi em 1991. Eu sou engenheiro, exercia a profissão em São Paulo havia cinco anos. Minha esposa é administradora de empresas e vivia aqui em Santos. A ideia inicial era a gente casar e ir para São Paulo. O último emprego dela já não estava tão bom, então quando eu disse de abrirmos um negócio, ela topou.

Inicialmente, eu queria ter algo próprio, a primeira opção era uma videolocadora. Mas ficou algo em aberto, para discutir. Mas a locadora uniu o útil ao agradável, que era a vontade de ter um negócio próprio e que fosse legal dentro dos nossos gostos.

Tiveram alguma dúvida quanto à localização?

Na época, muitas locadoras estavam abrindo, não só em Santos, mas em todo o Brasil. A dúvida inicial foi: vamos manter a nossa ideia? Estávamos com um casamento marcado, iríamos para São Paulo, mas tanto a minha família quanto a dela são daqui. Depois de pensar muito, decidimos ficar por aqui.

Arrependem-se dessa escolha?

Costumo falar para as pessoas que não me arrependo porque somos daqui, a gente gosta da cidade. As famílias e os amigos estão aqui.  Não me importo por essa proximidade. Nós sempre trabalhamos com a loja dentro de casa (a residência e o comércio ficam no mesmo imóvel). Em São Paulo se você trabalha de um lado e mora do outro lado, o deslocamento é infernal. Lá, eu morava a 18 km do serviço, pegava um baita transito, o que só piorou depois de 1991, quando eu sai de lá. Não foi fácil começar uma carreira, estudar tanto e parar.

Não me arrependo nesse aspecto, mas no aspecto de dinheiro, se tivéssemos aberto em São Paulo, teríamos ganhado muito mais dinheiro. Teríamos ficado ricos em São Paulo.

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Mas será que ainda estariam abertos?

Talvez. São Paulo, hoje em dia, está tão ruim quanto aqui. Mas, nos anos 90, a diferença era enorme. Antes de abrir a loja, eu fiz uma pesquisa de mercado. Conversei com o pessoal daqui e de lá. A diferença era pequena. Depois de algum tempo, voltamos a conversar com pessoas não só de São Paulo, mas de cidades do interior, e o movimento deles era o dobro, em alguns casos o triplo, do nosso. Aliás, de todos os colegas da região.

Com o tempo, nós conseguimos nos sobressair aqui, mas dentro de uma realidade não muito boa. Nos anos 90, rolou uma queda do poder aquisitivo da população. Mas, mesmo assim, nós fizemos números de movimento que nunca mais se repetiram. Agora, 20 anos depois, você não consegue se superar, mesmo com menos lojas como concorrentes. Nesse aspecto, a gente se arrepende um pouco.

O que fez vocês se manterem durante tantos anos?

Nossa ideia sempre foi ser uma loja diferenciada, acho que isso ajudou a gente a se destacar num ambiente tão igual. A proposta sempre foi essa, ser diferente. Até porque tem muito do nosso gosto. Mas, quando eu digo diferente, é no sentido de ser variado.

Porque, às vezes, as pessoas nos perguntavam se éramos uma locadora de filme de arte. Não, não é isso. Somos uma locadora que tem filmes de arte, mas tem os comerciais também. Isso foi até um pouco complicado de passar para algumas pessoas que não frequentavam a loja por achar que não teríamos aquele filme que todo mundo estava vendo. E óbvio que temos, o nosso diferencial é exatamente ter ambas as opções.

Qual o critério para escolher os filmes que entram para o acervo?

A seleção é feita por mim, os filmes passam pela minha escolha. Nenhuma locadora consegue comprar tudo o que sai. Cada loja tem o seu critério, mas a maioria opta por só trabalhar com filmes americanos. Nós trabalhamos com filmes do mundo inteiro, o diferencial foi muito grande. Alguns filmes poucas lojas compravam, em alguns casos éramos a única a ter. Isso numa época com mais de 100 locadoras na cidade. Na Baixada, se não me engano, eram 300. Então rolava de algumas lojas serem especializadas em alguma coisa, atacavam um nicho especifico, mas não todos. Não tinham a variedade que tínhamos e, principalmente, filmes novos que não fossem americanos.

Quem trabalha na loja?

Esse é outro diferencial que todo mundo cita. Os clientes sempre falam que o nosso atendimento é diferente. Os funcionários precisam entender de cinema. Não tem como não exigir isso. Não somos nós que pedimos, mas as pessoas fazem perguntas. Se você não tem conhecimento, vai derrapar. Tem que gostar de cinema e estar disposto a assistir o máximo de filmes possível. É fechar os olhos e pegar, assistir de tudo, de preferência. Eles têm a liberdade de ver o que quiser. Meu conselho é ver o máximo possível e de linhas diferentes.

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O que significa o nome Paradiso?

O nome saiu de um filme que nós amamos, Cinema Paradiso. Pra mim, esse é um dos melhores longas de todos os tempos. Na época, ele ganhou Oscar de Filme Estrangeiro. Logo em seguida, eu tive a ideia de abrir a loja. A maioria das lojas tinham o nome em inglês ou português. Eu falei ‘quero um nome em outra língua’. Era para as pessoas entenderem e acho que funcionou bem, o italiano parece bastante com o português.

Qual foi a dificuldade enfrentada da mudança do VHS para o DVD? É similar ao surgimento de serviços como o Netflix?

Não. O DVD foi favorável. O Netflix, não.

Porque foi favorável, não tiveram que atualizar todo o acervo?

Nós estávamos torcendo pelo fim do VHS, pois o formato era horrível, só dava problemas. Quando eu ouvi falar que estavam desenvolvendo algo que seria digital, eu falei “nossa!”. O VHS arrebenta, embolora, amassa, é grande para guardar. O que houve, no sentido de logística, foi que a maioria das locadoras compra poucas cópias, uma de cada filme. Se o filme sai mais, compra outras cópias. Então, quando era só o VHS, alguns filmes nós comprávamos duas ou três cópias. O DVD entrou no fim dos anos 90, no início, saía pouco. Nós aderimos desde o início. Então, aquele filme que eu compraria 1 unidade, passei a comprar 2, um VHS e outro DVD. Isso forçou um pouco o volume de compras. Só não foi ruim porque nós tínhamos mais opções e porque trouxe uma novidade. As pessoas gostam de coisas novas, então isso aumentou o movimento.

A preservação do HVs parecia ser bem complicada. Como funciona com os DVDs?

É muito mais fácil de cuidar. A gente tem perdas por quebrar a mídia, mas é um número muito pequeno. Com questão aos arranhões, temos uma forma de polir, uma máquina que recupera. Se for muito profundo, ele fica travando e às vezes com manchas, mas no geral, dá para recuperar. É bem melhor que o VHS, mas ainda não é perfeito, O Blu Ray, aproveitando para falar, é ainda melhor. Por mim, não fabricavam mais DVDs, só Blu Ray.

Serviços de streaming afetaram o movimento?

As locadoras perderam espaço para a pirataria. Não teve outra coisa. Inicialmente, perdemos para o camelô, e depois passou para a ser direto na internet, as pessoas não precisam mais ir até o camelô comprar o disco pirata, elas simplesmente fazem o download. Os computadores são melhores e a velocidade da internet também, então as pessoas descobriram que é fácil de baixar e baixam, mesmo. Abandoaram o camelô assim como tinham feito com as locadoras.

Eu me surpreendo com a popularidade do Netflix. Uma vez, eu dei uma olhada e eles trabalham com catálogo, ou seja, não tem estreia. Pelo valor que é cobrado, não teria como disponibilizar filmes novos. Pelo que vejo aqui na loja, as pessoas gostam de ver o que acabou de sair, eu tenho tanto as novidades quanto os catálogos, mas o que sempre sai em maior quantidade é o que está fresco. Isso é meio louco para mim. Mas vou repetir, perdemos espaço mesmo foi para a pirataria.

Acredita que o cinema também foi afetado?

Eu não acompanho muito de perto, gosto muito de cinema mas há algum tempo vejo mais os filmes do meu acervo. Acho que foi sim, mas numa escala menor, por que o cinema é um passeio, casais e famílias frequentam. Provavelmente foi afetado, mas numa escala bem menor. A gente vê filmes fazendo milhões na semana de estreia, mas se não tivesse a pirataria, os números seriam muito maiores.

Em meio a crises e altos e baixos do mercado, o que te motivou a continuar?

Acredito que o fato de ser um plano de vida nosso. A condição de estarmos dentro de casa, desmembrar isso, tudo seria complicado. Existem algumas condições: o imóvel é próprio, não pago aluguel, gosto do que faço e tenho outra fonte de renda. Há alguns anos, eu voltei a ter uma fonte de renda na engenharia, não é fixo, mas é um bico, uma renda extra e eu gosto muito também. Não gosto de ficar maquiando as coisas, sabe? Em diversas ocasiões, ficamos endividados, essa é a verdade. Não sei se por erros nossos, mas sempre entendi que foi culpa do mercado, o comércio está muito complicado, não é instável. Não sei te dizer isso com 100% de certeza, porque insistimos até hoje, realmente foram muitos altos e baixos, muito tombos.

Qual a situação atual?

Um caos. Se você pegar um gráfico, nos anos 90 estava instável, deu uma melhorada na economia com a entrada do Plano Real, mas depois a coisa foi caindo. Entrou a TV a cabo e isso também atrapalhou. Santos foi uma das primeiras cidades a receber. O mercado de vídeo já não era novidade. No início, muitos clientes entendiam que você assinava a TV a cabo e parava de frequentar as locadoras. Muitas pessoas vinham falar que não frequentariam mais. Quando o DVD voltou, tivemos uma curva semelhante, foi promissor até 2005. No ano seguinte, explodiu a pirataria e a queda foi acentuadíssima,, vi colegas terem queda de 50 até 70%. Nosso prejuízo inicial foi de uns 20 ou 25%. Fomos nos reajustando, readaptando mas também nos endividamos. Acredito que o mercado tende, TENDE, a desaparecer. Mas espero que não, que sempre haja uma mídia física, mas está muito encolhido. Os últimos anos, de 2009 até 2013, estavam estáveis. Em 2014, tivemos uma queda que eu nunca vi antes, nunca imaginei, e em 2015, foi ainda pior. Esses dois últimos anos foram uma coisa fora do mapa, existem pouquíssimas locadoras. Eu vejo que agora é a crise mesmo.

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Quem são os clientes que ainda frequentam a loja?

Depende, mas dá pra dizer que são pessoas de mais idade. As gerações mais novas até vêm, mas são poucos. Vejo jovens que ainda se interessam, às vezes chegam com os pais ou até por conta própria. Tem uma turma de cinéfilos, pesquisadores. Eu acho videolocadora um lugar extremamente democrático e completo para pesquisas, principalmente quando o acervo é – modéstia à parte – como o nosso. É essa faixa mais adulta, mas a pirataria pegou gente de todas as idades, tem vô que sabe baixar coisa na internet ou, se não sabe, pede para os netos.

Não gosto de padronizar. Nós temos um acervo grande, elitista. O acervo é elitista, mas eu gosto de atender a todos. Muitas pessoas humildes vêm alugar filmes, obviamente as escolhas são diferentes das de uma pessoa intelectual, mas eu adoro ter essa variedade. Tem gente mais culta, mas são faixas de escolaridade variada.

Qual o gênero mais presente acervo?

Drama, apesar de ser um gênero que muitas vezes é ignorado por quem gosta de filmes comerciais, é o que mais é produzido. Até porque se não se encaixa em nenhum gênero, é drama. Não tem jeito. Comédia e aventura vêm logo em seguida.

É também o que tem mais procura?

Sim, proporcionalmente sim. Mas o gênero que as pessoas gostam muito é o suspense. Nunca vi como as pessoas gostam de suspense, não é lançado no mercado um número suficiente para atender o gosto de certas pessoas que são fanáticas.

E você, do que gosta pessoalmente?

Eu acho que uma das graças de se ver filmes é a variedade. Em um dia, assistir algo e, no outro, um título totalmente diferente. Não gosto de ficar repetindo. Gosto do máximo possível de diferenças, gênero, nacionalidade, época. Isso amplia a cabeça, é um exercício mental.

Você comentou que assiste mais aos filmes do acervo do que fora dele. Sabe uma porcentagem do que assistiu?

Uma época, eu tentei chegar a um número. Eu fiz isso quando o acervo era pequeno. Hoje em dia temos 17 mil DVDs, mais de 1500 blue rays e mais de 10 mil VHS. Quando o acervo era menor e eu costumava tentar calcular, estava com mais de 50% visto. Mas é muita coisa, chega mais filmes do que somos capazes de assistir. Hoje eu não sei qual seria a porcentagem, mas certamente é menos de 50%.