#TODASELAS em Santos: cultura de estupro e a prática do silenciar
Nos últimos dias, o manifesto #TodasElas conseguiu tomar as ruas em muitas cidades do Brasil, inclusive Santos.
Durante a mobilização que aconteceu por aqui, com início na Praça da Independência, cartazes com “a culpa nunca é da vítima”, “respeita as minas”, “meu corpo, minhas regras” dentre tantos outros, clamavam pelo que deveria ser óbvio: respeito e liberdade plena.
“Caso um dia eu tenha uma filha, espero que ela possa sair na rua sem medo de ser violentada. Quero que as próximas mulheres olhem para trás e vejam que o nossa luta não foi em vão”, diz Bruna dos Santos que, aos 15 anos, conforme explica, já convive com olhares invasivos e falas maliciosas quando sai à rua.
Não são apenas 33
Após o vídeo de uma garota de 16 anos estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro circular pela internet, as discussões sobre a cultura de estupro ganharam uma nova proporção.
Se, por um lado, pessoas prestavam apoio à jovem e ressaltavam os danos sociais dessa cultura, por outro, comentários misóginos tentavam justificar a ação dos estupradores, seja pela roupa que a vítima vestia ou pelo fato de estar (supostamente) drogada.
A culpabilização da vítima, fato que de inédito não tem nada, só reforça algo escancarado: não são apenas 33.
Vimos todo “antecedente” da garota ser levantado e nos deparamos com as mais diversas formas de expor uma pessoa. Mas, em comparação pouco se sabe sobre as vidas e passados dos que cometeram o crime.
1 em cada 5
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes dos 18 anos de idade, uma em cada cinco mulheres no mundo já foi vítima de estupro ou alguma outra forma de abuso sexual. Esse dado faz parte de um relatório com base em estudos realizados entre 2011 e 2015, agregando informações de 133 países.
Quando falamos de estupro, não estamos falando de uma “onda”, ou “epidemia”, como muitos meios de comunicação vêm se referindo, mas de uma cultura já estabelecida.
Em “O silêncio que ecoa: a cultura de estupro no Brasil”, texto da jornalista e militante feminista Grazi Massonetto, ela cita a chegada dos primeiros colonizadores e a concepção que eles usavam para naturalizar o estupro.
“Já se passaram 516 anos […] e a ideia de que as índias estavam sexualmente disponíveis para eles devido à exposição do seu corpo continua sendo reproduzida quando um homem se acha no direito de abusar de uma mulher porque ela está com uma roupa muito curta ou bebeu demais em uma festa”.
Precisamos falar sobre isso
Para a professora de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo, Cristiane Gonçalves, as manifestações #TodasElas dão visibilidade a uma das questões mais sérias envolvendo desigualdade de gênero, o estupro.
“O ponto é desnaturalizar algo que está na nossa cultura, que veio antes de mim, de você, da minha mãe etc. Obviamente com mudanças geracionais mas ainda fortemente naturalizado no nosso meio”, reforça Cristiane.
Parece que é verdade, o estupro veio mesmo antes da mini-saia.
Desta forma, porque continuamos reproduzindo os mesmos discursos?
O que significa “merecer” um estupro?
Será que a prática do estuprar é mesmo uma epidemia ou ela já é uma cultura sendo construída há séculos a fio?
Um questionamento forte que presenciei nas redes sociais durante os protestos #TodasElas foi “do que adianta essas mulheres manifestarem? Os estupros continuarão”. Como se tornar esse assunto uma pauta visível a todos não fosse importante, como se conscientização não fosse algo necessário.
Curiosamente, vi poucos voltando-se para as próprias atitudes e se indagando “até que ponto as minhas falas e posições podem silenciar alguém?”.
Vozes continuam a ser silenciadas a medida que frases como “se ela não estivesse lá naquele horário/lugar/jeito” se perpetuam.
A questão é, liberdade de ir e vir para quem?
Até quando?
Por Raquel Silva, estudante de Jornalismo da Universidade Santa Cecília (Unisanta)