Texto porFlávia Saad
Santos (SP)

O que as mães querem?

Você já comprou o perfume d’O Boticário e fez a reserva no restaurante italiano para domingo.

Palmas pra você, filho! Ela vai ficar feliz no Dia das Mães.

Nós somos criaturas bobas, que choramos quando vocês dão os primeiros passos, fazem o primeiro gol da vida, escrevem as primeiras palavras e conquistam uma vaga na faculdade dos seus sonhos. Somos fáceis de agradar e nunca vamos deixar de amar aquele quadro com a impressão da sua mão em tinta azul feita no maternal.

Mas e o que as mães querem?

Isso a Globo não mostra. Ninguém nunca me fez essa pergunta.

www.juicysantos.com.br - mãe amamentando na feira - bruna figo fotografiaFoto: Andressa Egas por Bruna Figo Fotografia

O que as mães querem no trabalho?

Após um feriado prolongado, muitas mães da minha timeline postaram que estavam de volta ao trabalho e, enfim, iriam descansar.

A questão é que trabalhar nos dá estrutura e impõe uma rotina ao dia a dia. Os problemas estão lá, você vai resolver uma hora ou outra e pronto. Agora, não tem previsibilidade que resista às crianças, minha gente…

Quando eu trabalhava CLT, fazia 7 horas mais uma de almoço. Outro dia, com a cabeça no travesseiro, calculei o número de horas que fiz entre home office e reuniões externas – sem contar cuidados com a casa e a filha. O total? 12 horas.

Aliás, escrevo este texto no meu terceiro tempo, às 23h08, com minha filha e meu marido na cama dormindo o sono dos justos. E a mãe? Segue o baile.

O mercado de trabalho formal hostiliza a mãe em todos os sentidos: da ausência de locais para tirar e armazenar leite materno a demissões pós-licença maternidade (elas existem – e aos montes! Já vamos falar sobre isso). É mais por necessidade e menos por sonho que as mães partem para o empreendedorismo como opção para continuarem ativas.

Segundo pesquisa da Rede Mulher Empreendedora (2016), 75% das empreendedoras decidem empreender após a maternidade. Na classe C, a porcentagem sobe para 83%.

A aceleradora de startups B2Mamy nasceu dessa inquietação de Danieli Junco, mãe de Lucas (3 anos), ao perceber que nós podemos – e devemos – continuar produtivas, mas de uma forma diferente.

“As mães querem empresas mais horizontais, que entendam que o presenteísmo não é indicador de desempenho, ainda mais na era digital. Elas precisam de flexibilidade para se adequar à rotina”, conta Danieli.

Afinal de contas, estamos cuidando e criando os médicxs, advogadxs, engenheirxs, artistxs e seres humanos que vão povoar o planeta daqui em diante.

Com o nascimento da filha Gabriela (6 anos), Nathalia Donato migrou a carreira do jornalismo para a gastronomia e, de quebra, incluiu uma nova paixão, a alimentação infantil, na equação, criando a Chefe de Papinha. Ela acredita que as mães querem, acima de tudo, reconhecimento da capacidade de exercer a mesma função após a maternidade.

“No meu caso, o crucial é o entendimento de que isso não é meu hobby. Não estamos brincando de ter empresa enquanto criamos nossos filhos. É um trabalho e, ao mesmo tempo, um legado que quero deixar pra ela”.

Daniela Marino, pesquisadora, professora e mãe da Sofia (7 anos), gostaria que fosse mais tranquilo conciliar vida profissional, social e doméstica.

“Principalmente, queria que a sociedade parasse de se achar no direito de julgar as decisões das mães quando a mesma (sociedade) não oferece assistência para a criação dos nossos filhos. Gostaria que as jornadas de trabalho pudessem ser flexíveis para ambos os pais, para que os horários dos filhos não funcionassem apenas em função da disposição das mães”.

O que as mães querem para a cidade?

Tenho visto muitas mães e pais da minha geração voltarem para Santos para criar os filhos, em busca de qualidade de vida e um pulinho na praia depois da escola no horário de verão.

Funções profissionais que agora podem ser cumpridas de qualquer lugar do mundo por causa da internet facilitaram essa decisão. Mas e as mães de Santos, o que acham que falta aqui?

Uma resposta está na boca de todas elas: segurança.

Queremos também ver igualdade brotando entre as classes sociais, da orla à área continental. Queremos que as crianças de cá e as crianças de lá tenham oportunidades semelhantes.

Fernanda Vicente, jornalista, mãe de Davi (9 anos) e fundadora do projeto Mães no Enem, que ganhou o Brasil ajudando mães a prestarem a prova mobilizando uma rede de apoio voluntária, conta como é a Santos ideal, na sua opinião.

“Gostaria de ver uma cidade mais justa, menos machista e patriarcal. Uma cidade que acolha de fato as demandas de todas as mulheres”.

A advogada e blogueira do Caderno de Cabeceira Anna Carla Amaral (mãe de Sofia, 14 e Joaquim, 7 anos) vê potencial muito além do que existe hoje na cidade.

“Penso que nós temos tudo pra ser mais do que apenas uma cidade turística. Basta o poder público investir mais na sua gente”.

Acolhimento para os filhos de todas as mães e pais é o caminho ideal para Cauana Donat, mãe de Pedro (6 anos) e blogueira no Pra Falar de Filho, blog santista que compartilha não apenas questões práticas da maternidade, mas também reflexões profundas sobre esse momento transformador da vida da mulher.

“Quero uma cidade que ofereça a todas as crianças subsídios para uma vida digna, com vagas nas creches, escolas bem estruturadas e educação de qualidade que preze pela formação cidadã na prática. Merenda forte e balanceada, bons hospitais que cuidem delas com a atenção que merecem. Santos, infelizmente, é uma cidade que não pensa nas crianças

A contadora de histórias Camila Genaro, mãe de João Pedro (12) e Murilo (9 anos), sonha também com mais oportunidades para os santistas de amanhã

“Santos expulsa seus maiores talentos em diversas áreas. Quero muito que essa mentalidade santista de que ‘só é bom o que vem de fora’ mude para que meus filhos não precisem sair daqui pra estudar ou trabalhar. Amo Santos e continuarei resistindo”.

Claudia Lemes, escritora e mãe de Cauê (13), Morgana (9) e Eduardo (2 anos), concorda com a posição de Camila.

“Penso em oportunidade de crescimento, porque eu adoraria que meus filhos morassem aqui e não tivessem que ir pra São Paulo pra ter um emprego legal. Eu sei que eles amam viver em Santos. Eu fui muito infeliz em São Paulo e não queria que eles fossem também”

Santos precisa, ainda, ser uma cidade com espaços públicos e privados que acolham mães e crianças.

Em todos os grupos de mães do quais eu participo, leio a pergunta “onde tem restaurantes com espaço kids em Santos?” quase todos os dias. É isso que a gente gostaria de ver: lugares que as famílias possam frequentar juntas. Ana Paula Savassi Coutinho, bióloga, bailarina e empreendedora na Feita de Flor, expressou esse desejo, assim como muitas outras mães com quem falei.

O direito de ir e vir das mães esbarra até mesmo na questão urbanística.

Juliana Goes, empreendedora digital e mãe de primeira viagem de Anne Liv (5 meses), queria poder contar com mais calçadas rebaixadas para quem anda de carrinho por aí, como ela.

“Sinceramente, essa parte da acessibilidade faz a gente passar apuros no dia a dia. Mas também há as questões de educação e segurança, que toda a população gostaria de ver melhorar por aqui”.

www.juicysantos.com.br - juliana goes e anne liv

O que as mães querem para si mesmas?

Sempre vemos a analogia da máscara de oxigênio do avião ser aplicada à maternidade. Quer dizer, se acontecer um acidente no seu voo e as máscaras caírem, você primeiro ajeita em si mesma e depois nas crianças.

Na teoria, a prática é outra.

Mãe não pensa em outra coisa. Só nos filhos.

Cauana Donat quer respeito em relação a suas escolhas.

“Respeito pela escolha de ter, agora, apenas um filho. Respeito de não ser questionada em relação à criação dele em todas as esferas – nascimento, amamentação, educação forma e informal. Respeito pelo corpo que a vida me deu após a maternidade. Quero voltar a trabalhar e ser acolhida pela minha empresa, sem restrições pelo fato de ser mãe”.

Camila, sempre falante, travou nessa pergunta.

“Como é difícil saber o que queremos pra gente… Sempre colocamos os outros em primeiro plano – os filhos, a casa, a cidade, o marido, o trabalho. Quero aprender a olhar um pouco mais pra mim, me priorizar. Saber e entender que tenho limites e tudo bem esses limites exisitirem”.

Esse movimento de tornar a mãe invisível socialmente preocupa Cauana também.

“Quando temos filhos, as pessoas nos resumem a essa única função e esquecem que, por trás daquela mulher, existe uma pessoa com características, medos, vontades e gostos próprios. Gostaria muito que, comigo e com as outras mulheres, isso fosse diferente”

Anna Carla lembrou da letra de A Noite do Meu Bem, de Dolores Duran.

“Pra mim, eu quero ‘paz de criança dormindo’. Eu tenho muita sorte em poder ser mãe, advogada e blogueira por contar com uma rede de apoio e uma família incrível, mas fico pensando em quem não tem, sabe?”

Tatiana Flores, empreendedora na GoPlan Gestão e mãe de Nicolas (3 anos), ganhou um pé na bunda na empresa em que trabalhava no dia em que voltou da licença maternidade.

E ela está, como a maioria de nós, em busca do equilíbrio entre maternidade e carreira.

“Quero conseguir realizar meus projetos profissionais com meus valores pessoais e propósitos sem precisar abrir mão de ter filho e família, porque toda mãe também é competente e produtiva quando existe esse balanço entre os dois mundos”.

Ser mãe cansa a mente e o corpo em medidas iguais. Mas o que faz a gente se sentir tão exausta é a necessidade de estar sempre alerta, prestando atenção O TEMPO TODO.

Começa com as noites insônes com o recém-nascido, chega nas quinas dos móveis quando eles começam a andar, aí vem a fase da escola e depois estamos esperando acordadas eles chegarem da balada às 7 da manhã com o pão.

Juliana Goes está vivendo novos desafios diariamente e confia em seus instintos, aflorados após a maternidade, para superá-los.

“Quero sempre ter resiliência e autoconfiança, na maternidade e na vida. E preciso de saúde pra ser uma mãe ativa e presente”.

Dizem que isso nunca muda, nem quando nossos filhos se tornam adultos. Se tiver alguma dúvida quanto a isso, pode perguntar pra sua mãe se ela não fica preocupada enquanto não recebe aquela mensagem no Whatsapp avisando que seu avião aterrissou ou que a entrevista de emprego deu certo.

Todas as mães que entrevistei para este texto afirmaram precisar de um tempo livre para si mesmas.

“Gostaria de ganhar 1 mês sozinha em algum lugar onde possa dormir”, diz Ana Paula.

Simples assim.

E cansa ser ignorada também: nas opiniões, nos direitos, nas conversas.

“As mães querem ocupar espaços que são delas por direito. Querem ser ouvidas e respeitadas a partir de suas individualidades”, enfatiza Fernanda.

Subestimar a mãe e seus cuidados com os filhos, para Claudia, é o fim da picada.

“Queremos reconhecimento pelo trabalho que é criar a próxima geração de seres humanos. Quando você fala que está cansada num dia em que só ficou com as crianças, as pessoas falam “cansada do quê? Você não trabalhou hoje”. Essa é a pior forma de desrespeito, porque é o trabalho mais difícil e cansativo de todos. Quando estou, de fato trabalhando, pra mim é férias. Um cara falou pra mim na internet “se eu cuidasse de criança eu ia ficar o dia inteiro brincando e rindo com elas”. As mães não querem ser aplaudidas, mas serem reconhecidas”

As mães, aqueles seres imaculados, não podem querer nada para si – principalmente se sexo estiver na lista. Dani Marino acerta no alvo o que a gente quer dizer com “mães também trepam”.

“Imagino que uma palavra que define bem a sexualidade de uma mãe é “paradoxo”. Se, por um lado, precisamos nos sentir desejadas por nossos parceiros e reconhecidas como mulheres que somos, e não apenas mães, por outro precisamos da compreensão dos parceiros quanto ao fato de estarmos sempre cansadas por conta da rotina da tripla jornada (trabalho, casa e filhos). Então é bem mais provável que possamos nos sentir sexualmente interessadas depois de um dia em que o pai passou o dia com as crianças e cuidou das coisas em casa para que possamos nos dedicar um pouco a nós mesmas, do que depois de um dia cheio de tarefas e horários pra cumprir. Ou seja, como mães queremos apenas ter os mesmos direitos que os homens, para que possamos nos distrair, relaxar, nos cuidar, ir à praia sem ter que ficar olhando criança pelo menos uma vez. E logicamente, de poder exercer nossa sexualidade sem o julgamento de quem acredita que mães não possuem desejo”.

Com 6 filhos em casa (!) entre 3 e 19 anos (entre ela e o marido), Pamela Lima ainda arruma disposição para fotografar bebês e crianças. Por isso, quis saber o que exatamente ela deseja para si.

“A primeira resposta vai sempre ser: quero que meus filhos estejam bem. Depois que a gente vira mãe, é muito difícil querer alguma coisa, porque tudo o que eu faço é pensando neles. Então quero ter muita saúde pra acompanhar eles no resto da jornada. Estou batalhando pelo lado profissional e espiritual, mas quero mesmo que eles consigam alcançar tudo o que eles sonham”.

O que as mães querem para seus filhos?

E para os filhos, o que elas almejam?

Ju Goes deseja saúde e uma família unida. Mas, acima de tudo, ela quer que a cria vivencie, a cada descoberta, a alegria das pequenas coisas.

Camila imagina a dupla de meninos no futuro como pessoas que entendam que ser está além de ter.

“Quero que meus filhos sejam pessoas que saibam aproveitar os bons momentos que a vida oferece, mas que saibam lidar com as frustrações. Que respeitem os corpos, as diferenças e que também sejam respeitados pelas escolhas que fizerem”

Eu, Flavia, gostaria muito que a minha filha não precisasse viver com medo: medo de estupro, de ficar gorda, de o menino não gostar dela. Se eu pudesse ter um desejo apenas, seria que ela tivesse coragem.

“Acho que qualquer tipo de vida em que eles não precisem viver para trabalhar e possam conseguir viver mais e fazer mais pelos outros, inclusive. Trabalho voluntário, viajar, aprender, ter hobbies que dêem prazer a eles. Quero um mundo onde eles possam ganhar dinheiro fazendo o que gostam – não precisa ser rico -, em que não precisem trabalhar 4 meses por ano só pra pagar imposto”, conta Claudia.

Se Tatiana pudesse escolher um caminho, seria que Nicolas encontrasse sua vocação e, a partir dela, se realizasse profissionalmente.

“Quero que meu filho descubra suas habilidades e não se sinta pressionado a seguir os passos dos pais ou ser bem-sucedido, porque a medida de sucesso depende de onde cada um quer chegar”.

Pâmela tenta ensinar diariamente para os 6 rebentos sobre persistência.

“Não tenho uma resposta pronta. Claro que eu quero que eles sejam felizes e bem-sucedidos, mas principalmente que eles tenham saúde e resiliência, pois serão capazes de fazer todo o resto. Falo pra eles que escolher fazer o certo é muito difícil, dá muito trabalho e exige foco. Cada vez que uma das crianças chega triste porque não acertou a cesta no basquete ou porque não foi bem na prova, eu digo ‘você é capaz e tem que insistir’. No mundo em que a gente vive hoje, além de habilidades, precisa ter vontade. E a gente vê muitas crianças indo pelo caminho mais simples que se tornam adolescentes que fazem o mesmo”.

Acima de tudo, Nathalia quer felicidade para a filha.

“Que ela seja feliz com suas escolhas e seus caminhos. Que se sinta amada e saiba que, não importa onde o mundo a leve, existirá sempre um colo de mãe esperando por ela”.

www.juicysantos.com.br - dia das mães

O que as mães querem para o mundo em 1 palavra

Solidariedade (Ana Paula)

Igualdade (Camila)

Segurança (Cláudia)

Empatia (Nathalia)

Carinho (Pâmela)

Acolhimento (Cauana)

Renovação (Juliana)

Pra ter um feliz dia das mães, de verdade, todas nós queremos a mesma coisa que a Fernanda.

“Um mundo mais justo, mais igual, com menos ódio e violência. Um planeta onde pessoas não morram por conta da sua raça, sexualidade, religião ou gênero. Um planeta onde prevaleça o respeito e a liberdade”.