Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos
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Prazer, mãe: maternidade para além de qualquer estereótipo

Certo dia, Helena estava brincando enquanto mais uma Batalha do Caoz acontecia.

Sua mãe, Meduza, é um dos nomes a frente do rolê que promove batalhas de rap onde não há espaço para machismo, LGBTfobia ou qualquer outro tipo de preconceito. Ou seja, a menina estava entre os seus e se sentia totalmente em casa. Até que viu um rosto novo se aproximar. Por curiosidade, puxou assunto. Por gostar daquela mulher, a convidou para brincar.

“Aquela ali é a minha mãe, olha”.

Hellen Roots, sua nova amiga, olhou. Era o mesmo rosto que ela tinha visto dias antes, na página do evento no Facebook, e que a motivou a ir à batalha. Se aproximou, tornaram-se grandes amigas e tempos depois o relacionamento começou.

Diferente do que diz o ditado, a Helena tem duas mães

No Brasil, estima-se que mais de 30 mil famílias sejam iguais a da menina de 6 anos. Lares onde, no lugar de uma, estão duas mães.

De acordo com dados do IBGE, cerca de 60 mil famílias brasileiras são formadas por casais LGBTQIA+. Destas, mais da metade têm duas mulheres no comando da casa e, muitas vezes, dividindo a responsabilidade de educar uma criança.

“Enquanto ainda éramos apenas amigas, eu já cuidava da Helena quando a Meduza precisava estudar, trabalhar e em eventuais viagens. Sempre cuidei dela como se fosse minha filha”, conta Hellen.

Quando as amigas tornaram-se namoradas, a menina comemorou.

Na escola, sempre contou aos amigos sobre como era sortuda de receber o dobro de amor e carinho.

www.juicysantos.com.br - mães lésbicasMãe da minha mãe é minha…

O discurso do Jefferson, de 9 anos, sempre foi parecido. Neste caso, uma das mães é, na verdade, sua avó.

Segundo pesquisas, o Brasil tem, em média, 67 milhões de mães. Destas, 31% exercem a maternidade solo e 46% trabalham para manter a casa. Em outras palavras, precisam de alguma ajuda. E normalmente esta mãozinha vem de outra mãe, as suas.

“O Jefferson fica com a minha mãe desde que eu voltei a trabalhar. Ele tinha só cinco meses. Foi ela quem viu os primeiros passos e as primeiras palavras” conta Andressa Vasques, mãe do menino.

Ainda segundo ela, mais tarde o filho perguntou se poderia chamar a avó de mãe. O coração sentiu pela ausência que o menino queria suprir, mas entendeu que ali não cabia ciúmes e sim gratidão por sua mãe não medir esforços para cuidar bem dele. Desde então, Jefferson tem duas mães e simplesmente ama isso.

No caso dele, a sociedade enxerga a segunda mãe com bons olhos. Já no caso da Helena, é sempre bom lembrar que o Brasil é um dos países mais homofóbicos do mundo. Apesar disso, a família formada por ela, Meduza e Hellen nunca sofreu nenhum tipo de preconceito. O que, infelizmente, não é uma regra entre famílias homoafetivas.

Acontece que, quando o assunto é maternidade, sempre há espaço para alguém fazer um comentário, ou então dar uma sugestão ou um conselho que ninguém pediu. Neste sentido, há um grupo de mães que quase sempre sofre: aquelas que nasceram antes do tempo que a sociedade espera ou então as que decidem mudar a ordem natural das coisas.

Primeiro a maternidade, depois o vestibular

Cristina Santos tem 22 anos e se encaixa no primeiro caso. Engravidou aos 19 anos, quando ainda estava no cursinho pré-vestibular. Desde os colegas de curso até professores e médicos, ouviu de todos que ela tinha acabado com sua vida.

“Não vou mentir, fiquei triste e em alguns momentos achei que estavam certos”.

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Apesar das dúvidas, o sonho de fazer uma faculdade só foi adiado em um semestre. Hoje, ela se divide entre o estágio, o filho e a faculdade. De acordo com sua experiência, não é tão fácil. Mas mesmo as amigas sem filhos têm dificuldades. No fim das contas, ela diz, dá para fazer.

As mães nascidas na pandemia: como o isolamento mudou a maternidade

Gislaine Aparecida está no segundo grupo. Depois de ter dois filhos já crescidos, ela decidiu fazer uma faculdade. Neste caso, o apoio do esposo e dos filhos foi a sua maior motivação.

“Eu faço Engenharia de Produção e meu filho, Elétrica. Como tínhamos matérias parecidas, ele me ensinava muito. Mas nos primeiros três anos, fui atropelada pelos cálculos”.

Maria Rodrigues também voltou à sala de aula por incentivo da filha. Neste caso, a criança precisava de ajuda nas atividades escolares, mas a mãe, que não tinha completado os estudos até então, não sabia como ajudá-la. As aulas da Educação para Jovens e Adultos aconteciam à noite e duraram alguns anos. Período no qual, ela confessa, precisou dedicar mais tempo aos seu cadernos do que aos da filha. Em casa, recebeu todo apoio. Mas, ouviu críticas da família. Que apontava que ela estava deixando de ser uma mãe completa.

Na verdade, ela descobriu tempos depois, não existe mãe completa. Assim como não existe essa história de que mãe é uma só. Em algumas famílias, elas são várias. E que sorte a de quem tem esse privilégio.