Os edifícios pasteurizados de Santos
Santos está numa fase de grande produção imobiliária, mas como em outras grandes cidades do país, sofre com um crescimento sem identidade de edifícios pasteurizados. Na sua maioria, possuem fachadas similares com grandes varandas, que são sempre fechadas, e plantas dos apartamentos baseados em um modelo arcaico burguês do início do séc. XIX, que resulta em muitas reformas de unidades recém-entregues para se adequar aos novos modos de vida e arranjos familiares.
Nós, como usuários destes espaços, somo os maiores prejudicados. Como usuário das unidades, pois temos poucas alternativas com conceitos e proposta diferentes que muitas vezes não atendem as expectativas, necessidades e sonhos e que oneram o custo final devido a necessidade de reforma. E como cidadãos, que circulamos em uma cidade sem graça, sem vida, que não existe um a integração entre o público e o privado e nem uma mistura de usos.
Essa arquitetura simplesmente replicada pela cidade incomoda por não incomodar. A iniciativa dessas adequações e mudanças, devem vir por parte das incorporadoras e construtoras. A cidade só conseguirá ser menos feia no dia em que a iniciativa privada, que constrói a maior parte da cidade, se der conta de que arquitetura também é um investimento.
Imaginando a próxima geração de moradores de Santos, sendo otimista, eles serão mais viajados que seus pais e, provavelmente, terão um nível cultural melhor e acharão cafonas os neoclássicos e os espelhados verdes e azuis “contemporâneos” onde os pais vivem. O valor dessas unidades sofrerão uma desvalorização maior em um movimento inverso à rejeição dos tropeços arquitetônicos que nosso mercado imobiliário produz.
Analisando um pouco mais além, a globalização e a tecnologia direcionam o desenvolvimento das cidades neste novo século. Além de cheias, as cidades estão cada vez mais integradas e aceleradas, transformando a forma de uso do espaço e cotidiano. Um levantamento feito pela revista FastCompany com urbanistas e arquitetos identificou as principais tendências em curso e como elas estão influenciando o desenvolvimento urbano.
A principal é o uso de áreas compartilhadas. Com a alta do custo dos imóveis e a falta de terrenos disponíveis com boa localização para novos empreendimentos, uma solução são unidades com área privativa reduzida combinada a área comuns generosas. Essa prática já é praticada por aqui de maneira tímida e/ou errônea, com suas grandes áreas de lazer compactadas em um mezanino ou na cobertura do edfício e apartamentos de áreas reduzidas, mas sem reanalisar sua divisão e proposta de uso.
Vendo o outro lado da moeda, o mercado imobiliário é conservador e em geral é muito prático com relação à arquitetura. Existem alguns motivos para isso. Um empreendimento imobiliário é um negócio de capital intensivo, submetido a uma regulamentação complexa e que corre contra o tempo. Um pequeno erro no projeto pode inviabilizar uma obra; a interpretação distorcida da legislação pode atrasá-la indefinidamente. O incorporador precisa controlar todos os riscos do projeto que desenvolve. O volume do que o mercado imobiliário produziu nos últimos cinco anos foi alto; qualitativamente, porém, pouca coisa interessante apareceu. Viu-se muita fachada neoclássica nitidamente fora de escala, inclusive em empreendimentos de alto padrão; acabamentos se esforçando para parecer ser o que não são; para não falar em guaritas fora do lugar, vagas mal distribuídas, detalhes mal encaixados, etc.
O incorporador evitou alguns riscos; e outros problemas – e não só estéticos – apareceram. Acredito estamos passando por um momento de transição e necessária reanálise. Com empreendimentos prontos, está mais fácil separar a boa arquitetura do que foi feito sem cuidado, simplesmente para fazer volume, nesse período. Porque há exceções. Num mercado dominado por produtos parecidos, com nomes parecidos, alguns incorporadores e arquitetos trabalharam para desenvolver projetos inteligentes, com senso estético e preocupação com o
entorno.
São empreendimentos que agora, prontos, são inclusive alugados ou vendidos por preços consideravelmente mais altos do que concorrentes. Neste novo momento, parece que os clientes mais antenados estão cansados de projetos fracos e repetidos – e estão reconhecendo um projeto mais bem pensado, com identidade e uso bem definido. Mesmo que em pequena escala, já começa a se destacar em São Paulo uma arquitetura mais autoral de imóveis residenciais, com soluções visuais e estruturais ousadas. Alguns pequenos edifícios de apartamentos estão mudando positivamente a paisagem urbana da zona oeste de São Paulo. Os projetos são de arquitetos contemporâneos, de linguagens tão díspares como Andrade Morettin, Triptyque e Isay Weinfeld. “As empresas estarem apostando em projetos autorais é muito bom para a cidade e para a arquitetura”, afirma o professor Francisco Spadoni, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) para Folha de São Paulo. “Isso traz repertório e qualidade para o mercado, o que os edifícios construídos em massa muitas vezes não têm.”
Mas quem está por trás dessa iniciativa?
Uma referência nesta nova proposta, é a Idea!Zarvos. Quando criou a incorporadora, o administrador de empresas Otávio Zarvos, de 48 anos, já tinha dez anos de experiência no mercado imobiliário paulistano. Na nova empreitada, resolveu investir em arquitetura de qualidade para sair da mesmice dos prédios neoclássicos que predominam na paisagem de São Paulo. Apostou em arquitetos alinhados ao que existe de mais moderno na produção mundial, os quais as grandes construtoras enxergam como custo, e não como investimento.
Surgiram formas menos óbvias, ambientes confortáveis e uma relação melhor com a cidade. Em 2015, a Idea!Zarvos completa uma década de atividade, com 15 edifícios entregues e 28 em desenvolvimento. A incorporadora foi duas vezes premiada pela revista inglesa The Architectural Review, uma das principais do ramo no mundo. “É muito mais difícil criar algo
esteticamente inovador, com bons materiais, que fuja do óbvio. As grandes construtoras não querem passar pelo trabalho que dá fazer arquitetura de qualidade”, expressa Zarvos para a
revista Exame.
De acordo com o crítico de arquitetura Fernando Serapião para o portal VGV, no conceito de arquitetura de qualidade está inserida a generosidade no tratamento da interface entre o espaço público e privado, algo que ele chama de gentilezas urbanas, com pequenas praças com bancos públicos, um referencial nos empreendimentos da Idea!Zarvos.
“Alguns edifícios possuem também painéis de artistas plásticos, recuperando a relação entre arquitetura e artes plásticas do auge da arquitetura moderna brasileira. Por fim, há a pesquisa de linguagem arquitetônica de vanguarda, que pode vir a colaborar com a formação da identidade cultural do País. Por tudo isso, Zarvos dá uma lição ao mercado imobiliário: além do óbvio de ganhar dinheiro e pensar em lucros, ele está contribuindo na construção de uma cidade melhor”, conclui Serapião. Todos os empreendimentos da incorporadora Idea!Zarvos são autorais e diferentes um dos outros. Com plantas flexíveis, gentilezas urbanas e arquitetura de qualidade, os empreendimentos possuem em comum a proposta de estarem localizados em regiões com muito lazer, restaurantes e comércio por perto, facilitando o dia-dia dos moradores.
Em matéria para a revista AU, Zarvos é crítico em relação ao papel das incorporadoras na construção das cidades. Prevê que, o que veremos daqui a sete anos, é uma cidade deprimente, resultado da construção em série de edifícios residenciais pasteurizados. E se existe um movimento de retorno à boa arquitetura, para ele, é muito mais mérito do consumidor, que hoje está mais atento do que há alguns anos. Mesmo assim, adverte que esse movimento ainda é pequeno e é crítico em relação ao papel das incorporadoras na construção das cidades. Zarvos prevê que, o que veremos daqui a sete anos, é uma cidade deprimente, resultado da construção em série de edifícios residenciais pasteurizados. E se existe um movimento de retorno à boa arquitetura, para ele, é muito mais mérito do consumidor, que hoje está mais atento do que há alguns anos.
Mesmo assim, adverte que esse movimento ainda é pequeno. Sua busca é por diferenciar seus prédios dos que estão espetados por aí, segundo entrevista ao jornal Estadão. “Um dos diferenciais é o entorno imediato, nós fazemos algumas ‘gentilezas urbanas’, como aumentar os recuos, tirar os gradis, colocar bancos na calçada, lojas no térreo, para que a relação entre o prédio e a população possa ser mais amigável”.
O modelo é, no mínimo, inspirador. Resultado da combinação entre o gosto pela estética e a necessidade de ambientes menos (ou nada) convencionais, um novo conceito de prédios começa a ilustrar – e se destacar – na paisagem paulistana. São prédios baixos em bairros que abraçam esse conceito com naturalidade: Vila Madalena, principalmente, Vila Beatriz, Alto de Pinheiros, Sumaré e Pompéia. Fora dos padrões das grandes incorporadoras, que prezam a escala e a repetição das plantas, ainda são empresas pequenas que investem neste novo
conceito.
Outro case de sucesso,é a incorporadora Smart! de Porto alegre. Grife com DNA: qualidade de vida em tempo integral, conceito que norteia a incorporadora. A Smart! tem foco em empreendimentos de pequeno porte com arquitetura contemporânea e autoral que possibilitem, além de morar ou trabalhar, viver a cidade. Por isso, cada nova obra prevê intervenções que respeitem a cidade, as pessoas e seu entorno. “Nos pareceu óbvio o potencial de termos um office butique em uma rua arborizada e cercada de restaurantes e serviços”, destaca o sócio diretor da Smart! Ricardo Ruschel para o jornal Correio do Povo. A Smart!, em matéria no portal Arcoweb, se define como incorporadora-butique em razão de ela atuar em obras de pequeno porte, cujos projetos têm a preocupação de expressar uma arquitetura autoral e contemporânea. “Como ideal, a empresa se dedica a criar gentilezas urbanas. A qualificar pouco a pouco a cidade a cada novo edifício”, registra o site da companhia.
Embora ainda sejam poucos os empreendimentos desenvolvidos (dois concluídos e um em construção), neles a concepção arquitetônica é um ponto fora da curva, em comparação com a produção geral do segmento imobiliário.
Os especialistas comemoram a fase. Se, para o arquiteto, é uma oportunidade de se realizar como “artista”, para a cidade, é uma chance de acrescentar mais qualidade e beleza ao mar de espigões existentes. Para estudiosos, esse movimento em alguns bairros em São Paulo lembra o que ocorreu nos anos 1950 e 60, quando Higienópolis, na região central, concentrou obras de nomes como Artacho Jurado (1907-1983), João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) e Rino Levi (1901-1965). Daquela época, os prédios de hoje resgatam desenhos que proporcionam mais iluminação, ventilação e maior interação com o espaço público. “Há dez anos, éramos inundados por edifícios neoclássicos. De lá para cá, surgiram novidades com uma arquitetura mais contemporânea de influência modernista”, diz Bruno Padovano, professor de projetos da FAU-USP para o jornal Folha de São Paulo.
Por serem obras conceituais, com projetos únicos, mais complexos e, portanto, mais caros, o público-alvo também é diferente: os compradores são pessoas interessadas em design, que buscam por diferenciais e qualidade de vida aliados a funcionalidade. “Os empreendimentos imobiliários estão se transformando quase em um vestuário. As pessoas querem que seu prédio mostre quem elas são e do que elas gostam”, diz Alexandre Lafer, diretor da incorporadora Vitacon, que está há quatro anos no mercado e que tem apostado em trabalhos mais autorais. “Nesses casos, os arquitetos têm um viés de artista, querem ter um conceito e defendê-lo”, conta ele para o jornal Folha de São Paulo.
Texto por Daniel Cardozo – Arquiteto