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Café Rolidei, a casa de todas as gentes

A cada vez que entro lá, sinto que é a primeira vez. O acolhimento é o mesmo de sempre, seguro, confortável, que inserem todos, simultaneamente, no centro do palco. As pessoas permanecem interessantes e atentas, mas sempre descubro um personagem intrigante, algum item novo, uma imagem antigamente inédita que me leva a pensar.

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Estive no Café Rolidei na semana passada. Era uma conversa sobre minhas crônicas. Nada mais elogioso do que pessoas com vontade em conversar sobre literatura, sobre seus textos, sobre sua forma de pensar e enxergar o mundo.

O problema é que, toda vez que entro lá, me pego esquecendo do que fui fazer naquele espaço. O Café Rolidei me faz lembrar do tempo das casas na árvore.  A última vez que entrei numa delas já era adulto, numa das antigas edições da Casa Natal. Uma casa foi construída nos fundos de um prédio de três andares, na rua Pernambuco, no bairro do Campo Grande. Casas nas árvores foram extintas e deram lugar para fortalezas com acessórios gourmet.

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O Café parece uma casa na árvore porque, não apenas fica no poleiro do Teatro Municipal, sua fachada expõe um ar misterioso, daqueles que brilham os olhos de criança diante do contador de histórias. Atiram-me para um mundo paralelo, sem idade, escolaridade, renda e outros freios. Olho para as cortinas vermelhas que encobrem a entrada e tenho a sensação de que sairá dali uma surpresa, um novo caminho a partir das mesmas pedras, um coelho que nos convida para um buraco sem fundo.

Quando entro no Café Rolidei, renovo a fascinação pelas paredes. Na última visita, descobri o Che Guevara ao lado do Papa Francisco. Eles convivem com antigas bonecas, com flâmulas, como fotos de um passado recente, de um passado reconfortante. Gente de tudo que é jeito, cor, origem, perspectiva, qualidades e defeitos. Gente verdadeira, gente de ficção. A mistura que comprova nosso mosaico cultural, que teimamos em encaixar em compartimentos.

As paredes, levei algum tempo para perceber, são o símbolo do que significa aquela torre de uma Rapunzel cultural. Agarramos nas tranças para aguentar o tranco dos lances de escada que nos leva ao pé de várias sementes em cima das nuvens.

Ali dentro, vimos um cenário versátil, adaptável aos espetáculos teatrais, festas, aulas, confraternizações, diálogos literários, entre outras formas de produzir humanidade. E, no final da trilha, o baú de onde saem os tesouros, personificados em todas os rostos e cicatrizes, visíveis ou não.

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O Café Rolidei é um endereço político, de dificuldades econômicas e riquezas culturais. É um CEP multipartidário, sem siglas, referências institucionais ou status de marcas. As paredes do Rolidei têm vida própria porque todos por aqueles cantos transpiram autonomia. Lema e independência para criar, para se expressar, com a obrigação de ser crítico perante o mundo, com juras de fidelidade a si mesmo.

Na última visita ao Rolidei, conheci o ouro escondido atrás de uma cortina branca, fininha, que protege do pó, mas se escancara para o conhecimento.

Tomava café e conversava com a escritora Regina Alonso quando fiz o que deveria ter feito há meses. Puxei a cortina e degustei a biblioteca do grupo TamTam. Pensei em qual crime poderia cometer para ser condenado a meses de prisão domiciliar no Rolidei, ao lado da biblioteca. Na suíte presidencial, crônicas, romances, poesia, dramaturgia, teorias da filosofia ao meio ambiente.

O Café Rolidei é a (re)descoberta de gente e da gente. Entre o banheiro com cara de exposição fotográfica e decorado com uma cadeira vermelha de barbeiro e os figurinos que enfeitam o bar, que abriga a biblioteca, mas também ponto de encontro para debates acalorados, conheci pessoas como o Alexandre, capaz de escrever poesias, de fazer perguntas desconcertantes sobre crônicas e contar sua admiração sobre uma colega escritora. A arte como remédio de uso contínuo, enquanto a maioria receitaria a ele omissão para que Alexandre cumprisse o destino de estar à margem.

Esta casa não têm portas. Ela possui preocupações e responsabilidades. Arte não é fanfarronice de celebridade. Não são tensões somente com o papel da arte, do teatro, do ator, do encenador, dos produtores culturais. As cortinas vermelhas da entrada balançam para que entre o mundo lá fora, como um aviso de que a veia cultural não aceita egocentrismo, isolamentos e ataques narcísicos. A cultura é uma escultura conjunta, de diversas mãos, de variados modelos de cérebro, condenados ou não por uma sociedade que se finge diversa.

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Vou ao Café Rolidei com prazer e curiosidade acesa. Sei que ali haverá o abraço, a boa conversa, mas também a necessidade de inflar o pensamento, de renovar o entendimento de que somos minúsculos, pequenos demais para ignorar histórias que se recriam pela arte, que mapeiam o próprio corpo com injeções de solidariedade e humanismo.

Na última visita, soube de um novo problema. Gente pensante é assim: sofre, luta e nunca descansa perante obstáculos que rolam da montanha todos os dias. É a maldição de empurrar a pedra a cada amanhecer. Hoje, a pedra se chama a campanha de brinquedos para o Natal. Poucas doações, muita gente à espera. Por trás do palco, as contas que não fecham mês a mês.

O Café Rolidei e o grupo TamTam precisam de ajuda. A pedra, às vezes, fica muito pesada, mesmo para braços musculosos. De todas as gentes.

Marcus Vinicius Batista é jornalista e autor do livro de crônicas “Quando os Mudos Conversam” (Realejo Livros). 

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