A primeira manifestação de 1º de Maio no Brasil aconteceu em Santos
Talvez você não saiba, mas o Dia do Trabalhador, celebrado mundialmente no 1º de maio, tem um elo fortíssimo e pioneiro com a nossa cidade. Enquanto a data ressoa globalmente como um dia de luta e conquistas da classe trabalhadora, foi aqui, em terras santistas, que a chama dessa mobilização acendeu, com a primeira manifestação de 1º de Maio no Brasil.
De onde surgiu o 1º de maio?
As raízes do 1º de Maio vêm de longe, lá dos Estados Unidos. Nas greves de 1886 em Chicago, operários exigiam a jornada de oito horas diárias. A repressão violenta dessa luta culminou no trágico Massacre de Haymarket, marcando a data com o sangue dos “mártires de Chicago”. Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu transformar o 1º de maio numa data mundial para homenagear essa luta.
Direto do cais de Santos, uma história de orgulho
E os ecos dessa mobilização internacional chegaram rápido a Santos.
A cidade portuária, sempre conectada ao mundo através dos navios que atracavam no cais, era um terreno fértil para as ideias socialistas e anarquistas que circulavam na Europa e nos EUA. Os trabalhadores santistas já tinham o espírito de luta, com manifestações e greves por melhores condições desde antes, como a dos carregadores de café em 1877.
Fontes históricas apontam que a primeira manifestação do 1º de Maio no Brasil aconteceu bem aqui, em Santos, no ano de 1891. Organizada por trabalhadores anarquistas, a comemoração teve discursos na região portuária, defendendo a união operária e a jornada de oito horas.
Mais de 4.000 trabalhadores das Docas, da São Paulo Railway, do Matadouro Municipal, do comércio, da construção civil, da Alfândega e da Mesa de Rendas, dos bancos, dos armazéns de carga e até carroceiros, cruzaram os braços, na maior manifestação da classe operária brasileira do século XIX.
Mas o evento foi visto com desconfiança pelas autoridades e dispersado pela polícia, com parte da imprensa local tachando-o de “subversivo” e “estrangeiro“.
O Partido Operário (que algumas fontes citam como Centro Socialista) havia sido fundado em 1889 por militantes como Silvério Fontes, Sóter Araújo e Carlos Escobar.
Nos anos que se seguiram, Santos continuou na vanguarda. Em 1895, a cidade voltou a marcar a data, considerada por alguns registros como a primeira a comemorar o 1º de Maio no país ou a primeira a organizar uma “manifestação maior”. Foi uma iniciativa do Centro Socialista de Santos. O nascente movimento socialista brasileiro, articulado com a II Internacional, ajudaram a solidificar as conexões entre os trabalhadores.
Um ícone operário: Silvério Fontes
Um nome importantíssimo nessa história é Silvério Fontes. Médico sergipano radicado em Santos, foi um expoente na organização do movimento socialista e dessa manifestação de 1895.
Fontes, que se correspondia com líderes socialistas internacionais, falou no evento de 1895, realizado na sede do Partido Operário.
As bandeiras eram claras: solidariedade internacional dos trabalhadores e a jornada de oito horas. Detalhe curioso: ao final do evento, distribuíram copos de água potável, um “artigo de luxo” na Santos daquela época. Silvério Fontes, aliás, não cobrava para atender operários. Além disso, os ajudava até em questões jurídicas, sendo lembrado pela sua generosidade.
Hoje, ele dá nome a um complexo hospitalar e maternidade na Zona Noroeste.
Enquanto Santos e seus trabalhadores, influenciados por ideais anarquistas e socialistas, usavam o 1º de Maio como dia de protesto e reivindicação na República Velha, enfrentando repressão e duras condições de trabalho, a data só seria oficializada como feriado nacional muito depois. Isso aconteceu em 1924, no governo de Arthur Bernardes.
Getúlio Vargas, com a intenção clara de “domesticar” o Dia dos Trabalhadores, transformou o dia de luta para um feriado de “festa” e “glorificação do trabalho ordeiro”. Setores combativos da época denunciaram essa tentativa do governo de “roubar” a data das mãos dos movimentos radicais.
“No projeto getulista, a manifestação que era dos trabalhadores, revolucionários, para exigir direitos, se transformou em uma festa do trabalho, na qual se homenageia não exatamente o trabalhador mas sim a categoria básica do mundo capitalista e do estado autoritário de Vargas: o trabalho”, diz à BBC News Brasil o historiador, sociólogo e antropólogo Claudio Bertolli Filho, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor de, entre outros livros, A República Velha e a Revolução de 30, em matéria da BBC.
A oficialização definitiva como feriado ocorreu em 1949 pela Lei 662.
Apesar das tentativas de esvaziar seu conteúdo revolucionário, o 1º de Maio manteve seu simbolismo de luta.
E Santos, com sua história de ativismo e por vezes considerada uma cidade “indomável” pelos governos, fez nascer essa tradição no Brasil, mostrando a força e a organização dos trabalhadores santistas desde os anos iniciais do movimento operário nacional.