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Ipupiara: A lenda do monstro de São Vicente 

O "demônio d'água" que entrou pra história

Tempo de leitura: 4 minutos

Sabemos que o litoral tem dessas: praia lotada, trânsito caótico, preço de estacionamento bem salgado e outras coisas aterrorizantes. Mas, cá entre nós, nada se compara ao susto que os moradores de São Vicente levaram em 1564, quando o Ipupiara resolveu fazer uma visitinha à Vila. Essa visita entrou para a história como parte da lenda do monstro de São Vicente.

E o mais bizarro? Não foi daquelas aparições discretas não — o bicho tinha 3,5 metros de altura, corpo peludo, dentes afiados e um temperamento, digamos, questionável.

O encontro que ninguém pediu

A história do Ipupiara começa com uma escrava indígena que passeava à noite pela praia onde hoje fica o Gonzaguinha. Imagina a cena: sozinha, de noite e com iluminação quase inexistente. De repente, ela avista uma criatura bizarra andando na areia e soltando gritos estranhos que logo fizeram parte da lenda do monstro de São Vicente.

A moça, compreensivelmente em pânico, correu para avisar Baltazar Ferreira, filho do capitão-mor da Vila. Baltazar, cheio de coragem (ou imprudência, você decide), pegou sua espada e foi conferir. Ao avistar a silhueta do monstro marinho encoberta pela escuridão, o capitão o golpeou na barriga. Sangue jorrou, gritos ecoaram pela noite, e a população acordou para aquele episódio que definitivamente não estava no roteiro turístico.

Ipupiara

Segundo o historiador português Pero de Magalhães Gândavo, em seu livro História da Província de Santa Cruz, o monstro tinha quinze palmos de comprido — cerca de 3,30 metros — era coberto de pelos e tinha no focinho umas sedas muito grandes como bigodes.

O nome Ipupiara foi dado pelos indígenas tupis e significa “demônio d’água”. Nada mal para um apelido, convenhamos. A palavra deriva do tupi antigo ‘Ypupîara, que quer dizer “o que mora dentro d’água” — basicamente, era o vizinho indesejado do Oceano Atlântico.

A teoria menos assustadora

Calma, antes de você cancelar suas férias na Baixada Santista: especialistas têm uma teoria bem mais plausível. Segundo o biólogo Fábio Olmos, é muito provável que o Ipupiara fosse, na verdade um leão-marinho.

Esses bichos costumam subir da Patagônia seguindo correntes frias e, convenhamos, para quem nunca tinha visto um, a experiência deve ter sido… traumática.

Pensa bem: corpo coberto de pelos, cerdas no focinho, tamanho avantajado e comportamento agressivo quando ameaçado — tudo bate com a descrição de um leão-marinho perdido que topou com humanos assustados numa noite sem lua. Menos épico que um monstro mítico? Talvez. Mais razoável? Com certeza, ainda mais quando se trata da lenda do monstro de São Vicente.

De terror local a atração turística

A história ganhou tamanha força que São Vicente decidiu homenagear seu monstro mais famoso. Foi erguido um monumento na Praça 22 de Janeiro, que ficou conhecida como Parque Ipupiara. A estátua ficava no meio de um lago, toda imponente, celebrando aquele momento em que a cidade teve seu próprio episódio de filme de terror.

Foto: Reprodução / Divulgação

Mas, como toda boa história do litoral, teve reviravolta: em 2016, a estátua pegou fogo. O monstro que sobreviveu séculos no imaginário popular não resistiu a um incêndio — e infelizmente até hoje, a cidade não trouxe de volta uma nova estatua.

Legado além das praias

A lenda do demônio d’água é mais do que uma história de pescador aumentada. O livro de Gândavo, publicado em 1576, foi o primeiro impresso em língua portuguesa a dar notícias sobre o Brasil, transformando o caso do monstro de São Vicente em uma das primeiras narrativas documentadas sobre a fauna brasileira — mesmo que a identificação estivesse, digamos, um pouquinho equivocada.

Hoje, quando você passa pelo Gonzaguinha ou pela Praça 22 de Janeiro, lembre-se: essa praia já teve emoções bem mais fortes que um simples final de semana de sol, graças à lenda do monstro de São Vicente.

Vitor Fagundes
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