Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

A Santos dos anos 20, suas transformações e semelhanças com os dias de hoje

Doze mil meses.

Quarenta e oito mil semanas.

Trinta e seis mil e quinhentos dias.

Esse é o tempo que há entre a Santos de 1920 e a cidade dos anos 2020. Os números podem nos fazer acreditar que uma Santos não tem nada em comum com a outra. Mas isso não é verdade. Existiram muitos avanços, é claro, mas a Santos dos anos 20 ainda está entre nós.

E, se acaso a tendência de resgatar o século passado se concretizar, isso será ainda maior.

Um mar de diferenças na Santos dos anos 20

Basta puxar na memória e você, muito provavelmente, sabe descrever como era Nova Iorque no pós-Primeira Guerra. O jazz, as roupas, as mulheres de cabelos curtos, os carros…

Mas é provável que não tenha a mesma facilidade em descrever a Santos dos loucos anos 20. Afinal, essa não é uma realidade retratada em filmes lançados ano após ano, né?

O que é um erro da indústria do cinema. Pois o que acontecia por aqui daria vários roteiros de filmes.

Para começar, podemos dizer que Santos teve sua própria Wall Street. E, de certo, por lá estavam muitos lobos e uma corrida louca por dinheiro. O endereço dessa disputa financeira era a Rua XV de Novembro – à época, uma das mais importantes de Santos. Era na XV que estavam os maiores casarões de Santos – alguns deles ainda estão de pé, bem conservados ou não. Na mesma via, ficavam casas comerciais, agências bancárias e escritórios…

“Era ali que desfilavam homens trajados de terno e gravata e chapéu panamá… Na XV acontecia a negociação internacional do mais importante produto nacional: o café”, comenta o historiador de Santos e autor do projeto Memória Santista, Sergio Willians.

juicysantos.com.br - A Santos dos anos 20Imagem: Reprodução/Novo Milênio

Cem anos depois, parte dessa importância ainda pulsa no Centro de Santos. Numa caminhada pelas cinco quadras da XV você ainda encontra, por exemplo, a fachada do Banco Real Canadense e o prédio da Bolsa do Café, onde hoje funciona o Museu do Café. Além disso, se depara com várias outras construções onde outros negócios funcionam atualmente, mas que mantêm o mesmo estilo arquitetônico.

Traços para admirar na arquitetura santista

Segundo a arquiteta Thamyris Albuquerque explica, foi nos anos 20 que a arquitetura mudou do estilo Art Nouveau para o Art Déco. Por isso, as construções feitas nessa época passam ter como característica principal a simplificação formal e o funcionalismo, ou seja, a forma segue a função. Assim, estilos advindos do mundo da arte, como cubismo, futurismo e construtivismo, influenciam a arquitetura.

“Em resumo, isso quer dizer que sai de cena a arquitetura e os materiais clássicos para a inclusão de materiais de uma arquitetura moderna e insumos mais sofisticados, como vidro, bronze, prata, mármores e afins”.

Ainda de acordo com ela, o prédio da Bolsa do Café é um ótimo exemplo dessa tendência. Já que tem adornos como os vitrais de Benedicto Calixto e também vários itens em bronze e mármore.

Uma curiosidade é que muitos desses locais fazem parte da rota do bonde turístico de Santos hoje em dia. E o próprio veículo, hoje visto como um símbolo de Santos e usado como atração turística, chegou na cidade em meados dos anos 20.

Com os contratos assinados na Wall Street Santista a cada segundo, muitas pessoas vieram morar em Santos nessa época – desde paulistanos até estrangeiros vindos de navio da Europa. Seja para fazer negócios ou para aproveitar as oportunidades de trabalho que esse movimentação financeira trazia. Deste modo, os belos casarões do Centro não davam conta de abrigar a todos – e o custo de vida por lá também não era compatível com todos os bolsos. Outras partes da cidade começaram a ser populadas. E, para atender à demanda de moradores fora do Centro, diversas linhas de bonde surgiram a partir de 1921.

juicysantos.com.br - A Santos dos anos 20

Segundo registros, vieram carros cada vez de maiores e mais luxuosos da Europa e da Ásia.

Outro oceano de semelhanças

Assim como acontece nos dias de hoje, nem só de luxo e riqueza vivia a Santos de 1920. A história da cidade nessa época tem também uma das maiores tragédias naturais que aconteceram por aqui desde então: o desbarrancamento do Monte Serrat.

Essa é, inclusive, uma boa maneira de ver como a desigualdade social já estava presente por aqui nessa época. No total, foram 81 mortes de moradores do morro. Era dia 10 de março e a população santista passava por dias cinza e de muita chuva. O ocorrido ganhou os noticiários em todo o país e é, inclusive, tema de um livro organizado pela Fundação Arquivo e Memória de Santos.

juicysantos.com.br - A Santos dos anos 20Imagem: Memória Santista

Nos dias de hoje, não temos notícias de desabamentos nessa proporção. Mas é fato que no início do ano a defesa civil está sempre alerta para a possibilidade de desabamentos nos morros da cidade e que as enchentes castigam os moradores da Zona Noroeste de uma maneira que quem vive no Gonzaga, por exemplo, não é capaz de imaginar.

Cultura em Santos nos anos 20

A efervescência cultural dos roaring 20s também afetava a nossa cidade. Para além das novidades arquitetônicas e físicas da Santos nos anos 20, pode-se dizer que as mudanças comportamentais afetaram igualmente o que viria dali pra frente.

No Brasil, o ano de 1922 foi marcado pela Semana de Arte Moderna. Intelectuais como Mário de Andrade e Tarsila do Amaral se envolveram nesse verdadeiro happening cultural. O movimento modernista que veio dali em diante teve uma musa indiscutível que viveu a maior parte da sua vida em Santos, Patrícia Galvão.

Pagu representa, até hoje, o ideal de mulher criativa, livre e engajada. Santos se lembra dela o tempo todo – a artista dá nome ao maior centro de cultura público da cidade, na Av. Pinheiro Machado.

Com o Teatro Guarany em seu auge (inaugurado no fim do século XIX) e recebendo artistas de renome do Brasil e do mundo, Santos ganha mais um local de arte.

Apesar de ter sido aberto em 1909, o Teatro Coliseu se renova nos anos 20 e se transforma em um cabaret. Espetáculos contemporâneos de música e dança, inclusive com nudez, faziam parte da programação. Ah, e o traje a rigor era obrigatório para homens e mulheres.

Não deixa de ser curioso que, em 1920, a sociedade santista parecesse até menos conservadora do que em 2020.

Se você quer viver um gostinho dos loucos anos 20, além de passear pelo Centro de Santos para admirar a arquitetura, a gente indica uma visita ao Hideout Speakeasy. O bar se inspira na época da proibição nos Estados Unidos, quando estabelecimentos clandestinos viraram ponto de encontro de quem queria beber e dançar.

www.juicysantos.com.br - hideout bar em santos

A casa atualiza não apenas o clima, mas também os drinques do passado, proporcionando uma verdadeira viagem no tempo.