Caminho do Peabiru: o que São Vicente e Machu Pichu têm em comum?
Imagine caminhar por uma trilha usada por povos indígenas há séculos, talvez milênios. Um caminho que ligava o litoral do Brasil até os Andes peruanos, cruzando florestas, rios e montanhas. E mais: que começa exatamente aqui, na Baixada Santista. Parece coisa de filme ou lenda antiga? Pois a ciência está mostrando que é real — e agora São Vicente foi oficialmente incluída nas rotas pesquisadas do enigmático Caminho do Peabiru, rede de trilhas milenar usada por povos indígenas para cruzar o continente sul-americano — com destino final em Machu Picchu, a lendária cidade sagrada dos incas.
Sim, o ponto de partida pode ser bem mais perto do que você imaginava.
Trecho em lado paraguaio do Caminho do Peabiru/Foto: Roberto Dziura Jr/AEN
Mas o que é o Caminho do Peabiru?
O Peabiru (do tupi “pe” = caminho e “abiru” = gramado amassado) era um imenso complexo de trilhas usado por diferentes povos indígenas – especialmente os guaranis – muito antes da chegada dos europeus. E, ao contrário do que se possa pensar, não era um trajeto improvisado: relatos históricos dos primeiros europeus que chegaram ao Brasil dão conta de trilhas bem demarcadas, com largura suficiente para a passagem de várias pessoas lado a lado, como se fossem “estradas”. Os guaranis foram grandes responsáveis por abrir e manter esses caminhos, que conectavam o Oceano Atlântico aos Andes, formando um verdadeiro corredor intercontinental.
Estima-se que o trajeto completo chegava a 3.000 km de extensão, atravessando os atuais estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, além de trechos do Paraguai e Bolívia, chegando até Cusco e Machu Picchu, no Peru. O caminho tinha múltiplas funções: era rota de comércio, migração, comunicação, peregrinação espiritual e até diplomacia entre povos andinos e povos da floresta.
Hoje, muitos estudiosos e praticantes de espiritualidade ancestral o reconhecem como um caminho sagrado, que carrega energias ancestrais e ligações com os astros, a natureza e os ciclos da vida.
São Vicente na rota do mistério
A conexão entre São Vicente e o Caminho do Peabiru começou a ganhar força nos últimos anos, graças a trilheiros, ambientalistas e estudiosos que suspeitavam da importância simbólica e geográfica da região. Mas foi em março de 2025 que veio a confirmação: a arqueóloga Vânia D’Ávila, da USP, publicou um estudo em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), identificando vestígios históricos que indicam que o trecho que vai do Parque Estadual Xixová-Japuí até o Morro do Cusco faz parte da rota original do Peabiru.
De acordo com os relatos na análise, logo após o desembarque dos portugueses em 1532, os indígenas locais já falavam de uma trilha que “atravessava o mundo” e levava até o outro lado do continente. E mais: mapas antigos mostram traçados que partem do litoral paulista e seguem para o interior, em conexão com trechos já reconhecidos do Peabiru no Paraná.
Essa trilha, então, não era apenas um caminho local — ela era o começo de uma jornada continental.
O trecho “vicentino” do Peabiru tem início no Parque Estadual Xixová-Japuí, uma área de preservação ambiental com rica biodiversidade e mirantes incríveis. A trilha segue mata adentro até o Morro do Cusco, um ponto elevado com forte simbologia espiritual. O nome “Cusco” pode parecer coincidência, mas há quem diga que ele é uma referência direta à capital do império inca, o que faz ainda mais sentido à luz das novas descobertas.
O que tem na trilha do Caminho do Peabiru
Durante o percurso de aproximadamente 4 km (ida), os visitantes passam por costões rochosos, ruínas históricas e pontos de contemplação. Há quem afirme que algumas rochas da região possuem marcas cerimoniais, e grupos espirituais já realizam rituais andinos por lá, reforçando a sensação de conexão com algo maior.
A trilha ganhou um novo fôlego recentemente por trilheiros e grupos de preservação ambiental. Agora, com o reconhecimento histórico, existe um movimento para que ela passe a integrar rotas oficiais de turismo ecológico e cultural — inclusive com possibilidade de se conectar a outros trechos do Peabiru no interior paulista e no sul do Brasil.
Em território nacional, São Vicente se junta a cidades como Florianópolis (SC), Paranaguá (PR) e Cananéia (SP) na preservação de vestígios dessa rede histórica.
Por que isso importa?
O que torna essa descoberta tão poderosa é justamente o simbolismo. Pensar que a primeira cidade do Brasil, São Vicente, é também um portal para uma rota ancestral que leva até Machu Picchu, é reconectar passado e presente. É como se as trilhas abertas por indígenas há centenas de anos finalmente estivessem sendo redescobertas e valorizadas.
Machu Picchu, no alto dos Andes, é uma das sete maravilhas do mundo moderno. Construída pelos incas no século XV, tem inúmeros mistérios e espiritualidade. E agora, ao que tudo indica, possui uma conexão com o nosso litoral por uma rota sagrada que atravessa florestas, rios e montanhas.
Se bateu vontade de conhecer: o ponto de partida da trilha fica no Parque Estadual Xixová-Japuí (São Vicente) e dura cerca de 3 a 4 horas (ida e volta)