Onde houver ódio, que a gente leve amor
Esse é o editorial de um dos principais jornais de judeus alemães de 2 de fevereiro de 1933.
“Não concordamos com a opinião segundo a qual Herr Hitler e seus amigos, que agora conquistaram o poder, vão pôr em prática as propostas que circulam; eles não privarão, de repente, os judeus alemães de seus direitos constitucionais, não os juntarão em guetos, nem os submeterão aos impulsos invejosos e homicidas da multidão. Não podem agir assim porque diversos fatores cruciais impõem restrições aos que detêm o poder e eles claramente não desejam seguir por esse caminho.”
O posicionamento de muitas pessoas sensatas em 1933 é o posicionamento de muitas pessoas sensatas hoje.
O erro está em presumir que os governantes que chegam ao poder por meio das instituições não possam mudar ou destruir essas mesmas instituições. Menos de um ano após essa publicação, uma nova ordem nazista se consolidava. A reflexão que compartilho aqui com vocês está no livro Sobre a Tirania – Vinte Lições do Século 20, do historiador Timothy Snyder (vale assistir esta entrevista).
Ele também lembra, no livro, a pesquisa do psicólogo americano Stanley Milgram, que ficou conhecida como “A Experiência de Milgram” (tem um filme na Netflix sobre como foi realizado o estudo).
O experimento buscava entender como as pessoas tendem a obedecer, mesmo que a ordem vá contra bom-senso individual, princípios e valores. Mesmo que prejudiquem outro ser humano.
Funcionava assim… O voluntário era instruído a administrar um choque elétrico cada vez que outro indivíduo (um ator, que o voluntário não via atrás de uma parede, um vidro e não sabia que estava representando) errava a resposta, aumentando o nível de choque a cada erro. As trinta chaves no gerador de choque variavam de 15 volts (ligeiro choque) a 450 (choque grave).
O ator errava a resposta propositalmente. A cada erro, o voluntário aplicava o choque elétrico. Se o voluntário se recusasse a administrar um choque, o experimentador (outra pessoa representando) repetia uma série de frases de estímulo para garantir que ele continuasse. Eram quatro frases. Se a primeira não fosse seguida, o experimentador lia a segunda frase, e assim por diante:
Estímulo 1: Por favor, continue.
Estímulo 2: O experimento requer que você continue.
Estímulo 3: É absolutamente essencial que você continue.
Estímulo 4: Você não tem outra escolha a não ser continuar.
65% dos participantes continuaram até o mais alto nível de 450 volts. Todos os participantes continuaram até 300 volts.
Os experimentos de Milgram começaram em julho de 1961, três meses após o julgamento de Adolf Eichmann, que geriu a logística de mandar judeus em massa para campos de extermínio. Esse julgamento resultou na expressão “banalidade do mal”, cunhada pela filósofa política Hannah Arendt (e tem outro filme que conta essa história).
Segundo Hannah, Eichmann não possuía um histórico ou traços antissemitas e nem mesmo apresentava características de um caráter doentio. Ele agiu acreditando que aquele era seu dever. Cumpria ordens superiores e desejava crescer na carreira. Era eficiente, sem refletir se causava bem ou mal a alguém.
Estamos em 2018. Num período da nossa história em que vemos as pessoas agindo baseadas ou na ignorância ou na omissão ou nos interesses próprios ou em transtornos psicológicos. Muitas, muitas mesmo, usando assustadoramente o nome de Deus para se justificarem. E a humanidade vai andando cada vez mais para trás…
Há um lado bom, apesar de tudo… Em que outras tantas pessoas, de diferentes idades e realidades, conseguem perceber que não, não está certo tudo isso. E se é para usar o divino é na oração de São Francisco de Assis, lembrado em sua data, 4 de outubro, que eu prefiro acreditar e tornar parte das minhas atitudes: onde houver ódio, que a gente leve o amor. Não se trata de religião. Se trata de um olhar humano e civilizatório.
Suzane é santista e cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG. É jornalista, mestre em sociologia, escritora e professora. Autora no blog Fale Ao Mundo e lançou o livro “Tem Dia Que Dói – mas não precisa doer todo dia e nem o dia todo”. Mãe orgulhosa da viralatinha Charlotte.