Texto porVeronica Lira
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O que aprendemos com a escassez

Os últimos 10 dias foram de apocalipse zumbi nos postos de gasolina. Brigas e bate-boca, filas quilométricas, esperas de um dia inteiro, a adrenalina de não saber se, na nossa vez, vai ter combustível na bomba.

Vi muita gente correndo para manter a vida umbilical nos trilhos, numa miopia generalizada, em busca da sensação reconfortante de saber que “o meu está garantido”.

Viver na cidade superpovoada implica em nos submeter à tirania da rotina e dos horários cronometrados. Pequenos atrasos e contratempos equivalem a uma carreta estacionada no meio da marginal em dia de protesto: um dia de caos e de raiva.

Escassez

Nos supermercados, nos deparamos com prateleiras vazias, racionamento de itens, alimentos estragados ou vencidos, preços subindo a cada dia. Cheiro de podre na sessão de carnes, ninguém parece se importar. Olhares assustados nas filas dos caixas. Carrinhos cheios de mantimentos não perecíveis. Cada um abastece seu bunker como pode, e torce, e reza. “Se conseguir resolver meu lado, já tá ótimo”.

E a luz acesa no painel do carro avisando: talvez tenhamos que cancelar compromissos, viagens. Não vamos ao trabalho, crianças não vão para a escola. Talvez seja preciso remarcar aquele voo, adiar aquela reunião, acumular trabalhos e tarefas…

Escassez

A escassez pode gerar em nós um sentimento de pânico, aflorando os instintos de sobrevivência mais primitivos. Como o da paulistana que levou todo o estoque de carnes do açougue do supermercado, não dando oportunidade às outras pessoas da fila e se achando cheia de direitos.

Desastre no Japão em 2011

Quero crer que podemos agir diferente. Lembrei do terremoto/tsunami em Fukushima, no Japão, há 7 anos, que não apagou a solidariedade entre as pessoas. Mesmo diante da barbárie e da escassez de alimentos, os japoneses formaram filas pacíficas, priorizaram idosos e crianças e repartiram todos os mínimos recursos. Estamos a anos luz da urbanidade dos japoneses (que aprenderam a duras penas a difíceis lições da guerra e do desastre natural) mas podemos tentar aqui no Brasil, começando individualmente, observando e reavaliando nosso comportamento.

De volta à rotina

Mesmo que a gasolina volte a todos os postos e a vida corrida aparentemente volte ao “normal”, podemos, a partir de agora, escolher o essencial, o básico, a prioridade.

Andar mais a pé, usar mais o transporte público e a bicicleta, comprar somente o necessário, evitar o desperdício. Dos limites impostos pelo imponderável, pode nascer a criatividade e a solidariedade. Da incerteza nasce a paranoia sim, mas pode nascer também a humildade.

Tudo isso pode servir para que possamos nos confrontar com a verdade óbvia de que precisamos uns dos outros.

Podemos concluir que a saída desse caos é coletiva, mesmo que nos custe (não só aos menos desfavorecidos, que sempre pagam a conta, mas também a nós, privilegiados) por um tempo, o bolso e o conforto.