Vamos conversar mais sobre o Centro Histórico de Santos?
A última matéria que fizemos sobre a decadência do Centro Histórico de Santos gerou uma série de comentários nas nossas redes sociais. E isso é muito importante pra nós porque nos dá a oportunidade de conversar com as pessoas que nos acompanham. Por isso, em primeiro lugar, obrigada pelas críticas e comentários.
Aproveitando o ensejo, destacamos aqui algumas contribuições da nossa audiência e vamos responder, com o apoio de algumas fontes. Afinal, é um tema super vasto. Então, vamos por partes.
Sobre a lei que protege as edificações históricas do Centro de Santos
Como a arquiteta Jaqueline Fernández Alves comentou em resposta no Instagram, existe, sim, uma lei que obriga o proprietário a manter a fachada dos prédios históricos de Santos. Iniciou com o “Programa de Revitalização Alegra Centro”, criado em 2003, em um cenário de iniciativa política para revitalização do centro santista.
Foi uma ação interdisciplinar, com a participação conjunta entre secretarias. Nesse caso, outras áreas foram envolvidas para fazer o programa dar certo: a de patrimônio histórico, de acessibilidade, mobilidade, paisagem urbana, programas e incentivos que envolvem comerciantes, proprietários, ações localizadas, feiras, festas, iluminação pública, mobiliário urbano e etc.
Acontece que, atualmente, o programa esfriou. O escritório técnico que orientava a população foi desmontado. Entretanto, a lei permanece e os imóveis continuam “tombados” – como popularmente se diz. Agora, o atendimento acontece junto ao escritório do Invest Centro – unidade de apoio para interessados/as em investir na Região Central – situado à Rua XV de Novembro, 129 (Centro Histórico), de segunda à sexta-feira, das 10h às 16 horas.
Estímulo à reocupação
Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano de Santos, Glaucus Farinello, a prefeitura vem promovendo vários incentivos para estimular a ocupação e o desenvolvimento do Centro.
“Houve, também, a flexibilização dos níveis de proteção para cerca de 2.000 imóveis localizados nos bairros Chinês, Valongo, Centro, Paquetá, Vila Nova e Mathias, com o objetivo de priorizar a ocupação e o desenvolvimento do Centro Histórico de Santos sem deixar de lado a preservação do patrimônio histórico e arquitetônico da Cidade”.
Já a arquiteta e urbanista ressalta a importância dos/as pesquisadores/as da área estarem envolvidos/as no processo:
“A cadeia produtiva vai desde a formação do profissional que atua na área do patrimônio cultural, perpassa pela ação da política pública adequada e chega a quem vai consumir. No caso do patrimônio cultural é necessário ainda a educação patrimonial adequada ao cidadão que precisa reconhecer sua memória para entender por que precisa preservar”.
Sobre o chamado ao setor cultural para reavivar o Centro
Divulgação/PMS
Farinello apontou para a importância da pandemia global, que teve seu auge entre 2020 e 2022, na corroboração do declínio do Centro Histórico de Santos, principalmente enquanto zona cultural.
“Estamos falando aqui de uma política que foi colocada para a sociedade em 2018/2019 e nem se encerrou o primeiro ciclo, a primeira etapa de cinco anos, e no meio disso, tivemos uma pandemia que, naturalmente, acaba complicando o ritmo e a sociedade como um todo”.
A tragédia com a boate Kiss é lembrada por ele como um fator determinante na situação.
“Muitas casas noturnas de Santos ficavam abrigadas em casarões antigos, históricos, e aí também por burocracias e dificuldades de legislação, havia muitas atividades sendo exercidas nos imóveis sem, de fato, a sua aprovação plena junto aos órgãos”, enfatiza.
A casa de shows gaúcha é um marco bastante infeliz na história das baladas no Brasil, ocorrido em 2013.
O incêndio no Rio Grande do Sul alertou aos/as bombeiros/as, que iniciaram ações mais fortes em relação à segurança. Portanto, se notou que muitos estabelecimentos não tinham o que era necessário para a proteção dos/as frequentadores/as em caso de perigo.
Assim, criou-se uma onda negativa naquele momento para o setor de bares e baladas no Centro de Santos. Somada essa problemática à pandemia, houve uma quebra no trabalho que vinha sendo feito entre poder público e muitos/as produtores/as culturais independentes, resultando em um esvaziamento.
Traçando novas rotas
Foi preciso parar para respirar e retomar as rédeas da situação após dois anos de isolamento social.
Segundo o secretário, todos os projetos que estão em andamento neste momento, como a expansão da linha do VLT no Centro, entre outros, ajudam a dar mais confiança para que novos empreendimentos possam surgir na área central. Inclusive, para trazer mais residentes para o local.
“Já estão em processo de licenciamento diferentes propostas, tanto comerciais como também de moradia, pela Prefeitura de Santos – um mix de modelos de empreendimentos que podem auxiliar no repovoamento da região e, com isso, dar mais vida à área central”.
Um dos principais pontos na meta de trazer o Centro de volta à vida é, justamente, permitir que haja gente vivendo, de fato, na região.
Nesse sentido, a prefeitura tem indicado algumas ações na direção da moradia popular, com o objetivo de repovoar o território, deixando mais próximo de um bairro comum da cidade.
A arquiteta Alves comenta que
“a prefeitura deve pensar nisso como prioridade (…). O turista que quiser conhecer Santos, vem conhecer com pessoas morando nela e isso é muito importante!”.
Afinal, ver pessoas nos lugares é sinal, também, de segurança, bem-estar e de uma cidade plena.
Toda gente
Farinello ressalta a importância da diversidade de classes sociais.
“Entendemos que, para um bairro ser vivo, ele tem que ser diverso. A gente não quer habitação somente de uma classe social. Diversidade é qualidade. É importante que Santos consiga ter essa mescla. Infelizmente, há um abismo social e cultural muito grande no nosso país e, cabe a nós, planejadores urbanos, tentar romper um pouco esse ciclo de construir cidades onde tem o bairro de pobre e o bairro de rico. Então, a gente quer, de fato, criar esse ambiente favorável para que essa diversidade”.
Ludmilla Rossi, host do podcast AutentiCIDADES, gravou dois episódios extras no evento WRLD CTY, que rolou em New York em 2023, abordando as moradias mistas. No encontro, ela acompanhou uma série de exposições com planejadores/as ao redor do mundo e contou tudo para gente, em português.
Santos é cenário da história brasileira
Um/a dos/as seguidores/as das nossas redes sociais disse bem:
“tomara que políticos, empresários, etc., queiram investir no Centro. Não podemos perder tanta história!”.
Por conta do porto, o Centro de Santos é um pedaço da história do país. E a nossa região ainda abriga construções que resguardam a memória da nossa formação, composta por lutas e busca por independência territorial e cultural. Esse é o motivo, por exemplo, do local ser constantemente buscado para produções cinematográficas que abordam a história brasileira.
Por isso, resgatamos as críticas feitas por Jacqueline: educação patrimonial é de extrema importância para o/a cidadão/a. E também para as pessoas que estão liderando ações, como o poder público. Afinal, somente por meio de uma iniciativa conjunta entre governo e as pessoas da cidade, como os/as empreendedores/as, frequentadores/as e moradores/as, é que vamos conseguir fazer com que a cidade evolua sem deixar a nossa história para trás.