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Vida cinza: para onde foi o nosso verde?

Foi paixão à primeira vista, literalmente falando.

A paisagem que se descortinou pela pequena janela do quarto da casa em que até hoje Ana reside era simplesmente espetacular.

Toda a opulência de um trecho de Mata Atântica ali, a poucos metros de seus olhos. E tudo isso bem no meio da Baixada Santista, em área plenamente urbana.

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Mas já se passaram nove anos. E parece que o tempo foi implacável. Hoje, Ana abre a mesma janela e o que vê da tão linda mata é apenas uma nesga.

Os prédios brotam com a pressa e a força de uma erva daninha.

Semana que vem, com certeza, nem essa nesga lhe restará.

Ontem, eles tinham vinte andares. Hoje, os edifícios passam dos trinta  – fácil. Parece uma mórbida disputa. Aos poucos, nossos horizontes vão se restringindo. A brisa do mar já não mais nos alcança. É uma janela de encontro com a outra. Uma prisão.

Qual crime cometemos?

O cinza no lugar do verde

Muitos se mudam para o litoral em busca de paz, de uma vida mais tranquila, menos estressante. E, para atender a essa demanda, e mesmo aquela gerada pelos habitantes locais, o que se faz? Levantam-se arranha-céus. Veda-se tudo com cimento. Mas isso traz suas consequências.

Cada verão que vem nos castiga mais, cada vez mais sufocantes. Olhe em direção ao mar. Uma muralha, não? É óbvio que a brisa não vai vir nos beijar se não estivermos na areia. Cada chuva mais forte vai nos deixar mais temerosos, não há dúvidas disso, afinal, cadê o solo livre para a absorção da água?

Sei que é um caminho sem volta, o tal preço pelo progresso. Outras cidades já sucumbiram, é que aqui, pela natureza mais exuberante, dá um aperto maior no peito. Mas será mesmo que tinha que ser assim? Não havia outras alternativas? Não estamos pagando um preço muito alto? Esse preço não tende a subir, até se tornar impagável?

Quanto a Ana, continua na mesma casa. Tentando se adaptar aos novos dias, aos barulhos incômodos do surgimento desses monstros de concreto, a falta de horizontes em sua janela.

A vida continua. Mas sem o canto dos pássaros, sem o verde da mata, até sem o azul do céu.

E ela continua. Apenas cada vez mais cinza.

0_TUysgoluGGBaiTeeIlustração: Fazia Poesia

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