As propagandas sem noção da revista Glamour
Um passo para frente e dois para trás. Se de um lado algumas celebridades de coragem (Demi Lovato, por exemplo) quebram tabus expondo transtornos alimentares, suicídio e outras experiências “incômodas”, mas que precisam ser tratadas de forma séria para criar consciência em vez de incentivar, há quem não saiba brincar. Alguns formadores de opinião fazem questão de seguir na contramão desse fluxo saudável e resgatar alguns valores e conceitos que já deviam estar enterrados.
Vi a revista Glamour nas bancas e a capa me lembrou as publicações para adolescentes dos anos 1990, e isso não é bom. Ficou esquisita, né? Enfim, comprei, só por curiosidade.
Assim como a Flavia, não gostei da linguagem e desisti de ler logo no começo, quando chamaram alguma coisa de “so last season”. Last season é usar essa expressãozinha afetada a essa altura da vida em uma revista. Entendo que rolou uma tentativa de ser tão informal quanto blogs, e eu acho louvável aprender com as mudanças que eles sinalizam em vez de tentar aniquilá-los, mas a revista escolheu puxar para si a pior parte desse mundo.
A edição da Glamour ficou jogada num canto, rejeitada, e eu nem lembrava mais dela quando veio o tiro de misericórdia: os dois comerciais para televisão feitos pela F/Nazca. Desculpe a falta de senso de humor, mas eu não os achei nem um pouco engraçadinhos.
O primeiro mostra uma mulher que trancou outra no armário porque as duas estavam usando vestidos iguais. Já a segunda exibe uma mulher comendo feito uma desesperada em quinze minutos para chegar linda no jantar e comer só um pedacinho de salmão na frente do bofe. Tudo isso, maldade, desespero e sacrifício, por uma questão de prioridades.
Rever os vídeos me deu até preguiça de comentar, mas a verdade é que a Glamour já chegou dando uma de Rafinha Bastos. Se é ok que a leitora prefira enfiar alguém no armário em vez de lidar com inseguranças ridículas, ou se recusar a comer na frente de uma pessoa por uma questão de glamour, eu não sou essa leitora, beijos.
É preocupante ver um veículo de comunicação fazendo piada com o pensamento estrutural dos transtornos alimentares: comer é sinal de fraqueza. A anorexia é a doença psiquiátrica que mais mata no mundo e um comentário recorrente nos depoimentos de pacientes é que elas não sabiam que estavam fazendo algo errado quando pulavam refeições ou comiam uma porçãozinha minúscula. Porque fazer sacrifícios pela magreza é mais do que socialmente aceito, é aplaudido. É sinal de determinação e força de vontade.
E aí vem essa bonita da propaganda da revista e come longe das vistas do meninão para comer pouquinho na frente dele. Por quê? Comer é deselegante? É feio? Quem come mais do que aquilo não é sexy?
E quanto a trancar a outra no armário? É tão importante ser linda e esteticamente única em uma festa que vale até uma maldadezinha? É esse pensamento machista sem noção de que mulher é competitiva, muita mulher junta nunca dá certo e mulheres não sabem ser amigas que a revista acha que merece um joinha? Se é uma revista feminina e quer conquistar as mulheres, por que é que em vez de zoá-las não as incentiva a lidar com as próprias inseguranças e transcender essas questões de competitividade?
Vergonha da comida e comportamentos maquiavélicos não são divertidos, são problemáticos. Então, mesmo que a propaganda seja irônica, vamos combinar uma coisa: certos conceitos não têm a mínima graça, ok?
Eis os vídeos: