Cenas cotidianas: a inauguração de um supermercado
Tudo começa ainda na construção. Bastou as pessoas perceberem que aquele canteiro de obras não dará origem a mais um prédio residencial, e sim a um comércio, que as especulações já se iniciam.
“Será que é supermercado?”.
“De qual bandeira?”.
Quando as dúvidas cessam, começa o período de ansiedade pela inauguração. Cada movimento naquele local é devidamente monitorado e vigiado, tentando adivinhar o Dia D.
A rede de fofocas se espalha pelo bairro.
Até que, finalmente, a tão especulada data é divulgada. Em tempos de redes sociais, isso acaba indo além dos limites do bairro com a velocidade da luz.
Eis que o grande dia chega! Se a inauguração está marcada pra às 9 horas da manhã, antes das 8 já tem gente plantada na porta. Uns, já de posse do tablóide de ofertas, começam a traçar estratégias. Outros preferem a negação: “No outro supermercado está mais barato”.
O movimento cresce. Carrinhos são disputados a unha. Pessoas se empurram. Parece que, se não forem as primeiras a entrar, terão falhado na vida.
Depois de um discurso de diretores da rede que provavelmente nunca estiveram naquele bairro (e nunca mais estarão), as portas finalmente são abertas. Poucos momentos da vida cotidiana se assemelham tanto a vida selvagem quanto esse.
E, como numa selva, as regras do viver em sociedade são esquecidas.
Vale o “cada um por si”.
Muitos correm atrás das ofertas como o felino corre atrás da presa. Outros preferem estudar o ambiente, mas acabam atropelados pela manada munida de carrinhos. Empurrões e impropérios passam a ser coisas normais e esperadas.
Mesmo já em posse da “presa”, é preciso ficar alerta. Aves de rapina estão à espreita. É só largar as compras um minuto que elas atacam.
Os estandes de degustação são como oásis em meio ao deserto. Algodão doce? Açaí? Patê de fígado com quiabo? Pouco importa. O que vale no momento é comer a maior quantidade possível sem pagar nada.
Parece um inferno? Você não viu nada. Ainda falta o pântano das filas dos caixas. A escolha é sua: ou perder horas em filas que já invadem os corredores ou largar metade do que você com tanto sacrifício pinçou, para tentar “mofar” menos nas filas dos caixas “expressos”.
Na saída, se você ainda não surtou e não foi empurrado com mais gravidade e ainda consegue andar com as próprias pernas, é hora de tentar ir embora. Sim, tentar. Pois, acessar o estacionamento está impraticável, os ônibus lotados e os acessos congestionados. Isso tudo você com as compras sem empacotar porque não deu tempo e ainda com uma bexiga que ganhou de lembrança de tão solene ocasião.
Chegando em casa pilhado do supermercado e provavelmente com hematomas, você senta e confere o cupom fiscal. Constata que economizou a “polpuda” quantia de pouco menos de 10 reais.
Você respira aliviado. Missão cumprida!