Texto porSuzane G. Frutuoso

Volta, uva passa! – ou a eleição dos corações partidos

Cansados do atual tema dominante das redes sociais – eleição – tem gente dizendo que não vê a hora de aparecer ou reaparecer outro tipo de discussão nas timelines e nos relacionamentos.

Por exemplo, colocar ou não uva passa no arroz de Natal.

A verdade é que talvez nem a controversa uva passa seja capaz de tirar o foco dos nossos debates sobre política.

Me parece, inclusive, que a política já estragou bastante o próximo Natal. Rachamos. Tem frustração e desgosto no ar. Enxergamos uns nos outros umas verdades difíceis de aceitar…

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Eu acho bom, de certa forma…

Por onde ando, ouço as pessoas falando de política como nunca. No metrô, no ônibus, no passeio matinal com minha cachorrinha, na faculdade, no restaurante, no salão de beleza, no calçadão da praia… Extrapolou as redes sociais. Mesmo que tenha gente falando bobagem. Mesmo que tenha embate.

E mesmo que exista quem defenda opiniões baseadas em fake news – um termômetro impressionante para entender a que ponto chegamos como sociedade, em que mentiras são repetidas tantas vezes, na velocidade dessa era digital, que as pessoas já não sabem o que é ou não ilusão.

Você pode estufar o peito e dizer “a internet tá aí pra todo mundo se informar”. Será que as pessoas aprenderam mesmo a usar a internet, para pesquisar e estudar, por exemplo, ou apenas a entrar nas redes sociais e afundar em suas bolhas? Pois é…

Essa incapacidade de usar o poder da internet para o melhor é o espelho também daquilo que nenhum governante (de direita, centro ou esquerda) de fato se comprometeu a resolver: a educação. A quem interessa um povo educado e não facilmente manipulado? É baixo o patamar da educação formal dos brasileiros. Continua, em sua maioria, o velho ensino conteudista, da decoreba.

Decore: é uma ordem

Uma educação que não leva à reflexão, à compreensão, à empatia, ao respeito às diferenças. Que não desenvolve o pensamento crítico e ético. Que não combate as corrupções cotidianas, o levar vantagem. E me parece também vem passando batido em temas históricos como a ditadura militar e o Holocausto, não é mesmo?

A educação rasa que os brasileiros recebem também levou muita gente para dois extremos e a passar de todo e qualquer limite moral. Uma crítica ao candidato de um lado automaticamente e obrigatoriamente faz você ser a favor do outro. E alvo de ataque! Como se não houvessem outras opções de presidenciáveis nesse jogo.

Fui intimidada mais de uma vez em redes sociais. Não é que apenas discordaram e me mostraram suas opiniões. Foi assédio. E tenho dúvidas se era a política o combustível de tamanho incômodo. Apareceu o sujeito que defende o candidato de extrema direita, super a favor da tradicional família brasileira – mas é o cara casado e pai de três filhos que me passou uma cantada tosca. Será que a raiva é em relação a minha crítica ou ao fora que ele levou?

Outra me acusou de ter sucumbido a “isso tudo que está aí” porque abri meu próprio negócio. Será que a raiva foi por eu não defender governos anteriores ou por que ela nunca quis trabalhar direito e não parava em nenhum emprego?

A eleição vai deixar nossos corações partidos

O que nos leva a mais uma questão importante: quanto o seu voto é uma escolha pelo país e quanto seu voto é apenas um reflexo cheio de raiva pelo que você não conseguiu? Quanto o discurso de ódio não vem daquele grito que o chefe deu, da mulher que te largou, da fechada no trânsito que levou? Da arrogante síndrome do pequeno poder, de se achar importante demais? Quanto não é muito mais válvula de escape de ego ferido do que inconformismo cidadão? O que e em quem você está querendo descontar?

Se não bastasse tanto recalque da vida e emoção tão errada, a real é que muita gente também quer o salvador da Pátria, que vai resolver todos os problemas pelo simples motivo de, mais uma vez, não assumir a parte que lhe cabe. De não querer pegar para si alguma responsabilidade. Antes de sermos esse ou aquele candidato somos sociedade civil. Mas como diz o ditado, para quem não quer entender, não adianta explicar…. Nem o que é sociedade civil…

Entre a incredulidade, a tristeza e a compaixão, vamos enfrentando a eleição que mais periga deixar nossos corações partidos. Por mais difícil que pareça, procura se colocar no lugar do outro, entender o histórico de vida e de experiências que o leva a determinados comportamentos…

Nem faz sentido insultar ou se afastar de quem um dia te estendeu a mão… Pense nisso.

Não levante muros que nos dividam ainda mais, impeçam diálogos possíveis e nos desfoquem de batalhas realmente importantes para todos nós.

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Suzane G. Frutuoso é santista e cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG. É jornalista, mestre em sociologia, professora e escritora. Autora no blog Fale Ao Mundo e do livro “Tem Dia Que Dói – mas não precisa doer todo dia e nem o dia todo”. Mãe orgulhosa da viralatinha Charlotte.