Uma figura ímpar, meu irmão, Toninho Dantas
Final da década de 80. Lá vou eu, ainda adolescente, ensaiar de madrugada no Teatro Municipal de Santos uma revista musical – Revista do Henfil – que, na época, não entendia muito o que significava. Mas o que valia era o encontro com aquele grupo de atores, orquestrado por uma figura engraçada, divertida e muito coerente no que pretendia – ajudar a fundar o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS) em Santos. E na frente dizia: “Mostrem-se… mais galhardia… mais brilho, a plateia é de vocês…”, então deixei-me conduzir pelo que me foi solicitado e cantei:
“Henfil vai bem, e muito bem
Está vivo morando em São Paulo
Sub morar em inglês
Ele não fale francês
Mas viveu sempre em português”
Anos depois, encontrei novamente com esta mesma figura a frente do FESTA – Festival Santista de Teatro Amador, em uma reunião na Cadeia Velha falando sobre as dificuldades da realização naquele ano. Então foi quando me pronunciei e o questionei sobre o seu papel de diretor. Ele me olhou com fúria e mais tarde disse: “ …naquele dia queria te fuzilar…Como um rapazinho tinha a petulância de me desafiar, quem é ele…”, foi aí que tivemos o primeiro e verdadeiro encontro.
Audaz que era em suas ações, chamou-me para produzir com ele o Festival de Teatro, como forma de perceber do que eu era capaz. Aí o desafio voltou-se para mim.
Esse era o jeito de entendê-lo, jogar com as emoções, agir, entregar-se ao que se queria, sonhar para realizar e viver intensamente sob a dúvida.
Fomos chamados para trabalhar juntos na Oficina Pagu, o que nos aproximou mais ainda, e daí, com o descontentamento junto ao FESTA, decidiu-se retirar da direção. Ficou sem chão. Parecia um menino que perdeu seu brinquedo na noite de Natal e não sabia o que fazer para preencher aquele vazio que estava no peito. Por vezes, investia em algum projeto na Pagu, mas não era o suficiente. Foi então que surgiu a oportunidade de realizar um outro festival de teatro.
Era estadual. Ele se animou novamente e, no final do evento, vieram a Bete Mendes (atriz) e o Torero (diretor e escritor) cientes do que havia acontecido e comentaram: “Porque vocês não fazem um festival de cinema na cidade? Nós abrimos o caminho”.
Meu Deus! Um desafio! Era tudo que ele queria, então agarrou com toda a força a oportunidade lançada e olhou ao lado: eu ali parado. “E aí, vamos encarar? Topas?”, disse.
A cena se repete. E, no pulso do momento, como no jogo da vida, nossa prontidão deve ser eficaz e decisiva, então topei sem pestanejar. Surge o filho Curta Santos, e a nossa amizade torna-se irmandade.
O que dizer sobre um amigo que virou um irmão mais velho?
Meu…
Sabe-se lá os quantos momentos incríveis e de brigas tivemos. Via-o como profissional e como ser humano que era. Aprendi muito. Tinha orgulho dele, vibrava com suas conquistas como homem de cultura. Admirava-o e sobretudo tinha respeito.
Estive nos últimos dias de sua vida na cobrança da energia para mais uma batalha, ele nos motivava a isso, era incansável. Quando menos se esperava, lá estava ele chegando com sua roupinha comprada no “Paquis fashion”, às vezes com alguns furinhos, ou com a camiseta do Curta Santos e calçando seu chinelo havaianas (sua marca) para assuntar: “me conta”.
Na internet então, o cara não dava mole, provocava todo mundo e sua inquietude fazia as pessoas pensarem e se reverem. Queria saber de tudo e de como eram feitas as coisas para aprender. Queria opinar, participar, estar presente, ficar em sintonia sempre.
E esta sintonia faz falta, me pego hoje às vezes enviando e-mail pra ele, lendo alguns artigos deixados, recados e não tendo um retorno, era o hábito que ainda permanece.
Entre os amigos, nas conversas, a alegria contagiante da sua figura, suas frases e seus pensamentos são constantes é a melhor forma de lembrarmos. No momento de decisão criativa e de realização durante o Curta Santos, parece que sempre tem alguma mãozinha nos auxiliando. Certos que é a dele nos orientando lá de cima.
Um ano se passou e o que ele deixou como legado será eternizado e disseminado para todos como fonte de inspiração. Visionário, louco pelo seu ideal com os seus ídolos: Pagu, Plínio, Maurice e Rita Hayworth, ficará registrado na história e em nossos
corações.
Evoé, Toninho!
Saudades da Enorme.
Texto por Ricardo Vasconcellos