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Restaurante São Paulo, 35 anos depois

Qualquer relacionamento que pula do baú coberto de teias emocionais tem que ser retomado devagar.

É como se voltássemos ao zero. Os dois lados estão diferentes. Ambos são outros, como a máxima do rio que nunca se atravessa duas vezes.

Existe, inclusive, uma ambivalência afetiva: queremos repetir o que vivemos e estamos temerosos pelo que virá no novo presente.

Retomei o meu namoro com o Restaurante São Paulo há um mês. Sem saber que havia um novo relacionamento em curso. Depois de uns três anos, passei pela Rua Carlos Afonseca, no Gonzaga, duas, três vezes por semana entre maio e junho.

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Numa dessas andanças, estava com Beth, minha mulher. Perguntei a ela se já havia entrado no restaurante. Ela me disse que não e devolveu a pergunta.

Aproveitei para contar que havia estado lá uma única vez, há 35 anos.

A memória não é precisa, mas posso garantir que era o aniversário de um amigo de infância, o Vitor Hugo, hoje um piloto de avião que não vejo desde o início deste século.

Pouco me lembro daquela noite. Era uma dia de semana. Sei disso porque tinha aula no dia seguinte e deveria voltar cedo para casa, algo como 9 da noite.

Tinha seis anos e estudava em um colégio que ficava na Rua Jorge Tibiriçá e hoje abriga uma academia.

Lembro também que comi pizza de mussarela, numa época que os cardápios eram bem mais enxutos. E criança gosta de pizza de queijo mesmo, com tomate em cima.

No sábado, véspera do Dia dos Namorados, eu e Beth perambulamos o dia todo pelo Gonzaga. Vimos dois filmes no Cine Miramar, passeamos pelo bairro e, à noite, decidimos jantar por lá.

Perguntei para Beth se ela queria comer no nosso restaurante favorito, a Cantina di Lucca, ou se preferia uma novidade.

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Não esperava a segunda alternativa, mas tinha o plano B na manga. Ela fez umas três perguntas e, a meia quadra do restaurante, matou a charada.

O que comer? Chutei e acertei que o Restaurante São Paulo é daqueles com menu eclético, de frangos a massas, de carnes a saladas. Versatilidade é a tábua de sobrevivência na cidade mais cara do Estado para se fazer uma refeição.

Quando entramos, reconheci de imediato o ambiente daquele aniversário no início dos anos 80. Não estava rigorosamente idêntico, havia se modernizado em alguns aspectos, mas não deixou de aguçar minhas memórias de criança, ainda que não sejam confiáveis.

Peço desculpas pela mentira branda. É claro que um moleque de 6 anos, num restaurante, só quer comer e brincar, jamais vai expor seu talento em design de interiores.

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Deduzi, na decoração atual, as partes do cenário que estão ali desde a década de 70, quando o restaurante se mudou para a Carlos Afonseca, depois de dois outros endereços no Gonzaga. Informação que li na página 2 do cardápio (nada de conhecimento precoce e patológico).

O piso é aquele cinza meio desfocado, comum e funcional já naquela época. Eu gosto.

Nas paredes, fotos antigas da cidade de Santos, algumas delas perdendo a cor, em coerência com o tempo de casa. Não resisti e fui ao banheiro para, além do óbvio, também prestar atenção, agora velho, no fundo do restaurante. Os azulejos alternados em preto e branco, mais os dois armários de madeira, contrastam com o banheiro compatível com hoje.

Até os garçons são retratos do passado e do presente em convivência. Garotos na casa dos 30 dividem as tarefas com gente de cabeça branca. Um deles, aliás, disse para os clientes da mesa ao lado que trabalhava ali há 26 anos. O Restaurante São Paulo faz parte de uma lista de casas onde há garçons que respiram a história da gastronomia da cidade. O Almeida é outro, por exemplo.

A noite no São Paulo era de casa cheia. As mesas tinham uma vela acesa no centro e estavam todas cobertas de toalhas vermelhas, o complemento tricolor aos azulejos.

Não arriscamos no pedido, escolhemos com um nhoque à parisiense, talvez uma lembrança inconsciente da cantina favorita que traímos naquele sábado com uma breve paixão da infância. Como bebida, uma jarra de suco de laranja para enganar os excessos do dia anterior, daquela data e do que viria no amanhã.

A maioria dos clientes eram 15, 20 anos mais velhos do que eu. Reconheci um médico famoso na cidade. Ali, me pareceu plausível não encontrar alunos, quase todos de faixa etária oposta ao público presente no São Paulo.

Para nós, e eu me incluo não por força de expressão, era uma estreia. Não dá para confiar na memória de um menino de seis anos, viciado em pizza. É risco de crônica vestida de “causo”. Mas tenho certeza de que já estive lá, seja dia de semana, seja na véspera do Dia dos Namorados. E comemos bem, outro dia e no século passado.

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