Texto porLudmilla Rossi
Santos
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Sobre Barbies, diferenças físicas e o que aprendi com elas

Essa é uma história real.

Ganhei minha primeira Barbie em 1987, a Jenny. Quero dizer, seu nome era original era Takara Barbie, mas após a Mattel revogar a licença a boneca ficou conhecida apenas por Jenny.

Jenny me influenciou muito. Ela nunca soube o quanto.

Veio parar na minha mão quando eu tinha cinco anos de idade – meu pai acabara de voltar de uma viagem ao Japão e trouxe a boneca de presente . Eu era muito criança, mas não demorei para perceber que a minha Barbie era bem diferente da versão que minhas amiguinhas do Jardim II possuíam.

A minha Barbie era a minoria. A única mais baixa, com menos busto, menos cintura e olhos mais abertos para o mundo. Seu sorriso era o mais comedido da turma de bonecas, meio Davinciano, sem mostrar os dentes. Suas bochechas eram mais saudáveis e seu nariz mais humano.

No começo isso me causava um estranhamento. Eu era a única que tinha uma boneca diferente. Completamente diferente.

takara-jenny-beauty-saloonMinha crise de comparação passava quando eu lembrava que, enquanto as bonecas das minhas amigas vinham com roupinhas – a minha tinha como acompanhamento um salão de beleza. Era outro brinquedo japonês de respeito. O salão de beleza da Jenny não era somente um brinquedinho. Era um ícone do empoderamento feminino criado acidentalmente pelo meu pai.

 

 

 


Minha Barbie era a única empresária da turma.

Oriental, loira, empresária e dona de um salão de beleza bem decorado que continha maquiagem para bonecas. Eu era fascinada pela liberdade que aquele salão de beleza dava para minha Jenny – e como eu podia livremente pintar seu rosto e unhas.

Nos anos seguintes, mais viagens ao Japão fizeram parte da agenda do meu pai. Novas Jennys chegaram. Uma era mais loira e a outra mais esportista.

Ambas continham os mesmos traços e eu praticamente estava formando a Chinatown das Barbies na escolinha. A essa altura minha “Jenny imigrante que chegou antes” não só tinha um salão, mas tinha clientes. A vida dela começou a melhorar (enquanto na vida real eu aprendia a escrever).

Com um trio de Jennys eu comecei a ficar meio chateada e em crise existencial. Eu não sabia se o que eu tinha era uma Barbie mesmo, ou se era uma história malandra inventada pelos meus pais para me convencerem sobre um brinquedo alternativo. Não havia Google para descobrir que a Jenny era uma Takara Barbie, onde na verdade nada disso era assunto de crianças. Tratava-se de uma questão mercadológica, de adaptação cultural e de perda de mercado.

Em resumo, as meninas japonesas não aceitaram a Barbie por diversas razões. A Barbie era “bonita demais” para as japonesas com seus cabelos loiros, olhos azuis e dentes alvos. A principal mudança foi “fechar a boca da Barbie”. Lembre-se que no Japão as mulheres cobrem suas bocas ao sorrir e isso explica muito o insucesso.

Outro ponto chave é que a Barbie era muito adulta para o mercado japonês, onde as crianças não querem crescer rápido. Quando você cresce no Japão, já sabe: você vai precisar estudar. E muito.

takara-jenny-beauty-saloon2Em 1996 o New York Times contou essa história no artigo Barbie’s Journey in Japan.

A Takara Barbie surgiu da união da Mattel com a Takara, fabricante da boneca de grande sucesso entre meninas japonesas, a Licca.

Obviamente só descobri tudo isso depois de adulta e fiquei ainda mais fascinada pela história das minhas Jennys e sobre o quanto elas me ensinaram. Na verdade foram elas que abriram uma porteira para eu querer colecionar “Barbies” dos mais diferentes biotipos e atividades possíveis.

Ganhei uma Barbie clássica logo depois.

Mas eu pirava mesmo (e logicamente atazanava meus pais) nas bonecas mais raras. Nas minorias produzidas pela indústria dos brinquedos.

Existem casos icônicos.

Eu não sosseguei enquanto não tive uma Barbie e um Ken negros. Meu pai conseguiu comprá-los nos Estados Unidos, obviamente após muita encheção de saco.

Eu queria uma Skipper a qualquer custo porque ela tinha o cabelo frisado e o pé diferente.

Quando lançaram no Brasil a Família Coração – ou Heart Family – eu não sosseguei enquanto não tive a Barbie da terceira idade, que era uma boneca com o shape da Barbie mas com a cara cheia de rugas e os cabelos grisalhos. Na verdade suspeito que a Família Coração tenha infartado o orçamento familiar da classe média dos anos 80.

Porque era tudo muito bem feito. Chegava ao ponto de se vender os móveis da escola onde os bebês da família estudariam. E claro, o carro. E o berço. Vendiam-se os bebês separados inclusive. Com todos os parentes da Barbie assistindo a essa farra de um modelo familiar de vanguarda.

Depois da Jenny, lá estava eu tentando formar famílias multiraciais com pais negros e bebês caucasianos. Adorava criar as histórias dos bebês adotados e da Skipper mãe adolescente.

Ainda bem que a Stacie nunca veio parar na minha mão. E nem a Midge grávida. Acho que eu não suportaria “brincar de parto”.

A coleção de Barbies crescia, mas consegui encerrar essa fase com uma das Barbies mais raras e menos conhecidas.

A Becky, a Barbie da cadeira de rodas, uma das mais fabulosas. Um feito da Mattel na década de 90.

Sério, cadê os aplausos pra essa boneca, mais genial que TODAS?

becky-barbie

Hoje, 28/1/2016,a Internet ficou comovida com os novos biotipos da Barbie, que a própria Mattel batizou de A Evolução da Barbie.

Mas a marca em 2015 lançou esse comercial, muito mais maravilhoso.

Que reflete justamente minha jornada com a Jenny, prototipando uma possível futura vontade de empreender.

Minhas Barbies eram excelentes ferramentas para prototipar a vida.

Acho linda a iniciativa de lançarem novos corpos, tons de pele, olhos, cabelos e até a Barbie com o pé reto, libertando-a do salto 15 24/7. Mas olhando a história da Mattel, isso não é tamanha novidade.

É o efeito Japão-Takara, repetido. Vendas em decadência nos últimos anos e uma forma de criar uma maior identificação com uma nova geração.

Entre Barbies com novos corpos, Jennys e Beckys – fico com as duas últimas.

Fico também com a frase da Carol Roth, o ensinamento que tantas Barbies exóticas me trouxeram: “Ter uma Barbie curvilínea não é uma vitória para meninas e mulheres. Será uma vitória quando a discussão não for mais sobre nossos corpos”.

Bem diferente da gente, Barbie é só um corpo.