Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Quem foi Tebas, o arquiteto escravizado de Santos

Em um sábado de sol em Santos, a orla fica lotada desde cedo.

Numa caminhada pelo jardim, um santista apaixonado por arquitetura para de costas para o mar em duas ocasiões para observar outra atração: os prédios de Artacho Jurado no Boqueirão e na Ponta da Praia.

Não há quem ame arquitetura e não conheça os trabalhos do paulistano aqui na cidade – que, inclusive, são tombados pela Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa).

Mas será que todos sabem que foi Tebas?

Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Tebas, também era arquiteto.

www.juicysantos.com.br - tebas escravo arquitetoImagem: Wikicommons

Diferentemente de Artacho Jurado, que fez suas construções nos anos 1950, Tebas ajudou a construir São Paulo. E, entre seus feitos, está o primeiro chafariz público da capital paulista, o Chafariz da Misericórdia – demolido quando a água encanada chegou à cidade.

Tebas também trabalhou em obras icônicas até hoje de pé em São Paulo como, por exemplo:

  • Catedral da Sé;
  • Mosteiro de São Bento;
  • Fechada da Igreja da Ordem Terceira do Carmo.

www.juicysantos.com.br - tebas o escravo arquiteto de santosFoto: Webysther Nunes/Wikicommons

Na época em que todas essas obras aconteceram, o Brasil ainda era um país escravocrata. Tebas, nascido em Santos em 1721, era escravizado por um português que vivia em Santos e um dos mais reconhecidos mestres de obras da região. Foi quem o ensinou o ofício.

Por isso, só foi reconhecido como arquiteto mais de 200 anos depois de morrer. Em 2018.

Arquiteto e escravo: o que sabemos sobre Tebas

Você, talvez, nunca tenha ouvido falar na história do santista.

A verdade é que ele, assim como muitas pessoas escravizadas que construíram o Brasil, teve sua história apagada.

Em 2018, quando foi reconhecido como arquiteto pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de São Paulo (CAU-SP), o arquiteto santista também ganhou um livro sobre sua história. A publicação, que pode ser lida gratuitamente, reúne documentos e a trajetória do arquiteto.

Em resumo, a história começa aqui em Santos em 1721 onde o futuro arquiteto nasceu como escravo. O dono de sua liberdade era Bento de Oliveira Lima – um dos mais reconhecidos mestre de obras da região.

Foi ele quem transformou Tebas em pedreiro e, posteriormente, em arquiteto. Seu talento fez dele o escravo com a alforria mais cara no inventário de Oliveira. Enquanto os outros custavam 100 réis cada, ele, sozinho, valia 400.

De Santos para São Paulo

Com a liberdade tão cara, o arquiteto escravizado virou o braço direito de seu senhor. Assim que, aos 29 anos, ele saiu de Santos com destino a São Paulo em busca de oportunidades de trabalho melhores.

Uma vez na capital paulista, Tebas se teve um crescimento profissional inimaginável e se tornou parte da história da cidade.

“Pode-se dizer que Tebas foi decisivo para a constituição daquilo que Luís Saia, outro arquiteto de peso, chamou certa vez de período de ‘renovação estilística, ocorrido especialmente nas igrejas na segunda metade do século 18’”, comentou, em entrevista à revista Leituras da História, o professor da FAU-USP, Benedito Lima de Toledo. 

Sua importância enquanto arquiteto ganhou tamanha importância que, após a morte de Oliveira, o então arcebispo da Catedral da Sé, Matheus Lourenço de Carvalho, ficou com Tebas – pois queria finalizar a obra.

Logo em seguida, entre 1777 e 1778, ele assinou a carta de alforria do arquiteto – assim que acabou a construção da torre.

Homenagem do Google

No último dia 30 de junho, o Google fez um de seus Doodles em homenagem a Tebas.

www.juicysantos.com.br - tebas arquiteto escravizado

A data escolhida faz uma alusão ao mês em que o santista conquistou a liberdade. Vale dizer que, depois de livre, o santista seguiu atuando como arquiteto e fazendo trabalhos com pedras, sua maior especialidade. Ele faleceu quase 40 anos depois, em 1811, com 90 anos, por conta de uma gangrena.

O velório aconteceu na Igreja de São Gonçalo, que fica na Praça João Mendes.

A história de Tebas tem vários mitos e questões que não podem ser confirmados. Há quem diga, por exemplo, que ele construiu a torre da Sé em troca da liberdade e de que seu casamento fosse o primeiro celebrado na construção. Mas não há como garantir que o acordo, de fato, aconteceu. Sabe-se que o santista casou, muitos anos depois.

Se você quiser saber mais sobre essa história, indicamos a leitura do livro (clique aqui e acesse).

Vale a pena também ler o texto do El País sobre Tebas.