Texto porMarcus Vinícius Batista

Andando pelo Jaú

Quando eu era adolescente, olhava o Conjunto Habitacional Martins Fontes, o Jaú, dos campos de várzea do BNH. Ali, o goleiro do Canto da Vila, time onde jogava, observava os prédios coloridos sem interesse. Um segundo de distração para romper com a partida monótona.

Aos 30 anos, entrei num dos apartamentos para visitar um colega. Foi visita de médico, suficiente para me admirar com o tamanho do imóvel recém-reformado. Tempos depois, descobri que o sujeito não era confiável e me afastei dele e de lá.

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Com quase 40, morava na rua Vergueiro Steidel e tangenciava o conjunto habitacional quando visitava o Sesc ou seguia para o shopping Praiamar. Shopping que enterrou os campos de várzea.

Uma amiga apelidou o Jaú de Bronks, bairro nova-iorquino com fama de violento. O apelido era mais por deboche do que por senso de justiça. Ela só sai dali para morar fora do país.

Passei a caminhar pelas ruas do Jaú, ao me mudar de endereço há três meses. Voltando do trabalho, cortando caminho para o mesmo shopping e, principalmente, para encontrar um casal de amigos, Thaís e Marcos. Descobri um pedaço de interior dentro da minha cidade, uma fronteira sem muros a uma quadra de casa.

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Caminhar pelas ruas que cercam os 33 prédios virou um hábito. Consigo sentir tranquilidade por escapar do barulho do trânsito que circunda o conjunto, nas ruas Alexandre Martins e Frei Francisco Sampaio, dois corredores de transporte durante 12 horas ao dia.

As cenas são triviais quanto belas. Gente com cadeiras nas portas dos prédios, com conversa ao vento, somente presente em um ou outro bairro da Zona Noroeste e da Área Continental ou na orla da praia no pico do verão.

As ruas são todas arborizadas, formando corredores verdes que protegem do calor e seguram o vento a cutucar o peito. Nas beiras das calçadas, gramados cercados por concreto quadriculado dançam com as calçadas lisas, onde minha filha sonha em andar de skate, mas já as percorreu de bicicleta.

Na Rua Alexandre Fleming, moradores de um dos edifícios adotaram uma solução simples para manter as calçadas limpas. Embora sempre veja gente passeando com cachorros armadas de sacos plásticos, imagino que a comunidade tenha se aborrecido com os selvagens que trocam de papel com as vítimas presas em coleiras.

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Numa sequência de cinco árvores, os moradores cortaram a base de garrafas d’água de cinco litros, as prenderam nos caules, as preencheram com sacolas plásticas e pregaram um aviso: sorria, você está sendo filmado. Mais vale a educação do que a curiosidade de verificar a existência de câmeras.

Caminho pelo conjunto habitacional em diversas horas do dia. Sinto, entre as ruas e no bom dia de muitos moradores que nunca vi, uma paz que me aproxima do silêncio interiorano, prêmio que passei a perseguir há alguns anos.

As ruas do Jaú se parecem com a pequena varanda do meu apartamento, onde costumo sentar, mudo e com orelhas em posição de abano, durante a madrugada, para ler e observar uma árvore e seus habitantes de asas. O Jaú é minha varanda em movimento.

Nunca tive a intenção de abraçá-lo como oásis urbano. Apenas aconteceu, derivação de uma necessidade prática de locomoção, como chegar no horário ao encontro com Thaís e Marcos para tomar um lanche.

Levei meses para perceber que retornava ao mesmo trajeto sem a pressão do relógio ou a preguiça de economizar passos. Quando me dava conta, prestava atenção nas diferenças entre os edifícios, nos formatos de portões, na estrutura das janelas, nas imperfeições e nas quebras de padrão.

Andei no Jaú, pela última vez, no primeiro dia de 2017.

De vez em quando, o ar interiorano recebe como reforço o tempo da cidade pequena. Tempo no qual as pessoas acenam para você, perguntam tudo bem, ainda que sejamos estranhos em um município de 420 mil almas.